“Embora a ilegalidade tenha sido reconhecida, os efeitos das decisões ainda são limitados…”
Leonardo Munhoz é pesquisador e professor da FGV Agro e FGV Bioeconomia, mestre em direito empresarial pela FGV, com mestrado e doutorado em legislação ambiental pela Elisabeth Haub School of Law – Pace University.

Leonardo Munhoz, professor da FGV Agro
AgriBrasilis – As tarifas dos EUA são ilegais?
Leonardo Munhoz – Sim. Tanto a Court of International Trade (CIT) quanto o Federal Circuit já declararam que as tarifas de 50% impostas pelo governo Trump são ilegais. O fundamento central foi que o International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) não concede ao presidente poder para criar tarifas de alcance global e permanente.
O Congresso sempre exigiu autorização explícita quando delegou poderes tarifários, e a jurisprudência da Suprema Corte (Major Questions Doctrine) reforça que medidas de grande impacto econômico só podem ser autorizadas por lei clara.
AgriBrasilis – Em que o governo americano se baseou para impor essas tarifas?
Leonardo Munhoz – Trump justificou as tarifas com argumentos políticos e ambientais. Do lado político, citou o julgamento de Bolsonaro no STF e a regulação da internet no Brasil. Do lado ambiental, alegou que o Brasil estaria permitindo práticas florestais ilícitas que prejudicariam a competitividade dos produtores americanos.
No Senado do Mississippi, o Brasil foi acusado de manipular mercados de madeira e agricultura. Na prática, o discurso ambiental serviu como instrumento protecionista, ignorando que o Brasil já possui uma das legislações florestais mais rígidas do mundo, com obrigações compulsórias de preservação (APPs e Reserva Legal) muito superiores às regras voluntárias do sistema norte-americano.
AgriBrasilis – Por que as tarifas continuam valendo?
Leonardo Munhoz – Embora a ilegalidade tenha sido reconhecida, os efeitos das decisões ainda são limitados. O CIT inicialmente concedeu injunção universal (anulando tarifas para todos), mas o Federal Circuit revogou esse alcance, restringindo os benefícios apenas às partes do processo. Assim, importadores que entraram com ação já têm direito à devolução dos valores pagos, mas outros (incluindo os que compram produtos brasileiros) ainda estão sujeitos às tarifas até nova decisão. Além disso, o governo pode recorrer à Suprema Corte até novembro de 2025, o que prolonga a incerteza.
“…o Brasil manteve cautela, evitando retaliações imediatas, à espera de uma definição mais clara da Justiça norte-americana “
AgriBrasilis – Quais produtos brasileiros estão sendo mais prejudicados?
Leonardo Munhoz – As tarifas atingiram a pauta exportadora de forma horizontal, afetando tanto o agronegócio (soja, carnes, café, madeira) quanto produtos industrializados. O impacto mais sensível ocorre em setores onde o Brasil tem forte competitividade e presença no mercado americano, como carnes bovinas e de frango, celulose, suco de laranja, madeira e móveis. Esses segmentos sofrem tanto pela perda de competitividade quanto pela instabilidade jurídica que dificulta contratos de longo prazo
AgriBrasilis – Após quase dois meses do tarifaço, o que mudou no comércio Brasil–EUA?
Leonardo Munhoz – O comércio bilateral foi marcado por queda nas exportações brasileiras e redirecionamento de cargas para outros mercados. Importadores americanos enfrentam aumento de custos e incerteza contratual, especialmente em cadeias dependentes de commodities agrícolas e florestais brasileiras. Empresas de logística e tradings passaram a adotar estratégias defensivas, como pedidos judiciais próprios para tentar suspender a aplicação das tarifas. Do lado diplomático, o Brasil manteve cautela, evitando retaliações imediatas, à espera de uma definição mais clara da Justiça norte-americana
AgriBrasilis – Quais os cenários possíveis para os próximos meses?
Três cenários principais se desenham:
- Retaliação imediata – O Brasil poderia aplicar tarifas retaliatórias com base nas regras da OMC. Porém, se a Suprema Corte confirmar a ilegalidade das tarifas, tal reação poderia gerar desgaste diplomático desnecessário.
- Aguardar decisão final – Estratégia mais prudente: esperar a definição do CIT sobre o alcance da decisão e eventual julgamento da Suprema Corte. Se a CIT ampliar os efeitos com base na Uniformity Clause da Constituição americana (que exige uniformidade tributária), os importadores de produtos brasileiros podem ser automaticamente beneficiados.
- Ações próprias nos EUA – Caso o CIT limite os efeitos apenas às partes originais, empresas brasileiras ou importadores de seus produtos poderão ajuizar ações próprias. O precedente já firmado é fortíssimo, garantindo quase automaticamente o mesmo resultado (anulação da tarifa e restituição dos valores pagos).
A expectativa é que a Suprema Corte mantenha a linha restritiva e confirme a interpretação de que o presidente não pode usar a IEEPA para criar tarifas de alcance global. Nesse caso, as tarifas tenderiam a ser eliminadas de forma definitiva em 2026
As tarifas de 50% contra o Brasil são ilegais e já foram declaradas assim por duas cortes federais americanas. Contudo, permanecem em vigor para parte dos importadores devido a limitações processuais e ao possível recurso à Suprema Corte. O impacto imediato é a perda de competitividade de exportações-chave do agronegócio e da indústria brasileira, com reflexos em contratos e investimentos. Para os próximos meses, o caminho mais realista é aguardar a definição do CIT sobre o alcance da decisão, evitando retaliações precipitadas, enquanto empresas brasileiras avaliam ingressar com ações próprias nos EUA.
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