“O milho tem uma liquidez muito maior, tem bolsa para proteger as oscilações de preço, tem um mercado exportador bem maduro…”
Roberto Sandoli Jr. é especialista de Mercado – Trigo, Cevada e Malte, responsável pela compra de trigo da Cooperativa Agrária.
Sandoli Jr. é formado em gestão financeira e em tecnologia da informação com especialização gestão de riscos de mercado, com MBA em IA, Data Science e Big Data.

Roberto Sandoli Jr., Cooperativa Agrária
AgriBrasilis – Por que não está compensando plantar trigo no Brasil?
Roberto Sandoli Jr – Essa pergunta é relativa e depende de quem está analisando, mas o trigo vem perdendo espaço para o milho de inverno, em regiões em que o clima permite isso. Também tem perdido espaço para cevada no sul do PR, SC e RS, que são regiões onde o milho de inverno não pode ser plantado.
O milho tem uma liquidez muito maior do que o trigo. O milho tem bolsa para proteger as oscilações de preço, tem um mercado exportador bem maduro e consolidado, o que não ocorre com o trigo. Além disso, o milho não tem as mesmas exigências de qualidade e complexidades do trigo: dependendo dos fatores climáticos, o trigo que foi plantado para consumo humano pode ser destinado para consumo animal, o que perde muito em preço e pode se traduzir em perda para o produtor. Ou seja, existe muito risco na produção de trigo e o retorno pode não ser muito atrativo.
Outro produto que compete com o trigo é a cevada, que hoje tem sua precificação com base em bolsa e dólar, e essa combinação, se for usada de forma correta, traz um preço muito mais atrativo ao produtor, mesmo apresentando um risco na cultura maior que o trigo. Além disso, as maltarias dão liquidez para a cevada, pois a importada é bem mais cara. O preço da cevada importada aumenta os custos do malte, o que causa aumento de custo para as cervejarias, que tambem têm um papel fundamental no fomento de áreas de cevada nacional, dando ainda mais liquidez aos produtores.
O trigo tem seus desafios, e se alguns deles fossem resolvidos, a área de trigo tenderia a aumentar. No final do dia, o produtor quer estabilidade, transparência nos preços e certa garantia de que seu produto terá liquidez e preço justo, para que continue plantando.
AgriBrasilis – Por que o preço do trigo no Brasil está subindo enquanto no mercado global continua em queda?
Roberto Sandoli Jr – O Brasil está em período de entressafra, e nesse momento é normal que os preços estejam mais altos. Os preços começaram a ceder um pouco nos últimos dias, talvez pelo recuo do dólar, que faz a paridade contra a argentina menos competitivo, e consequentemente o trigo nacional precisa se ajustar para continuar sendo competitivo, além disso, os preços podem ter caído também um pouco pelo avanço da colheita nos EUA, Europa e Mar Negro.
Além do trigo doméstico, a outra ‘única’ origem de trigo que é viável hoje é a Argentina, que tambem está na entressafra, e, como o produtor argentino não vende, os preços ficam um pouco mais firmes. Em outras palavras, temos pouco trigo disponível no momento, o que justifica os níveis mais altos nessa época do ano.
“…ter mais uma pressão nos preços pelo volume alto de trigo estimado na Argentina”
AgriBrasilis – Os preços devem seguir pressionados?
Roberto Sandoli Jr – A tendência agora é que continuem pressionados, com os EUA avançando bem na colheita do trigo de inverno, tambem Europa e Mar Negro.
Em agosto e setembro ocorre a colheita do trigo de primavera no Hemisfério Norte e começa aqui no Brasil a nossa colheita no PR, e normalmente temos a pressão de preços nesse período. Por ser uma safra menor, essa pressão pode ser limitada, pelo menos temporariamente, até que a safra da Argentina chegue em novembro. Acredito que daí poderemos ter mais uma pressão nos preços pelo volume alto de trigo estimado na Argentina.
AgriBrasilis – De que formas o clima tem impactado a produção?
Roberto Sandoli Jr – No hemisfério norte, em geral, tem impactado de forma positiva. Houve algum estresse no período de desenvolvimento da lavoura, mas no geral a safra vem boa. Talvez exista alguma preocupação com o trigo de primavera, mas deve ser algo mais pontual.
Na Argentina o clima está favorável, com nível de umidade do solo bem melhor do que no ano passado. Algumas regiões apresentam excesso de umidade, mas não é algo que preocupa muito no momento. Se as chuvas continuarem, talvez tenham algum corte na área plantada, mas mesmo assim a produção deve ser grande, alcançando 20 milhões de toneladas ou mais, se o clima permitir.
No Brasil o plantio se encerrou bem bem, com uma área menor, mas de forma positiva em geral.
AgriBrasilis – Como a concorrência com a Rússia e os EUA afeta o setor?
Roberto Sandoli Jr – Hoje Rússia e EUA abastecem mercado com perfis diferentes. Os americanos focam mais em países que buscam trigo de qualidade superior enquanto a Rússia foca em países que buscam preço, mas obviamente podem atender os mesmos compradores.
Hoje o Mar Negro representa mais de 30% da exportação mundial e é o principal influenciador do mercado, mas os EUA continuam um importante player no mercado e junto com Rússia podem mexer bem nos preços. Hoje o Brasil compra de ambos os países e estamos sempre de olho nos fundamentos deles, pois o que acontecer em um vai impactar o outro. Eles tem o potencial de alterar bem os preços de mercado mundial e no mercado brasileiro pela paridade de importação.
AgriBrasilis – Quais as previsões para a próxima safra?
Roberto Sandoli Jr – Para o Brasil deveremos ter uma área e produção menor, com o produtor dando preferência para outras culturas. Talvez vamos colher entre 7 e 7,5 milhões de toneladas, se o clima permitir. Na Argentina a safra deve ser maior, com potencial de produzir acima de 21 milhões de toneladas.
LEIA MAIS: