É questão de tempo até o Brasil ter uma AgTech unicórnio

“…vimos um crescimento e amadurecimento do ecossistema de inovação, com soluções testadas e validadas dentro e fora do campo, que geram valor para o produtor rural e demais stakeholders da cadeia.”

José Augusto Tomé é CEO e cofundador do hub AgTech Garage, parceiro da PwC Brasil, além de um dos idealizadores do movimento Vale do Piracicaba (AgTech Valley).

Tomé é formado em engenharia química pela Universidade Estadual de Campinas. Foi considerado uma das cem pessoas mais influentes do agronegócio brasileiro pela Dinheiro Rural.

Em novembro de 2022, a PwC, multinacional que presta serviços profissionais como consultora e auditora, anunciou a aquisição do AgTech Garage.

José Augusto Tomé, CEO e cofundador do hub AgTech Garage


AgriBrasilis – O que é o AgTech Garage e quem são seus parceiros? No que consistem essas parcerias e quais seus objetivos?

José Tomé – O AgTech Garage é o principal hub de inovação do agronegócio na América Latina, com sede em Piracicaba, SP, conhecida como o “Vale do Silício do agronegócio”. Recentemente, o AgTech Garage se integrou ao network PwC, uma gigante mundial em serviços profissionais.

Os clientes do AgTech Garage, tratados como parceiros, são grandes empresas, nacionais e multinacionais, líderes em seus segmentos, que juntas representam toda a cadeia de valor do agronegócio, do campo à mesa do consumidor.

Nós apoiamos essas empresas por meio de diferentes atividades, como programas de inovação aberta, desafios tecnológicos e eventos, que estão conectados com o ecossistema de empreendedorismo. O objetivo é que as empresas adotem as melhores práticas de inovação e possam criar novos produtos e serviços com mais velocidade, aumentando a eficiência e contribuindo para um agronegócio mais inclusivo, competitivo e sustentável.

AgriBrasilis – Qual é o tamanho e o potencial de mercado das AgTechs no Brasil?

José Tomé – A última edição do Radar AgTech Brasil identificou 1.703 AgTechs no país. O levantamento realizado pela Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens apontou que 242 (14,2% do total) startups atuam antes da fazenda, 705 (41,4%) dentro da fazenda e outras 756 (44%) depois da fazenda.

Conforme dados do AgFunder, citados pelo Radar AgTech Brasil, os principais investimentos têm sido destinados às agfinTechs, startups de insumos biológicos, marketplaces e ClimaTechs, que captaram US$ 1,3 bilhão no Brasil em 2021. Esse valor posiciona o Brasil como o 6º país a atrair mais capital para as Ag&Food Techs no mundo. Mas ainda há espaço para crescer, dada a importância do Brasil para a produção global de alimentos.

Contudo, quero destacar que o agronegócio demanda soluções que vão muito além daquelas oferecidas pelas AgTechs. Também há muita oportunidade para Ed Techs, LogTechs, FinTechs, FoodTechs.

O potencial de mercado para as startups no agro vai além do PIB do agro. Nós somos um exemplo: muitos de nossos parceiros integram outros setores da economia, como o de energia, setor bancário e de tecnologia.

AgriBrasilis – Na opinião do senhor, por que o país ainda não tem uma AgTech “unicórnio”? Como seria a AgTech ideal do ponto de vista dos investidores?

José Tomé – É uma questão de tempo até que o Brasil tenha uma AgTech unicórnio. De qualquer forma, essa não deveria ser a única métrica de sucesso do mercado.

Nos últimos anos, vimos um crescimento e amadurecimento do ecossistema de inovação, com soluções testadas e validadas dentro e fora do campo, que geram valor para o produtor rural e demais stakeholders da cadeia.

Os investidores hoje estão em busca de negócios escaláveis, mas também sustentáveis. E não faltam exemplos de AgTechs que estão no mercado escalando seus negócios com mais ou menos velocidade, com saúde financeira, com o cliente no centro, com governança corporativa e parcerias bem construídas na sua comunidade. Todos esses também podem ser considerados indicadores do sucesso de uma startup.

AgriBrasilis – O que significa dizer que o agro tem um ciclo de inovação e desenvolvimento mais longo? Por que o setor demanda maior especialização por parte dos investidores?

José Tomé – Diferente de um software para o varejo, por exemplo, que pode passar por testes diários e gerar aprendizado no curto prazo para o empreendedor, o agronegócio segue em muitos casos o ciclo das culturas agrícolas. Um produto para a soja, portanto, tem uma janela de três meses e meio entre a virada de um ano para o outro para ser testado. Se no meio do caminho algo não sai como esperado, como é bem comum, o empreendedor tem que esperar a próxima safra fazer outro teste.

Além da questão sazonal, o agronegócio é uma indústria a céu aberto, que sofre forte influência do clima e produz, em grande parte, commodities, cujo preço flutua conforme as leis de oferta e procura. Os investidores do agro estão cientes dessas particularidades e das enormes oportunidades que o setor oferece. Esse conhecimento do mercado permite tomar decisões mais assertivas e conscientes sobre os investimentos.

Estamos percebendo ainda a diversificação da indústria de venture capital. Acompanhamos a estruturação de muitos corporate venture capitals (CVCs), por exemplo, que tem um olhar mais estratégico do que financeiro. Muitos outros perfis de investidores também estão se consolidando, como grandes grupos de produtores que investem diretamente nas startups; grupos de angels executivos especializados, sem falar no crowdfunding. O momento é de diversificação.

AgriBrasilis – O que muda com a aquisição do AgTech Garage pela PwC?

José Tomé – Nada muda na relação com startups, corporações ou qualquer outro agente no ecossistema. Na verdade, como parte da rede PwC, o AgTech Garage passa a ter mais robustez para acelerar o crescimento e gerar  mais valor por meio da conexão com soluções mais completas para empresas e empreendedores, e consequentemente para o mercado também.

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