Sistemas agroflorestais são viáveis em todos os biomas do Brasil

Published on: June 2, 2025

“O sucesso dos sistemas agroflorestais irá passar por estabelecer arranjos e parcerias com entidades locais, regionais e federais…”

Natália Leite é especialista em finanças para a bioeconomia na The Nature Conservancy – TNC, engenheira ambiental pela POLI-USP e mestra em ciências ambientais pelo PROCAM-USP. Atua na iniciativa Inovação Financeira para a Amazônia, Cerrado e Chaco – IFACC e em demais projetos de finanças sustentáveis da TNC.

Natália Leite, especialista na TNC


AgriBrasilis – O que são sistemas agroflorestais e quais seus benefícios?

Natália Leite – O IFACC (Inovação Financeira para a Amazônia, Cerrado e Chaco) define os sistemas agroflorestais (SAFs) como técnicas de uso do solo em que espécies perenes são integradas, simultaneamente, com cultivos e/ou animais. Os SAFs são uma solução para conciliar a produção de alimentos com a recuperação ambiental de áreas já desmatadas, dado que eles promovem a recuperação serviços ecossistêmicos como biodiversidade, sequestro de carbono, qualidade do solo, evapotranspiração, etc. Os SAFs são uma ferramenta para a restauração florestal, que é uma das principais estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Além disso, os SAFs podem ser empregados para restaurar passivos ambientais nas propriedades, mediante cumprimento da legislação local, acelerando o cumprimento com o Código Florestal.

Por fim, temos os benefícios sociais, uma vez que os SAFs podem endereçar as necessidades das pessoas e comunidades, remunerando mais por unidade de área do que os cultivos anuais ou a pecuária e promovendo soberania alimentar.

AgriBrasilis – Qual é o nível de ação desses sistemas e onde eles estão localizados no Brasil?

Natália Leite – Segundo a análise que fizemos de dados do IBGE, os SAFs estão presentes em cerca de 490 mil propriedades no país. Dessas, a Amazônia conta com 46 mil, em sua maioria da agricultura familiar.  Já no Cerrado, são cerca de 52 mil propriedades com SAF, 36 mil na agricultura familiar e 16 mil não-familiar, que podem ser modelos ILPF (integração Lavoura, Pecuária e Floresta). Os demais SAFs do Brasil estão principalmente nas regiões Nordeste e Sul.

AgriBrasilis – Financeiramente, é viável a adoção de sistemas agroflorestais nos biomas brasileiros?

Natália Leite – Sim, os SAFs são viáveis em todos os biomas, desde que desenhados especificamente para a região onde estão inseridos, considerando as condições microclimáticas locais, e tópicos como assistência técnica, mão de obra, infraestrutura e mercado consumidor.

O estudo demonstra a viabilidade econômica de três modelos para o Cerrado, com VPLs positivos e TIRs que variam de 15% a 79%, com média em torno de 30%. São eles: um sistema com nativas em parceria com proprietários de terra, um hectare voltado para a agricultura familiar e por fim, um modelo para zona de transição com a Amazônia em áreas com irrigação e um sistema integrado com pecuária.

AgriBrasilis – Quais salvaguardas são necessárias para a adoção dos SAFs?

Natália Leite – O estudo traz um levantamento aprofundado das salvaguardas que devem ser observadas e respeitadas no desenho e implementação de SAFs, para evitar impactos socioambientais negativos. Elas são divididas em sociais e ambientais. A primeira abarca temas como estudo de viabilidade econômica, mapeamento dos fornecedores e mercados consumidores, equidade de gênero, condições justas de trabalho e parceria com os produtores rurais. Já a segunda, inclui plano de manejo de resíduos, plano de combate ao fogo, mecanismos de adaptação climática, priorização de espécies nativas, dentre outras.

De forma abrangente, todo e qualquer projeto de SAFs deve ser baseado em uma análise de riscos e externalidades negativas não pretendidas, que podem ter consequências na comunidade, no ambiente e nos próprios resultados. Essa análise irá definir quais são os riscos e as respectivas salvaguardas relevantes para cada projeto.

Mais importante do que definir a lista de salvaguardas, os atores devem criar as rotinas e ferramentas necessárias para efetivamente colocá-las em prática e monitorar o seu cumprimento.

AgriBrasilis – O que é financiamento misto e por que é importante para a expansão dos SAFs?

Natália Leite – A combinação de recursos de diferentes fontes em uma mesma estrutura financeira: recursos públicos, privados e de filantropia. Apesar dos SAFs serem apontados como economicamente viáveis, o financiamento misto provê as condições necessárias para garantir os resultados e a rentabilidade pretendida. Isso pode se dar de diferentes maneiras, através da redução das taxas concedidas aos produtores, fornecimento de créditos de investimento a longo prazo, mecanismos de mitigação de riscos para maior atração de capital privado, ou provisão de assistência técnica e outros serviços para destravar os desafios.

AgriBrasilis – Quais os incentivos governamentais para a adoção desse sistema produtivo?

Natália Leite – O sucesso dos SAFs irá passar por estabelecer arranjos e parcerias com entidades locais, regionais e federais, dentre elas agentes governamentais. Estes podem apoiar em investimentos em infraestrutura, assistência técnica, programas de compra e outros incentivos e políticas que incentivem a expansão dos SAFs, visando impulsionar o fornecimento de sementes e mudas, o beneficiamento e escoamento dos produtos, o combate à incêndios, e a pesquisa e desenvolvimento acerca do manejo e aplicação das espécies nativas.

 

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