Agronegócio brasileiro em 360° 

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Publicado em: 24 de maio de 2021

Entrevista exclusiva com Roberto Rodrigues sobre as principais características e panorama do agronegócio nacional.

Ex-Ministro da Agricultura,  engenheiro agrônomo e professor da FGV, Roberto Rodrigues conversou com a AgriBrasilis sobre a sua visão em relação ao futuro do agronegócio nacional.


AgriBrasilis – Nas últimas décadas o Brasil conquistou uma posição de destaque e fundamental no agro global. Quais foram os fatores que levaram a isso?

Roberto Rodrigues – Eu acredito que esse fato se deveu a três fatores internos e um fator externo. Dos três fatores internos, o primeiro deles é a tecnologia. O Brasil, nos últimos 30 anos, incorporou uma grande quantidade de tecnologias inovadoras que aumentaram a produtividade com sustentabilidade. Eu tomo como base o plano Collor, que ocorreu há cerca de 30 anos atrás e que a partir de então, com a economia se estabilizando mais tarde também com o plano real em 1994, acabou-se com a “ciranda financeira”. Antes disso, metade da renda bruta dos produtores rurais era “overnight” e, depois desse fim da ciranda financeira, muitos produtores começaram a ter condições de tecnificar suas lavouras. Do plano Collor (1990) até esse ano, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 74% Já a produtividade de grãos cresceu 346%. E o que significa isso? Uma maior produtividade por hectare. Nós cultivamos no Brasil atualmente 66 milhões de hectares, se somarmos duas culturas por ano. Se nós tivéssemos hoje a mesma produtividade por hectare que tínhamos há 30 anos atrás, precisaríamos plantar mais 103 milhões de hectares para colhermos a safra deste ano. O que isso quer dizer? Nós preservamos 103 milhões de hectares, ou seja, podemos dizer que a nossa tecnologia é de fato sustentável.

O segundo fator é a terra disponível. Segundo uma pesquisa da EMBRAPA, o Brasil possui 66% do território ainda coberto com vegetação nativa e apenas 9% do território são cultivados com todas as culturas plantadas, de alface a eucalipto, e as pastagens ocupam mais 21%, de modo em que a soma de todas as atividades agrícolas desempenhadas no Brasil é de 30%. Ainda assim, muita tecnologia na área de pecuária e pastagens se desenvolveu e hoje é possível produzir muito mais carne por hectare, e grandes áreas de pastagem estão caindo em desuso. Atualmente muitas culturas estão crescendo em áreas de pastagem. Portanto, a área cultivada ainda é pequena se comparada com outros países no mundo.

O terceiro fator é gente preparada para o mercado de trabalho. Uma coisa muito interessante é que o Brasil tem muitos jovens ingressando em todos os elos da cadeia produtiva do agro. A agricultura vem evoluindo muito com novas tecnologias, sobretudo na área de conectividade, e a juventude tem muita facilidade para lidar com essas tecnologias. Isso nos dá uma vantagem muito grande se comparada a outros países desenvolvidos, cuja idade média de gente ligada ao agro é maior, pois jovens não querem ficar no campo. 

O fator externo tem a ver com o mercado externo, com ênfase para os países da Ásia. No ano de 2000 o PIB Agro foi de US$ 21 bilhões, no ano passado exportamos US$ 100 bilhões, ou seja, quase 5 vezes mais. No ano de 2000, destes US$ 21 bilhões, 2,7% foram pra China. No ano passado, destes US$ 100 bilhões, 36% foram pra China. Estamos citando a China, mas muitos países da Ásia e Oriente Médio tiveram um crescimento populacional  maior do que o dos países desenvolvidos, e a renda per capita também cresceu mais devido a entrada do público no universo do trabalho. Então o crescimento da demanda por alimentos nestes países emergentes foi extraordinário, e o Brasil conseguiu atender essa demanda de maneira complementar.

AgriBrasilis – Apesar das sucessivas colheitas recordes, o que o senhor considera necessário para o melhor desenvolvimento do agro brasileiro?

