Café da Colômbia: da lavoura até a xícara

“A ocorrência de três anos consecutivos do fenômeno La Niña apresentou graves efeitos na produção cafeeira…”

Álvaro Gaitán Bustamante é diretor de pesquisa científica e tecnológica da Federação Nacional dos Cafeicultores da Colômbia – FNC, formado em microbiologia pela Universidade de Los Andes, com doutorado em fitopatologia pela Universidade de Cornell.

Álvaro Bustamante, diretor de pesquisa da FNC


AgriBrasilis – Como o excesso de chuvas dos últimos três anos impactou a produção de café?

Álvaro Bustamante – A ocorrência de três anos consecutivos do fenômeno La Niña apresentou graves efeitos na produção cafeeira. O La Niña afeta a Colômbia da seguinte maneira:

  • A luz solar é reduzida devido à presença constante de nuvens, o que retarda o processo de fotossíntese;
  • Redução da temperatura média, tornando os processos fisiológicos mais lentos;
  • A precipitação aumenta, o que retira os nutrientes do solo e afeta a absorção pelas raízes;
  • Manutenção de alta umidade nas lavouras, o que favorece doenças causadas por fungos, como a ferrugem do café.

Embora em algumas partes do país, onde predomina clima seco, um excesso ocasional de chuva possa ser vantajoso, como a Colômbia possui elevada pluviosidade (não há irrigação para as culturas de café), períodos consecutivos de La Niña têm efeitos muito negativos.

Mesmo assim, em contraste com condição semelhante que o país viveu entre 2008 e 2011, com uma queda na produção próxima de 45%, a redução média da produção nesse último evento de La Niña foi de apenas 8%. Isso se deve a um processo de adaptação às mudanças climáticas que a Federação Nacional dos Cafeicultores vem realizando ao longo dos anos, aumentando de 15% para 85% a área plantada com variedades resistentes à ferrugem, e reduzindo a idade média das plantas de 13 anos para 6 anos nas propriedades, além da melhora das condições de sombreamento e fertilização das culturas.

Em relação à mão de obra, as condições chuvosas afetam a homogeneidade da floração e posteriormente do amadurecimento dos frutos, o que causa maiores custos para a colheita. Felizmente, foram anos de bons preços internacionais, o que amenizou um pouco a situação de menor produção e maiores custos de produção.

“Devido ao estado chuvoso da nossa área cafeeira, as doenças causadas por fungos são muito relevantes, sendo a principal delas a ferrugem do café”

AgriBrasilis – A produção de café na Colômbia aumentou 8,38% em março em relação ao mesmo mês do ano anterior. A que se deve esse aumento?

Álvaro Bustamante – Em meados de 2023, as consequências de um El Niño moderado começaram a ser percebidas nas lavouras de café, com os efeitos opostos do La Niña: mais horas de luz, maiores temperaturas, e períodos acentuados de déficit hídrico, que favorecem a fisiologia da planta de café, com melhor floração e chuvas suficientes para encher os frutos, o que permitiu a recuperação da produção.

Um fator adicional foi a redução dos preços dos fertilizantes, que vem estimulando a melhoria na nutrição dos cafezais, cujos efeitos tem se expressado nas colheitas do segundo semestre de 2023 e início de 2024.

AgriBrasilis – Quais são as expectativas para a próxima colheita?

Álvaro Bustamante – A Colômbia tem três condições climáticas, o que significa que temos café o ano todo. Para a Zona Sul do país, a principal colheita ocorre no primeiro semestre. Na Zona Central, a colheita distribui-se pelos dois semestres do ano. Na Zona Norte, a principal colheita ocorre no segundo semestre do ano.

Em 2024, teremos também a transição das condições de El Niño para “neutras” (no meio do ano) e depois para La Niña (no final do ano). Embora nós venhamos de um efeito positivo do El Niño moderado no final de 2023, a maior intensidade desse fenômeno no primeiro semestre de 2024 começou a causar danos significativos devido à broca-do-café, e ao mau enchimento dos grãos (conhecido como café de verão).

Por outro lado, as florações responsáveis ​​pela colheita concentraram-se no segundo semestre, junto com a pluviosidade adequada, o que pode levar a uma colheita importante até o final do ano, onde será determinante a disponibilidade de mão de obra e a capacidade de beneficiamento e secagem do café nas fazendas.

FONTE: Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia

AgriBrasilis – Quais são os principais problemas fitossanitários da cafeicultura na Colômbia?

Álvaro Bustamante – Devido ao estado chuvoso da nossa área cafeeira, as doenças causadas por fungos são muito relevantes, sendo a principal delas a ferrugem do café (causada pelo fungo Hemileia vastratrix). Por isso, é fundamental continuar trabalhando na geração de variedades resistentes a essa doença.

