Pesquisador da Embrapa explica a nova Lei dos Bioinsumos

Lei dos Bioinsumos
Last modified on: January 22, 2025

“Desde o final de 2024 os produtos biológicos utilizados para o controle de pragas deixaram de ser enquadrados como agrotóxicos…”

Marcos Rodrigues de Faria é pesquisador na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, com graduação em agronomia pela UNB, mestrado em entomologia pela Universidade da Flórida e doutorado pela Universidade de Cornell.


Desde o final de 2024 os produtos biológicos utilizados para o controle de pragas deixaram de ser enquadrados como agrotóxicos. De agora em diante, tanto esses produtos quanto muitos outros de origem vegetal, animal ou microbiana passarão a ser regidos pela Lei nº 15.070/2024, conhecida como a Lei dos Bioinsumos. O uso de produtos dessa natureza está autorizado em propriedades agrícolas, pecuárias, aquícolas e de florestas plantadas.

Um tema muito discutido durante a tramitação do Projeto de Lei foi a produção de bioinsumos para uso próprio, popularmente conhecida como produção “on farm”, cuja comercialização é expressamente proibida. Embora praticada no Brasil há várias décadas, o aumento expressivo da produção on farm de microrganismos ocorreu há pouco mais de 10 anos. Na ocasião, houve escassez de produtos químicos para controlar surtos da lagarta Helicoverpa armigera. A partir disso, muitos agricultores de commodities passaram utilizar alternativas biológicas que, até então, eram adotadas de forma tímida, como os produtos à base de vírus ou da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt). Os bons resultados observados nas lavouras estimularam vários produtores rurais a cultivar em suas propriedades a bactéria Bt e outros microrganismos benéficos.

A Lei nº 15.070 estabelece que, ao contrário dos bioinsumos produzidos em biofábricas comerciais, aqueles produzidos on farm ficam dispensados de registro, havendo apenas a necessidade de cadastramento simplificado das unidades de produção, à exceção daquelas advindas da agricultura familiar, que são isentas dessa exigência. Além disso, as unidades de produção deverão realizar o controle de qualidade, seguindo as boas práticas a serem estabelecidas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.

Outro ponto a ser destacado é que, em algumas circunstâncias, como pode ser o caso das bactérias fixadoras de nitrogênio, os produtos biológicos de natureza comercial têm preços bastante acessíveis e a produção on farm é desafiadora e, portanto, a produção na propriedade rural acaba não sendo recomendada.

Em outros casos, as preparações on farm poderão resultar em economias se forem produzidas e utilizadas de forma correta sendo, portanto, necessário realizar um bom planejamento dessa atividade, uma vez que pode envolver a aquisição de equipamentos caros e a contratação de mão-de-obra especializada. Na realidade, o produtor rural passa a ter preocupações que antes não tinha. Por esse motivo, a produção tecnicamente correta, realizada por associações, cooperativas, condomínios agrários ou congêneres, prevista na Lei dos Bioinsumos, soa como uma alternativa interessante, para os pequenos produtores e até para os produtores rurais de grande porte. Esses arranjos podem permitir a substituição gradual das produções artesanais, hoje predominantes, que, via de regra, adotam equipamentos e práticas de cultivo que desfavorecem a multiplicação de microrganismos específicos e que podem resultar, mesmo que o risco ainda não tenha sido quantificado, na produção de bactérias patogênicas aos humanos.

Bioinsumos à base de microrganismos podem ser bastante eficazes caso tenham boa qualidade e se forem empregados de forma correta. A adoção de boas variantes genéticas de microrganismos (chamadas de cepas, isolados, linhagens ou estirpes), desde que seguras e eficazes, é fator-chave para o controle de pragas, fixação biológica de nitrogênio, solubilização de nutrientes, promoção de crescimento de plantas, tolerância à seca, dentre outros processos.

As doses utilizadas devem ser adequadas e a viabilidade dos microrganismos preservada para que o resultado esperado seja alcançado. No caso de produtos microbianos que são pulverizados, deve haver muito cuidado com o horário de aplicação, já que são muito sensíveis à radiação solar. Outro cuidado é com a prática que envolve a mistura com outros produtos, já que muitos microrganismos são afetados por diversos tipos de agroquímicos.

Inúmeros pontos da nova lei ainda terão que ser definidos ao longo de sua regulamentação, como, por exemplo, se o MAPA estabelecerá a necessidade ou não de acompanhamento técnico habilitado nas unidades de produção. Ainda, a Lei dos Bioinsumos prevê que os produtores rurais que fazem a produção de bioinsumos com microrganismo como princípio ativo tenham, também, além do uso de produtos comerciais registrados para tal finalidade, a opção de obter as cepas diretamente de coleções de microrganismos credenciadas no MAPA.

O Brasil conta com mais de 150 coleções de microrganismos, públicas ou privadas, parte delas com microrganismos para uso na agropecuária. Espera-se que os produtores rurais possam ter acesso apenas às cepas devidamente identificadas e cuja segurança e eficácia tenham sido comprovadas através de ensaios experimentais robustos e conclusivos. A Lei nº 15.070 prevê ainda a utilização de mecanismos financeiros para incentivos à produção de bioinsumos. Entretanto, o futuro dos bioinsumos depende que a qualidade desses produtos seja um dos focos da regulamentação da lei. Se tudo for conduzido de forma satisfatória, o uso dos bioinsumos poderá ser ainda mais promissor.

 

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