Roberto Rodrigues – A ONU realizou um estudo em 2001, em que criava uma perspectiva de como o mundo seria em 2050, relacionando o crescimento populacional com a oferta de alimentos. Este estudo foi muito criticado pois olhar 50 anos à frente é temerário. Só o fator tecnológico que cresce com muita rapidez e amplitude já inibe qualquer expectativa maior do que 10 anos. Além disso, o que podemos dizer em relação a saúde pública e o crescimento populacional de fato? Essa pandemia nos mostrou uma incerteza muito grande quanto a população do planeta daqui a 50 anos. 

Após isso, surgiu um estudo da OCDE em parceria com a FAO, e mais tarde o USDA também se associou a eles, que mostram uma perspectiva do mundo daqui 10 anos, e todos os dados são revisados anualmente. O estudo diz que daqui 10 anos, para que não falte comida para ninguém será necessário aumentar a produção de alimentos em 20% e para isso o Brasil teria que crescer 40%. Então nós vemos que uma exigência muito grande colocada ao Brasil em relação ao futuro. E o que fazer para suprir essa demanda? Elaborar uma estratégia integrada, contando com 4 temas essenciais.

Projeção produção alimentos 2026/27 food production estimative FGV/EESP.

Projeção da produção de alimentos até 2026/27. Dados da FGV/EESP.

Primeiramente  uma política de renda para o campo, pois o Brasil é o único país do mundo que não tem uma política definida para o setor, principalmente quando se trata de seguro rural. Atualmente apenas 15% das terras agricultáveis no Brasil tem seguro, isso é muito pouco. Qualquer país desenvolvido hoje tem um seguro rural muito bem preparado. O segundo é a garantia de crédito para o produtor, mas é fundamental que ele tenha seguro para que possa ter crédito. O terceiro é a tecnologia. É imprescindível que o produtor tenha tecnologia no campo para diminuir riscos e aumentar a garantia de seguro. O quarto são preços de garantia que possam funcionar na hipótese de haver um sinistro e o seguro tenha que cobrir. Então vemos que esses 4 temas são fundamentais para compor uma política de renda bem definida para o campo.

O segundo ponto que eu quero mencionar é Logística e Infraestrutura. Até os anos 1970 a agricultura no Brasil era costeira, ficava mais próxima das principais capitais e dos portos. Nos anos 70 houve o descobrimento do potencial produtivo do Cerrado, a partir daí a agricultura começou a migrar em grande parte para essa região. O grande problema é que a Infraestrutura e a Logística não acompanharam essa migração, e isso se torna um grande percalço para que o Brasil siga competitivo na produção e escoamento de alimentos. Dentre os modais de transporte do Brasil, apenas 15% é ferroviário. Em demais países do mundo que competem com nossa agricultura esse número passa de 40%, como EUA, Austrália e Canadá. 

O terceiro ponto é diplomacia de resultados. Atualmente, cerca de 40% do comércio internacional de alimentos é feito através de acordos bilaterais entre países ou grupos de países. Isso é feito para aumentar o comércio e a riqueza entre estes países. O Brasil não possui muitos acordos bilaterais de muita relevância. Existe o acordo entre Mercosul e União Europeia que é muito importante, mas está em risco de quebra por conta das questões ambientais. Se esse acordo se quebrar, a agricultura no Brasil será muito afetada. Precisamos de um trabalho diplomático muito mais proativo e multilateral para que possamos firmar mais contratos de comércio.

O quarto ponto, e volto a falar, é a tecnologia. No Brasil contamos com vários centros de pesquisa e tecnologia como IAC e EMBRAPA que foram grandes suportes para o desenvolvimento de pesquisa e tecnologia nos anos 60, 70 e 80 e hoje correm risco por falta de investimentos. Quanto mais a demanda e a concorrência crescem, mais aumenta a necessidade de investimento em tecnologia.