Como a Colômbia renova suas plantações de café cortando os colmos a 30 cm do solo, é importante controlar a “Llaga Macana” (causada por Ceratocystis fimbriata, causador da seca da mangueira no Brasil). Nos germinadores e canteiros é necessário evitar o tombamento, ou damping-off, causado pela Rhizoctonia spp., e também os nematoides, que são muito difíceis de controlar se forem levados para o campo.

Quanto às pragas, a presença contínua de frutos nos pés de café cria condições difíceis para o controle da broca, para o qual realizamos o Manejo Integrado, e que tem sido muito eficaz.

Um problema cuja importância tem aumentado é a presença de cochonilhas das raízes, que podem causar problemas nutricionais e até morte de plantas.

A proteção da biodiversidade nas lavouras de café é uma ferramenta fundamental para obter o controle biológico de muitas pragas e doenças, e continua sendo uma peça fundamental para minimizar os efeitos fitossanitários na produção.

AgriBrasilis – Que fatores determinam a qualidade dos grãos? Como produzir frutas da categoria premium?

Álvaro Bustamante – A qualidade física e sensorial é o resultado de uma soma de componentes. Existe um efeito genético importante, que pode ser melhorado através da seleção por granulometria. Por exemplo, as variedades produzidas pelo Centro Nacional de Investigações de Café – Cenicafé apresentam percentual de 85% de grão qualidade “supremo” (17 mesh ou superior).

É claro que esse potencial genético só é revelado se a planta crescer num clima adequado, com temperatura e água suficientes, bem como com manejo agronômico apropriado. Deve-se condicionar a acidez do solo (com pH entre 5 e 5,5), oferecer fertilização adequada, eliminar plantas daninhas e manter sob controle os problemas fitossanitários (manejo integrado e preventivo).

AgriBrasilis – Qual a importância do “terroir” e do agroecossistema colombiano neste sentido?

Álvaro Bustamante – É muito importante. Através da tecnologia de Espectrometria de Infravermelho Próximo, hoje caracterizamos o café de todo o país, o que nos permite identificar em apenas três minutos o local de origem do café na Colômbia. A composição química do grão é reflexo do local onde ele é cultivado e, portanto, as características da xícara variam de acordo com ambiente.

Dada a presença de três cadeias montanhosas, a influência do Oceano Pacífico, do Mar do Caribe e da Amazônia, e 86 tipos de solos, as combinações de ambientes fazem da Colômbia um país com enorme potencial para diversos perfis de café. A isso devemos somar os processos de pós-colheita realizados pelos cafeicultores, o que torna cada xícara de café única.

Na produção de café, ter ambientes tão ricos em biodiversidade, onde já determinamos que os insetos polinizadores são responsáveis ​​por quase 20% da produção em um lote, torna prioritário desenvolver e adotar tecnologias cada vez mais sustentáveis, com poluição zero, e utilizando a bioeconomia circular, que também melhora a rentabilidade dos produtores e torna o nosso café mais apreciado nos mercados internacionais.

FONTE: Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia

AgriBrasilis – Que avanços estão sendo alcançados no desenvolvimento de variedades e melhoramento genético no país? Quais são as características que se procuram?

Álvaro Bustamante – O Cenicafé possui um programa de melhoramento genético que começou por volta de 1967, desenvolvendo variedades diante da ameaça da ferrugem, doença que chegou à América através do Brasil em 1970, e na Colômbia em 1983.

Através do financiamento dos cafeicultores colombianos, foi possível continuar a obter novas variedades, começando pela variedade Colômbia e continuando com as variedades Castillo e Cenicafé 1.

Nossas variedades são caracterizadas por 4 características:

  1. Produtividade igual ou superior à variedade anterior
  2. Adaptação ao ambiente colombiano (chuvoso)
  3. Resistência durável à ferrugem
  4. Alta qualidade física (granulometria) e da xícara de café

Com esses objetivos, lançamos variedades multilinhagens, que possuem diversos componentes genéticos, com diferentes mecanismos de resistência à ferrugem, o que as faz permanecer no campo por muitos anos. Além disso, nossas variedades já contêm genes de resistência ao CBD (Coffee Cherry Disease), uma doença muito limitante para a produção, que hoje só é encontrada na África.

O Cenicafé também é responsável pela produção de sementes, e entrega cerca de 90 toneladas anuais, o que equivale a 200 milhões de novas plantas a cada ano. A distribuição por semente torna menos dispendiosa a aquisição da tecnologia pelo cafeicultor, adquirindo sacas de 1 kg (cerca de 4,5 mil sementes) por um valor próximo a US$ 12. No plantio de um hectare de café podem ser utilizados 3 kg de semente, por exemplo.

A combinação de um programa de melhoramento com um programa de produção de sementes torna evidente o impacto da pesquisa científica na produtividade do país, e hoje estamos preparados para enfrentar desafios como as mudanças climáticas e o Acordo Verde da União Europeia.

FONTE: Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia

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