Armazenagem de grãos: de custo invisível a estratégia de gestão e sucessão no agro

Published on: October 6, 2025

Cada hectare de soja ou cada tonelada de milho armazenada precisa ser vista como um ativo que deve gerar resultado…” 

José Luís Bassanié coordenador de projetos educacionais e de sucesso do aluno na Agrinvest Commodities, formado em economia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, com MBA pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – USP. 


José Bassani,  coordenador de projetos na Agrinvest Commodities

Enquanto muitos discutem o futuro do agro em conferências de alto nível, há quem esteja no campo com as mãos no milho, na soja e no trigo. É nesse cotidiano de decisões práticas, margens apertadas e logística complexa que a armazenagem de grãos se revela não apenas como uma necessidade operacional, mas como uma ferramenta de gestão e de perpetuação da atividade familiar no campo. 

Do improviso à gestão 

Por muito tempo, armazenar foi visto apenas como “guardar grão”. O produtor ou cerealista acreditava que vender significava simplesmente entregar no preço do dia. Mas, sem separar custos, sem calcular o custo de carrego, a depreciação e sem organizar o fluxo de caixa, muitos descobriam tarde demais que estavam pagando para trabalhar. Misturavam a safra com as contas da casa, não remuneravam o capital investido em silos e secadores, e muitas vezes liquidavam a produção logo na colheita onde a pressão nos preços é negativa, sem saber se havia lucro ou apenas giro de caixa. 

Essa falta de gestão tornava a atividade insustentável. O armazém virava um “buraco negro de dinheiro”, onde nem o produtor via resultados e nem sua família tinha salário mesmo trabalhando duro. 

O divisor de águas: buscar ajuda 

A virada aconteceu quando esses produtores começaram a ouvir quem entendia mais de gestão, fosse um gerente de banco, um consultor de comercialização ou um colega cerealista com mais experiência. A lição foi clara: um silo, assim como uma loja, precisa pagar aluguel a si mesmo. Se o espaço não gera retorno, o caminho mais racional é arrendar a terceiros ou prestar serviços. 

Cada hectare de soja ou cada tonelada de milho armazenada precisa ser vista como um ativo que deve gerar resultado. Essa mudança de mentalidade abre os olhos para a verdadeira função da armazenagem: não apenas estocar, mas criar valor. 

Profissionalizar a gestão significa enxergar todos os custos invisíveis: 

  • depreciação de silos, secadores e equipamentos; 
  • manutenção de elevadores e moegas; 
  • energia elétrica para aeração e secagem; 
  • seguros e perdas por umidade; 
  • salários, inclusive da família que atua no negócio. 

Se o custo real de armazenagem é R$ 5 por saca, vender serviço a R$ 4 significa literalmente pagar para trabalhar. Somente quando esses custos são devidamente contabilizados e remunerados é que o armazém deixa de ser peso morto e passa a ser empresa. 

Esse ajuste traz uma mudança de postura: o produtor/cerealista passa a separar CPF de CNPJ, a definir pró-labore para si e a remunerar a família como colaboradora, estabelecendo bases sólidas de gestão. 

O mercado de grãos é ditado por compradores que estabelecem critérios de padronização e descontos. Muitos produtores aceitam passivamente, mas só prospera quem adota gestão e planejamento. A clareza sobre custos e margens dá coragem para dizer “não” quando a proposta não gera resultado. 

Foi assim que alguns armazéns ganharam reputação: qualidade no grão entregue, transparência no desconto de umidade, contratos bem estruturados e confiança com clientes. O comprador, diante desse padrão, aceita pagar mais porque sabe que receberá produto limpo, seco, no padrão e no prazo. Gestão gera confiança, e confiança gera negócios. 

Mais que custo: armazenagem como estratégia 

Armazenagem não é custo: é ferramenta de estratégia. Permite segurar produto para vender melhor, reduzir despesas logísticas, planejar o fluxo de caixa e até otimizar a carga tributária. Quem domina a armazenagem domina também parte do jogo da comercialização. 

Há um ponto crucial: sem salário, o filho vai embora do campo. Mas quando existe gestão, pró-labore e participação nos resultados, o jovem vê futuro no agro. Isso vale tanto para produtores quanto para cerealistas. 

Profissionalizar a armazenagem não é sinônimo de buscar riqueza instantânea, mas de criar conforto, dignidade e perspectiva para a família. Essa é a base da sucessão: mostrar que o campo e o armazém podem ser empresas sólidas, rentáveis e duradouras. 

A experiência mostra que armazenagem de grãos não é apenas uma operação logística. Ela é parte da engrenagem de gestão que separa negócios comuns de empresas rurais sustentáveis. Ao aprender a precificar corretamente, separar vida pessoal da empresarial e valorizar o trabalho da família, o produtor transforma o silo em ferramenta de estratégia e sucessão. 

O futuro do agro não se decide apenas nos grandes fóruns ou conferências. Ele se constrói no dia a dia, com gestão aplicada ao campo e ao armazém, garantindo competitividade, renda e a permanência da nova geração no setor. 

 

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