Outro ponto que eu quero mencionar é a necessidade de acabar com as ilegalidades no Brasil, como desmatamento, incêndio criminoso, invasões, garimpo, grilagem, isso é inaceitável, precisamos de mais rigor nas leis que monitoram essas atividades para que possamos nos comunicar adequadamente com as nações exteriores, pois todos vêem o que fazemos aqui, e isso impacta muito na diplomacia nacional. O Brasil pratica uma das agriculturas mais sustentáveis do planeta, mas esse conceito cai por terra enquanto existir desmatamento ilegal na Amazônia. Enquanto existir isso nós perderemos mercado.

AgriBrasilis –  Além da soja, milho, café, cana-de-açúcar, laranja, quais cultivos que o senhor acredita que o Brasil tem potencial para se destacar nos próximos anos?

Roberto Rodrigues – Somos os maiores produtores de muitas culturas, de algumas dessas citadas. O Brasil só produz 3% das frutas do mundo, somos o 27° colocado nesse mercado. Podemos crescer de forma espetacular na produção de frutas. O Chile exporta mais frutas que o Brasil, e somos um país muito maior, com muito mais vegetação e um clima mais favorável. Outro produto que tem grande potencial de produção no Brasil é o pescado. No Brasil temos uma fauna ictiológica muito extensa, grande quantidade de água no continente, uma costa muito grande, e mesmo assim o Brasil só contribui com 1% da produção mundial do produto. O leite também é um produto com grande potencial produtivo, contribuímos com apenas 2% da produção mundial de leite.

O Brasil pode explorar muito mais o mercado de orgânicos, que contempla toda a cadeia que foi citada, mas ainda sofre muito devido a falta de programas de incentivo. É uma pena pois o mercado consumidor desse tipo de produto está crescendo muito, e exige uma variedade maior.

Podemos citar outras culturas de pequena representatividade no Brasil e com grande potencial produtivo como o amendoim. Esta é uma planta nativa que possui uma produção irrisória no país. Basicamente o que é cultivado está em áreas de renovação de cana-de-açúcar, mas pode ser uma cultura solteira altamente produtiva para diversos fins como produção de ração animal. Além do amendoim temos um grande potencial produtivo de castanhas, tanto as nacionais como as exóticas, e são produtos com um grande mercado consumidor, dentro e fora do Brasil.

AgriBrasilis – O Brasil ainda é um grande produtor e exportador de commodities de baixo valor agregado. Há espaço, tecnologia e recursos para também ser exportador de produtos agrícolas com maior valor agregado?

Roberto Rodrigues – Este é um tema tanto quanto delicado de se discorrer pelo fato de se tratar de comércio internacional, e é regulado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) no que se chama de escalada tarifária e picos tarifários. Os países ricos se protegem com a escalada tarifária pois as commodities não tem tarifa nenhuma e a partir do momento em que se agrega valor com a commodity, tem-se uma tarifa correspondente. Um exemplo disso é o café exportado do Brasil. Atualmente somos o maior produtor de café em grãos no mundo, porém temos menos de 3% do mercado de café torrado e moído. E para resolver o problema não é só torrar e moer o café. Se não existir um acordo econômico que reduza a escalada e o pico tarifários para café torrado e moído, o produto não chega a desembarcar no porto.

Esse tema está conectado ao que foi falado anteriormente sobre diplomacia. Deve haver uma diplomacia comercial mais rigorosa do que temos atualmente, pra podermos avançar nesse tema de maneira coerente. Se isso se concretizar, deve-se haver o desenvolvimento de indústria e marketing para podermos processar o café e vender. 

AgriBrasilis – A guerra comercial EUA-China tende a continuar mesmo com o novo governo Biden, agora de forma mais diplomática. De que forma isto pode impactar o agro brasileiro e quais os desafios?

