“Eu creio que, em torno de 10 anos, a gente vai estar produzindo muito mais milho do que soja…”
Glauber Silveira é diretor executivo da Abramilho, formado em agronomia pela UFMS, com pós-graduação em agronegócio pela FGV.

Glauber Silveira, diretor executivo da Abramilho
AgriBrasilis – Quais os possíveis impactos das tarifas impostas pelo governo dos EUA?
Glauber Silveira – As tarifas afetaram principalmente a carne bovina. O nosso milho, por exemplo, tem uma parte bastante significativa que é para consumo animal, seja para aves, suínos, bovinos, ovinos, principalmente na parte de confinamento, etc. Então, se você tiver algum impacto no mercado de carnes e isso tiver repercussão, isso acaba afetando o milho, o consumo.
Mesmo assim, eu creio que o impacto não será tão significativo para o milho. As tarifas não focaram diretamente no milho e, principalmente, os EUA não são um mercado competidor com o nosso em relação ao milho. Então, eu creio que, nesse caso, o impacto não é tão significativo quanto em outros, como é o caso do café, do suco de laranja. No caso do milho, nós não vamos ser tão afetados assim.
AgriBrasilis – A China pode ser o caminho para o crescimento do mercado brasileiro de milho?
Glauber Silveira – A China é um mercado importante, mas não é o único. Não é só ela que contribui para o crescimento do mercado brasileiro. Nós temos um mercado muito importante: o milho brasileiro é exportado para cerca de 140 países. Nós temos um mercado muito amplo.
O milho brasileiro vai para muitos lugares, para vários países. Então, não é a China que vai resolver o nosso mercado. Nós sobrevivemos e crescemos sem a China. No caso do milho, não temos uma dependência do mercado chinês, e nem dependemos dele para crescer, porque há outros países com uma demanda bastante grande. O milho é o grão mais produzido no mundo e também o mais consumido. Além disso, temos a produção de etanol, o consumo humano, o consumo animal… O milho tem uma variedade, uma grande amplitude de mercados.
A China pode contribuir, mas a Abramilho não acha saudável depender de um mercado só, como é o caso da soja, que depende muito do mercado chinês. A grande vantagem do milho é que ele é bem pulverizado.
Para se ter uma ideia, o nosso maior importador era o Irã. E, por um ano apenas, foi a China — por um caso específico em que ela resolveu comprar do Brasil.
A China também é um grande produtor de milho, maior do que o Brasil. Ela produz mais que o dobro do que nós produzimos. Claro, é também um grande consumidor, mas eles têm uma política interna voltada ao aumento da produtividade e da produção de milho, justamente para não depender tanto da importação. Portanto, a gente não pode fazer a nossa política, ou pensar no crescimento do milho no Brasil, dependendo do mercado chinês.
“O recurso do Plano Safra, se fosse aplicado em sua totalidade, ainda assim não seria suficiente de forma alguma…”
AgriBrasilis – O senhor disse que o Brasil será conhecido como “o país do milho”. Como vamos chegar lá?
Glauber Silveira – Nós já estamos chegando lá. Já estamos com uma produção bastante alta. Eu creio que, em torno de 10 anos, a gente vai estar produzindo muito mais milho do que soja no Brasil. Essa é a tendência. Porque, se você for imaginar, todo grande país produtor de milho produz muito mais milho do que soja. Até porque o milho é muito mais consumido do que a soja.
O Brasil tem um potencial enorme. A gente ainda tem muito a crescer em produtividade. Nossa produtividade não é baixa, mas também não é alta. Temos um potencial enorme para aumentar a produtividade no Brasil.
Eu creio que, nos próximos 20 anos, a gente tem condições de aumentar, no mínimo, 30% da produção apenas com produtividade, sem aumento de área. E, além disso, temos um potencial enorme de expansão de área.
A gente ainda não explora todo o potencial da produção de milho na segunda safra. Não estamos utilizando tudo o que poderíamos na segunda safra. Vamos crescer em área também. Há muitas pastagens sendo incorporadas à agricultura: essas áreas vão plantar soja na primeira safra e milho na segunda. Então, sem dúvida, nos próximos 20 anos, a tendência é que dobremos a produção de milho no Brasil.
O Brasil vai ser o país do milho, provavelmente o maior exportador de milho do mundo. Porque, embora os EUA sejam o maior produtor, eles também são o maior consumidor. Eles têm um programa de etanol muito grande e consomem bastante, alcançando cerca de 140 milhões de toneladas só para etanol. Por isso, a importância do Brasil é enorme como exportador, como fornecedor para muitos países. É por isso que o mundo olha muito para o Brasil como um país importante no suprimento. A gente tem superávit de soja, de milho, de carnes, então acabamos garantindo uma certa sustentabilidade para outros países também.
AgriBrasilis – Os recursos do novo Plano Safra serão suficientes para os produtores?
Glauber Silveira – O recurso do Plano Safra, se fosse aplicado em sua totalidade, ainda assim não seria suficiente de forma alguma. Nós precisamos de, no mínimo, três vezes mais do que o montante disponibilizado pelo Plano Safra. É importante lembrar que o que o Governo Federal aporta, na verdade, é apenas o valor da equalização dos juros. O restante é recurso dos próprios bancos, ou seja, é dinheiro emprestado e que nós temos que pagar. Não é subsídio.
Realmente, precisamos de muito mais recursos do que o Plano Safra tem oferecido. É por isso que outras formas de financiamento se tornam tão importantes. Por exemplo, hoje contamos com o apoio de multinacionais que também financiam a produção. Existem outras modalidades de crédito fora do Plano Safra, como as traders que atuam fortemente, especialmente na região Centro-Oeste, oferecendo o modelo de barter, que é a troca de insumos por produção futura.
Em alguns casos, essas empresas também oferecem crédito em dólar, e o produtor fecha diretamente com elas, garantindo o financiamento necessário. Portanto, o Plano Safra está longe de suprir sozinho a demanda. Mas isso não quer dizer que ele não seja importante: pelo contrário, ele é fundamental, especialmente para o pequeno e o médio produtor brasileiro.
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