“As hortaliças, por serem extremamente sensíveis, podem ter registrado perdas acima de 90%…”
Amanda Balbino é meteorologista da Ampere Consultoria, bacharel em Ciências Atmosféricas pela Universidade Federal de Itajubá.

Amanda Balbino, Ampere Consultoria
Entre o final de junho e o início de julho, duas ondas de frio impactaram fortemente o Centro-Sul do Brasil, trazendo prejuízos relevantes para diversas lavouras. A terceira onda de frio do ano ocorreu entre os dias 23 e 25 de junho, e foi marcada por temperaturas negativas em várias regiões, inclusive com registro de neve em cidades de Santa Catarina. Além disso, a quarta onda de frio, na virada de junho para julho, derrubou ainda mais as temperaturas: em alguns municípios catarinenses, os termômetros chegaram a marcar mínimas próximas a -10 °C, reforçando o cenário de frio extremo do início deste inverno.
A sequência de ondas de frio que atingiu o Brasil foi causada pela passagem de frentes frias que avançaram do Sul em direção ao interior do país, trazendo ar polar e derrubando as temperaturas. Um fator importante por trás do intenso pulso de ar na segunda quinzena de junho foi a Oscilação Antártica (AAO), o principal modo de variabilidade climática do Hemisfério Sul, com influência direta nos padrões meteorológicos da América do Sul. Nesse período, a AAO refletia uma condição de enfraquecimento dos ventos ao redor da Antártica, facilitando a incursão do ar polar para latitudes médias e tropicais, como se as “portas do frio” estivessem abertas. Isso então favoreceu a chegada de massa de ar frio mais intensa ao Brasil.
Nas últimas semanas, essas massas de ar polar criaram as condições ideais para a formação de geadas em muitas regiões agrícolas. Normalmente, o céu limpo nas madrugadas, sem a presença de nuvens que atuariam como uma espécie de “cobertor”, permite uma maior perda de calor da superfície, intensificando o resfriamento noturno. Esses fatores potencializaram ainda mais a queda das temperaturas, favorecendo a formação de geadas em diversas regiões. Quando a temperatura cai para valores abaixo de 2 °C, e os ventos permanecem calmos, o ar frio tende a se concentrar junto ao solo, criando um ambiente propício para a formação de geada. Nessas condições, o risco de danos às plantas aumenta significativamente, especialmente para as culturas mais sensíveis ou que ainda estão em estágios iniciais de desenvolvimento.
Impactos nas lavouras
A onda de frio de 23 a 25 de junho afetou com força o estado do Paraná, com impactos relevantes sobre as lavouras de milho, trigo, hortaliças e pastagens. As estimativas do Departamento Técnico e Econômico (DTE) da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), são de perdas de cerca de 30% na produção de milho e de 20% a 25% na de trigo. As hortaliças, por serem extremamente sensíveis, podem ter registrado perdas acima de 90% em algumas áreas.
As regiões produtoras de café no Sul de Minas e na Alta Mogiana também sentiram os efeitos das geadas. Apesar de a safra atual (2025) já estar bem avançada, o frio acendeu um alerta em relação à safra de 2026. Isso porque a geada pode danificar os ramos e comprometer o potencial produtivo do próximo ciclo. Além de reduzir a produtividade, o frio intenso pode afetar a qualidade dos grãos, o que impacta diretamente os preços no mercado.
Além disso, nas últimas semanas as geadas atingiram as lavouras de cana-de-açúcar em estados como Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Com temperaturas próximas ou abaixo de 0 °C, muitos canaviais apresentaram folhas queimadas, rachaduras nos colmos e morte das gemas apicais, danos que reduzem o desempenho agrícola e exigem ação técnica imediata para conter os prejuízos.
No Sul do país, por sua vez, as geadas queimaram as folhas mais jovens de plantações de tabaco, deixando-as escurecidas e quebradiças. O que pode comprometer tanto a aparência quanto a qualidade do produto final.
Já o algodão, cuja safra 2024/25 está em fase de colheita, enfrenta atrasos devido às chuvas fora de época somadas às baixas temperaturas. As precipitações registradas em importantes áreas produtoras, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, dificultam a entrada das máquinas nas lavouras e colocam em risco a qualidade da pluma. A colheita sob tempo úmido também aumenta as exigências nos padrões de comercialização, trazendo ainda mais preocupação aos agentes do setor.
O que esperar daqui pra frente?
O inverno ainda está em andamento, e a possibilidade de novas ondas de frio não está descartada. Apesar de julho estar sendo marcado por uma janela de estiagem e tendência de termômetros em elevação no país, as previsões sugerem o retorno das chuvas entre o final do mês e a continuidade delas em agosto sobre a região Sul. Por isso, é essencial que os produtores se mantenham informados e acompanhem os boletins meteorológicos com atenção. Afinal, o monitoramento constante do clima possibilita a adoção de estratégias de manejo, fundamentais para mitigar os riscos e proteger o que está no campo.
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