Roberto Rodrigues – O presidente Biden é um político multilateralista e, portanto, tenderá a flexibilizar as relações com o mundo todo, não só com a China. Já disse que irá voltar para o acordo de Paris, para a OMC, OMS, e vai inserir suas causas no cenário global de maneira muito mais consistente. A situação EUA-China não se reduz apenas a uma guerra comercial, é um cenário muito maior de crises diplomáticas que o presidente Trump causou no país, e a tendência é que Biden flexibilize as relações entre os países novamente, porém não será tão fácil. Nessa guerra comercial muitos produtores rurais foram prejudicados e ainda necessitam de subsídios do governo para compensar a perda de mercado que tiveram. O presidente terá um grande trabalho de reestruturar todo esse plano.

O Brasil foi relativamente beneficiado nessa guerra comercial entre as duas potências pois ganhamos o mercado que os EUA perderam e estamos vendendo muito mais produtos para a China. Porém, a entrada de Biden na chefia executiva dos Estados Unidos gera indícios de restabelecimento de comunicação entre os dois países, o que pode, futuramente, se tornar um novo grande acordo comercial. Neste caso, o Brasil pode ser prejudicado. Mas reitero o tema que disse anteriormente, que precisamos de ações diplomáticas mais vigorosas e mais acordos bilaterais para expandir o mercado e sermos mais competitivos. A Índia é um país que está crescendo muito, há uma expectativa de uma população maior que a da China daqui 20 anos, mais de 1,4 bilhão de pessoas altamente demandantes de alimentos. E a Índia é super protecionista em relação aos seus produtores rurais, vão precisar importar muito alimento.

Há pouco tempo atrás a China liderou um acordo multilateral com mais de 15 países, dentre eles a Tailândia, que compete com o Brasil no mercado de açúcar, e a Austrália, que compete com o Brasil no mercado de carnes. Isso vai afetar o comércio global como um todo. Portanto, é preciso de maior diplomacia para firmarmos mais acordos bilaterais e não perdermos mercados.

AgriBrasilis – Como o senhor vê o agro brasileiro no pós-pandemia?

Roberto Rodrigues – A pandemia trouxe, ao meu ver, duas questões centrais para o futuro de curtíssimo prazo. Segurança alimentar e sustentabilidade. A segurança alimentar é um conceito que surgiu na Europa pós-guerra, pois muitos países passaram fome durante a segunda guerra mundial. A partir disso, os governos se juntaram e criaram uma série de políticas de subsídios aos produtores rurais para os europeus não sofrerem mais com a falta de comida. E porque os governos querem garantir a segurança alimentar? Pois isso é a única garantia de paz. O homem com fome é bravo, o homem com um filho passando fome é um revolucionário, milhões de homens com filhos passando fome geram uma revolução imensa que pode derrubar um governo. A pandemia trouxe esse conceito de volta à tona quando vimos países fechando a fronteira e reduzindo a exportação de comida para garantir o máximo de alimento para o consumo interno e evitar qualquer tensão. A tendência daqui pra frente é que países criem medidas neo protecionistas de segurança alimentar e redução de exportação e importação de alimentos que, sim, podem prejudicar o Brasil. Portanto é importante que nós tenhamos conhecimento dos cenários que serão desenhados daqui para frente e ter sempre um processo de participação nestes cenários para podermos garantir competitividade e mercado.

O outro conceito que ganhou uma nova dimensão com o surgimento da pandemia foi a sustentabilidade. Os jovens no mundo todo estão ligados nisso e querem cuidar do meio ambiente. O que isso quer dizer? Esse conceito estará muito mais presente daqui 40 anos quando estes jovens estiverem governando países e estreitando leis ambientais. Isso quer dizer que a sustentabilidade, que é uma alavanca das questões ambientais ganhou uma nova força conceitual em todo o mundo. E eu penso que, no futuro, teremos muito mais trabalho do que tivemos até agora pois os mercados estarão muito mais defesos e criarão mais regras protecionistas, entre as quais a sustentabilidade.

Eu continuo vendo o Brasil com um grande potencial desde que tenha essa estratégia de sustentabilidade, pois assim conseguiremos garantir mercados para nós e para todos no futuro.