Retenciones “travam” o agro da Argentina

Published on: August 25, 2025

“As restrições e a estagnação que a economia argentina enfrenta não são externas, mas internas…!

Esteban Barelli é líder do Departamento de Economia do Movimiento CREA, organização de agricultores da Argentina. É agrônomo pela Universidad Nacional del Sur e doutor em Ciências Econômicas pela Universidad de Buenos Aires.


Esteban Barelli, Movimiento CREA

AgriBrasilis – Por que os agricultores argentinos não conseguem cobrir seus custos?

Esteban Barelli – A conta “não fecha” em função de três fatores principais, que incidem na competitividade da agricultura da Argentina:

  • Preços internacionais baixos, semelhantes aos da pandemia;
  • Valorização do peso argentino (ARS), que reduz a competitividade da receita frente aos custos;
  • Retenciones (impostos de exportação) de 26% para soja, 5% para carne e 9,5% para trigo e milho.

Esses impostos incidem sobre a receita, não sobre o lucro. Ou seja, o governo arrecada mesmo quando a empresa tem prejuízo. Além disso, somam-se tributos nacionais, provinciais e municipais, geralmente mais altos que a média global.

AgriBrasilis – Que medidas poderiam aliviar esse problema?

Barelli – Melhorar a competitividade exige várias medidas. O governo já reduziu impostos aduaneiros e flexibilizou o ingresso de insumos e maquinários. Mas, como os preços internacionais e a cotação do dólar não estão sob controle interno, é essencial avançar na eliminação das retenciones.

Também é preciso seguir com reformas microeconômicas que aumentem de fato a competitividade da economia.

“…43% dos produtores dizem que é um mau momento para investir, contra apenas 20% que veem boas condições.”

AgriBrasilis – Quais são as consequências das mudanças na política de retenciones?

Barelli – A redução recente vai na direção correta, pois amplia a margem das cadeias agroindustriais. Mas isso foi uma medida limitada, que tornou permanente uma medida transitória que havia sido concedida em janeiro. 

As retenciones existem há mais de 20 anos e seus efeitos negativos atingem não só o agro, mas toda a economia. A Argentina vive ciclos de crise em que a falta de dólares gera desvalorização do peso e aumento da pobreza, fenômeno conhecido como “restrição externa”. No entanto, as retenciones são um problema interno, fruto de políticas antiexportadoras que enviam sinais equivocados ao setor produtivo. O resultado é atraso em área, produção e exportações frente a concorrentes como o Brasil.

AgriBrasilis – O CREA aponta que o investimento em tecnologia no agro está diminuindo. Por que isso ocorre?

Barelli – De acordo com a pesquisa SEA CREA (1.400 respostas em julho), 43% dos produtores dizem que é um mau momento para investir, contra apenas 20% que veem boas condições.
Além do cenário macro, a Argentina praticamente não oferece crédito de longo prazo em moeda local, e a inflação elevada gera juros voláteis. Isso limita o planejamento e encurta decisões sobre quando comprar insumos, quando vender a produção. 

Apesar de certa estabilidade após a mudança de governo, ainda vivemos uma transição. Inflação e reformas estruturais estão apenas pela metade. As margens apertadas e as retenciones reduzem o incentivo para investir em tecnologia, pois o produtor recebe o preço internacional menos o imposto, mas paga insumos a preço cheio. Entre 2021 e início de 2024, os insumos foram ainda mais caros devido a restrições de importação, problema corrigido recentemente.

 

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