A agricultura brasileira alimenta o mundo

Lucilio Alves, pesquisador responsável pelas Equipes de Grãos, Fibras e Raízes do CEPEA - ESALQ/USP
Publicado em: 17 de setembro de 2020

Lucilio Rogerio Aparecido Alves possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, mestrado e doutorado pela Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ da Universidade de São Paulo. Atualmente é docente do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ, é pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA/ESALQ/USP), e escreveu o seguinte artigo para a AgriBrasilis.

A agropecuária brasileira, que envolve os setores agrícola e pecuária, vem apresentando um dinamismo interessante ao longo dos anos, com aumento da produção. Este é resultado da maior produtividade, reflexo de avanços tecnológicos no campo – nas formas de genética, agroquímica, maquinário –, que possibilitou maior produção
mesmo a preços decrescentes – contexto observado em um nível mundial. Ao mesmo tempo, a demanda nacional e
internacional vem absorvendo a oferta brasileira, sustentado pela expansão da economia mundial, de um lado, e pelo
fortalecimento do mercado interno, de outro, favorecido pela estabilidade econômica do país e redução da desigualdade.

Maior oferta no campo contribui também para que o agronegócio como um todo se dinamize. O CEPEA/ESALQ/
USP define agronegócio como um setor econômico com ligações com a agropecuária, tanto a montante como a
jusante, envolvendo: produção de insumo para a agropecuária, produção de matérias-primas agropecuárias, processamento dessas matérias-primas e distribuição e demais serviços até o consumo final ou exportação.

O agronegócio é dividido em dois ramos: agricultura e pecuária. O ramo agrícola é correspondente ao conjunto das atividades produtivas de lavouras e demais atividades vegetais e florestais. O ramo da pecuária refere-se ao conjunto das cadeias produtivas de produtos de origem animal. Cada ramo é composto por quatro segmentos, constituindo as cadeias produtivas: Insumos (produtos industriais usados na agricultura e pecuária), Primário (a própria agropecuária), Agroindústria (de base agrícola ou pecuária) e Serviços (transporte, armazenamento, comércio e
demais serviços vinculados às atividades agropecuárias e agroindustriais).

Segundo dados do CEPEA/ ESALQ/USP, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro representou 21,2% do PIB total nacional entre 2017 e 2019. Entre os anos 2000 e 2019, o PIB do agronegócio cresceu a uma taxa média 0,45% a.a., tomando como base os valores equivalentes de dez/19.

Do PIB total do agronegócio, cerca de 70% se refere ao agronegócio agrícola (equivalente a 15% do PIB nacional) e os outros 30% à agropecuária (aproximadamente 6,2% do PIB total brasileiro). Entretanto, nos últimos 20 anos, enquanto o PIB agrícola decresceu a uma taxa média de 0,19% a.a., o PIB da pecuária apresentou crescimento médio de 2,3% a.a.. No caso agrícola, mesmo com a queda de renda adicionada a produção segue crescendo.

No caso agrícola, os grãos e cereais ocupam a maior parte da área cultivada no Brasil. Considerando os cultivos de primeira e segunda safra, são cultivados quase 65 milhões de hectares no Brasil – a segunda safra é considerada cultura sucessora da primeira safra; por exemplo, após a colheita de soja, há o cultivo de milho segunda safra, que representa mais de 70% da oferta nacional.

 

Fonte: CEPEA/ESALQ; Adaptado para AgriBrasilis.

Da área total cultivada no Brasil, cerca de 3/4 são de culturas de primeira safra e o restante de segunda safra. Produção de grãos e cereais no Brasil, distribuídos entre primeira e segunda safras: No Brasil, nos últimos 20
anos a área ocupada com arroz, feijão e milho de primeira safra apresentaram decréscimos. Por outro lado,
houveram crescimentos expressivos dos cultivos de soja e de milho segunda safra. Porém, outras oito culturas
também tiveram crescimento de área, apesar de em menor intensidade. Quando se trata de sistemas produtivos, no
Centro-Oeste brasileiro, por exemplo, o algodão passou a ser cultivado em sucessão à soja no mesmo ano-safra
e no Sul do país, áreas de arroz foram substituídas pelo cultivo de soja.

Entre os anos-safras 2000/01 e 2019/20, a área cultivada com grãos e cereais no Brasil cresceu a uma taxa média de 2,45% a.a.. Entretanto, enquanto cultivo de primeira safra apresentou crescimento de 1,56% a.a., o cultivo de segunda safra apresentou dinamismo mais intenso, chegando a 6,61% a.a.. No geral, apesar de o cultivo de segunda safra se dar em período menos favorável em termos de condições climáticas, os volumes produzidos por unidade de área seguem crescendo na maioria das culturas.

São destaques os avanços em produtividade da maioria das culturas de inverno e o milho de segunda safra. Assim, a taxa de crescimento da oferta total é ainda mais expressiva. Enquanto na temporada 2000/01 foram produzidas 100 milhões de toneladas de grãos e cereais no Brasil, para a safra 2019/20 estão previstas ofertas de quase 252 milhões de toneladas. Este crescimento ocorreu a uma taxa média de 5,1% a.a.. Este crescimento foi sustentando especialmente pela maior oferta da segunda safra, que passou de 10 milhões de toneladas em 2000/01, para 80 milhões de toneladas em 2019/20, o que significa uma taxa de crescimento média de 11,91% a.a.. A oferta de primeira safra também cresceu de forma espetacular, passando de 90 milhões de toneladas, para 171,6 milhões de toneladas no mesmo período, ou seja, um crescimento médio de 3,45% a.a..

No geral, portanto, a oferta de grãos e cereais no Brasil cresceu em função do maior uso do solo em regiões de fronteira agrícola (com destaque para a região CentroOeste) e, especialmente, com o cultivo de segunda safra, ou
seja, há uma intensificação do uso do solo e/ou ajustes em sistemas produtivos, como aumento do cultivo de soja em
detrimento do milho primeira safra, sendo o milho cultivado após a colheita de soja. Porém, o uso mais intenso do solo em duas ou mais culturas no mesmo ano-safra gera alguns questionamentos, como:
Até que ponto o cultivo em segunda safra pode aumentar os riscos de origem climática, fitossanitária e de mercado? Será que no longo prazo as culturas que estão sendo utilizadas em sucessão podem impactar negativamente a
produtividade do sistema produtivo? Quais os desafios agronômicos dos sistemas produtivos utilizados atualmente? É possível incrementar ainda mais a produtividade das principais culturas produzidas atualmente? A quais custos? Dado o agravamento climático de anos recentes, será que o uso mais intenso de irrigação se apresenta viável? Que impacto isso teria sobre o uso da água, cada vez mais preocupante. Além disso, questionam-se quais são o mecanismos que podem ser implementados para superar esses desafios que estão fora do controle do produtor individual e, por isso, precisam contar com programas e políticas agrícolas e de infraestrutura de boa qualidade.

Para embasá-las são necessárias pesquisas do ponto de vista econômico, financeiro, agronômico etc., especialmente porque há muito que se avançar no uso da terra em segunda safra. Como exemplo, no Centro-Oeste, apenas 45% da área de soja é utilizada com milho na segunda safra – grande parte fica em pousio e pode/deve ser utilizada para elevar a oferta de alimentos para as populações brasileira e mundial.

Fonte: CEPEA/ESALQ; Adaptado para AgriBrasilis.