O El Niño vai quebrar a safra de café robusta?

Published on: September 5, 2023

“…o El Niño poderá atingir intensidade forte no segundo semestre de 2023…”

Fernando Maximiliano é analista de inteligência de mercado da StoneX Brasil, formado em agronomia pelo Instituto Federal do Espírito Santo.

Fernando Maximiliano, analista de inteligência de mercado da StoneX Brasil


AgriBrasilis – O El Niño pode causar uma quebra drástica da safra de café robusta? 

Fernando Maximiliano – Seria imprudente afirmar categoricamente que haverá uma quebra na produção de robusta. Isso depende de fatores ligados ao clima, cujas previsões têm um certo nível de imprecisão.

Podemos avaliar quais seriam os possíveis impactos em um cenário de ocorrência do El Niño. Existe a previsão da ocorrência do El Niño de intensidade forte no segundo semestre de 2023 e no início de 2024.

De certa forma, a ocorrência do fenômeno em 2023-2024 se assemelha ao observado em 2015, quando um El Niño forte aconteceu no final daquele ano e no início de 2016. Como resultado dos impactos do fenômeno, naquela época a produção brasileira apresentou redução de mais de 38% em dois anos. No entanto, existem algumas diferenças que mostram que o impacto em 2024 não deverá ser tão severo.

AgriBrasilis – Esses riscos são os mesmos para o café arábica?

Fernando Maximiliano – Não necessariamente. Considerando a ocorrência do fenômeno entre 2014 e 2016, que foi o último período com El Niño prolongado e de forte intensidade, o impacto foi severo para a produção brasileira de café robusta, mas a safra brasileira de arábica apresentou uma tendência diferente, avançando mais de 22% entre 2014 e 2016.

AgriBrasilis – Qual é a intensidade prevista para esse fenômeno climático?

Fernando Maximiliano – Na última atualização dos modelos de previsão disponibilizados pelo IRI/CPC/NOAA, observamos a indicação que o El Niño poderá atingir intensidade forte no segundo semestre de 2023 e no início de 2024, com pico entre os meses de novembro, dezembro e janeiro. De acordo com a o modelo probabilístico, existe 76% de chance de o fenômeno permanecer até o trimestre FMA (fevereiro, março e abril) de 2024.

Esse cenário é preocupante exatamente pelas etapas de desenvolvimento do café robusta que acontecerão junto ao pico do El Niño. Para grande parte das regiões de café robusta, as lavouras passarão pelo período de expansão e enchimento – ou granação – dos frutos, etapas que são cruciais para definir o rendimento da safra e que exigem condições climáticas favoráveis para atingir o potencial pleno.

AgriBrasilis – É possível uma queda de 40% de produtividade, como ocorreu em 2014 – 2016?

Fernando Maximiliano – Existem 4 grandes diferenças entre as condições daqueles anos e o atual cenário:

  1. Período de ocorrência do El Niño: apesar da semelhança com o El Niño de 2015, que teve intensidade forte no final do ano e início do ano seguinte, os dados mostram a duração do fenômeno foi bem maior em 2015. Naquela ocasião, o El Niño começou no terceiro trimestre de 2014, se estendeu até o primeiro semestre de 2015 com intensidade fraca/moderada e só no segundo semestre de 2015 alcançou uma forte intensidade. Em 2023 as condições são diferentes. O El Niño está começando apenas no segundo semestre do ano, com o primeiro semestre de 2023 em condições neutras e com volumes satisfatórios de chuva nas regiões.
  2. Eficiência dos sistemas de irrigação: Em 2014 e 2015, mesmo que a maior parte das lavouras no Espírito Santo e no sul da Bahia já tivessem sistemas de irrigação implantados, grande parte deles era composto por sistemas pouco eficientes no uso da água, como sistemas de aspersão, por exemplo, o que contribuiu para o esgotamento dos recursos hídricos para a irrigação. Atualmente, a maior parte dos sistemas de irrigação implantados são por gotejamento, que é muito eficiente e econômico no uso da água. Sem contar as inúmeras tecnológicas implantadas, como sistemas de gestão e automação da irrigação.
  3. Reservatórios: Na última crise hídrica enfrentada pelos produtores no Espírito Santo e Sul da Bahia, os produtores rurais não contavam com tantos reservatórios hídricos como atualmente. Depois da crise, houve um forte investimento tanto pela inciativa privada, por parte dos produtores, como pela inciativa pública na construção de reservatórios de água.
  4. Proibição do uso da água: Finalmente, em resposta à forte escassez hídrica, o poder publico proibiu o uso da água para fins de irrigação, priorizando naquele momento o uso da água para o consumo humano, o que agravou ainda mais as condições das lavouras de café robusta. Em 2023, tendo em vista os bons volumes de chuva recebidos nas regiões e os reservatórios hídricos, não há a expectativa que uma medida tão drástica possa ser tomada.

AgriBrasilis – Os sistemas de irrigação podem mitigar os efeitos do El Niño?

Fernando Maximiliano – O uso dos sistemas de irrigação é o maior aliado do produtor para lidar com uma possível situação de menor volume de chuvas e temperaturas elevadas. No entanto, mesmo que seja feito o uso da irrigação, em dias muito quentes o volume de água perdido pela planta na parte aérea é maior do que as raízes são capazes de absorver, provocando o murchamento da planta, o que pode impactar negativamente no desenvolvimento dos frutos. Além disso, a incidência dos raios de sol pode provocar queimaduras nas folhas e nos frutos, condição conhecida como escaldadura.

AgriBrasilis – Os cafeicultores estão preparados?

Fernando Maximiliano – Sem dúvida os produtores estão mais preparados do que em 2014 – 2016, tendo em vista o amplo uso de sistemas de irrigação modernos e eficientes. No entanto, é importante que o produtor saiba dos possíveis impactos do El Niño e tome decisões focadas na boa gestão dos recursos hídricos disponíveis.

 

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