Transações comerciais Brasil-China sem uso de dólar

Publicado em: 13 de abril de 2023

“Entendemos que há liquidez suficiente para absorver a demanda esperada para o mercado brasileiro…”

Leonardo Oliveira é diretor executivo do Banco BOCOM BBM, formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Oliveira foi nomeado vice-Presidente do Comitê Executivo do BOCOM BBM em outubro de 2021.

Leonardo Oliveira, diretor executivo do BOCOM BBM


AgriBrasilis – Quando devem ser iniciadas as operações comerciais sem uso de dólar entre China e Brasil? Que etapas ainda devem ser cumpridas?

Leonardo Oliveira – Já estamos aptos a oferecer operações de câmbio e derivativos em CNY/RMB [yuan chinês, ou renminbi] desde o fim do ano passado, porém com algumas restrições de horários e prazos para liquidação. Esperamos que a ferramenta esteja plenamente operacional no 2º semestre de 2023. Faltam ainda algumas integrações de sistemas e infraestrutura de TI.

AgriBrasilis – O que é e como surgiu o banco BOCOM BBM? Qual sua participação no Brasil?

Leonardo Oliveira – O BOCOM BBM tem sua origem em duas instituições financeiras com longas histórias na China e no Brasil, o Bank of Communications, um dos cinco maiores bancos comerciais da China, e o BBM. Atuamos na concessão de crédito e de serviços financeiros para empresas nos segmentos SME [pequenas e médias empresas], corporate e large corporate, além de estruturação de operações de mercado de capitais e de hedge financeiro para empresas estabelecidas no Brasil e no exterior.

AgriBrasilis – O BOCOM BBM foi a primeira instituição na América do Sul credenciada para operar através do China Interbank Payment System. Qual o papel dessa plataforma?

Leonardo Oliveira – O CIPS objetiva facilitar o uso da moeda chinesa em transações internacionais, contribuindo para expandir as oportunidades de negócios entre a China e os demais países do mundo. A participação do Banco BOCOM BBM como membro pleno do CIPS contribui para promover o maior uso do renminbi em transações comerciais e financeiras entre os dois países, considerando a crescente importância da China como destino das exportações brasileiras e a expansão dos empreendimentos e fluxos de investimentos chineses no país.

AgriBrasilis – Como será calculado o valor das taxas de câmbio, e por quais instituições?

Leonardo Oliveira – Atualmente o CIPS já conta com a participação de mais de 1300 participantes indiretos em mais de 100 países. Logo, já existe um mercado amplo e atuante capaz de prover liquidez necessária para cotações de diversos pares de moeda com o RMB, inclusive o BRL.

Cabe a nós mostrar as vantagens da utilização desta plataforma aos clientes. Dntre elas estão a maior agilidade operacional, menor atrito de conversões de taxas nas partes envolvidas, ou seja, maior competitividade de preços, menor burocracia para os clientes brasileiros e chineses, além da possibilidade de desenvolvimento de soluções desenhadas para as características desse comércio bilateral.

Por fim, os clientes poderão sempre comparar as diferentes alternativas existentes e escolher aquela que considerarem melhor.

AgriBrasilis – Quais as consequências para o mercado e seus efeitos sobre os custos das transações?

Leonardo Oliveira – Esse acordo irá fortalecer as relações comerciais Brasil-China ao reduzir o número de operações cambiais para apenas uma transação comercial, eliminando a necessidade de ancoragem no dólar. Possibilitará a redução dos custos de transação direta entre renminbi (CNY) e o real, uma maior oferta de operações de proteção (hedge) de variação cambial entre as moedas e liquidação financeira das operações intraday, 24h por dia. Pelo modelo atual, essas operações demoram 2 dias úteis e são limitadas ao horário de negociação em cada mercado local.

AgriBrasilis – Os riscos cambiais e de liquidez são maiores para esse tipo de operação? Por quê?

Leonardo Oliveira – Não. Entendemos que há liquidez suficiente para absorver a demanda esperada para o mercado brasileiro de transações em RMB. Em 2022, a corrente de comércio Brasil-China atingiu US$ 150 bilhões. Nesse mesmo ano, foram transacionados algo como 96 trilhões de RMB via CIPS, ou cerca de US$ 14 trilhões.

Há estruturas de produtos complementares como NDFs [Non-Deliverable Forward, ou Contrato a Termo de Moeda sem Entrega Física] de CNY para BRL que mitigam os riscos cambiais e geram previsibilidade no fluxo de caixa para as companhias brasileiras que estiverem buscando melhores condições comerciais com seus parceiros chineses. Além disso, haverá sempre a possibilidade de comparação com as alternativas já existentes. Outro fator é que, no momento da contratação, os parâmetros da operação serão garantidos pelas instituições bancárias participantes.

O poder de escolha, como sempre, é dos clientes, que devem perceber o valor desse novo produto. Essa plataforma permite o pagamento de compras e vendas diretamente na China continental, proporcionando vantagens comerciais às empresas brasileiras. Acreditamos que a adesão à plataforma está de acordo com o interesse de desburocratizar e facilitar o câmbio entre os países e será complementar às alternativas já existentes.

AgriBrasilis – Que outros países já adotaram o comércio sem interferência do dólar? Qual o desempenho desses outros sistemas?

Leonardo Oliveira – Há diversas iniciativas regionais com o intuito de fomentar o comércio entre países que vem sendo desenvolvidas nos últimos anos. O Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) entre integrantes do Mercosul é um deles. O próprio governo brasileiro reforçou isto na visita feita à Argentina recentemente.

Na última década, o uso do RMB tem apresentado crescente evolução, atingindo cerca de 3% das transações atuais. Ainda assim, dólar e euro representam 80% das transações internacionais e a iniciativa da CIPS é criar mais opções para empresas e países, refletindo o aumento do comércio entre eles.

AgriBrasilis – A China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009. Por que só agora está sendo implementada essa medida? O que essa novidade significa para as relações entre Brasil, China e os EUA?

Leonardo Oliveira – O CIPS é uma iniciativa criada pelo Banco Popular da China em 2012 e busca refletir o peso cada vez maior da China e do RMB no comércio global. Está em constante evolução, e sua implementação ocorre em fases, tendo sido concluída a primeira fase em 2015, quando 195 instituições, de 50 países, aderiram ao sistema, e a segunda, em 2018, ampliando os horários de negociação.

Nosso país só tem a ganhar aumentando a corrente de comércio e a conectividade com os EUA e a China e com o dólar e o RMB. Além de serem nossos principais parceiros comerciais, esses países têm economias complementares à brasileira. Os benefícios às empresas brasileiras são enormes.