Juristas analisam nova lei do MT contra a moratória da soja

“Nesses 18 anos de Moratória é importante dizer que a área plantada de soja na Amazônia cresceu significativamente, mas não sobre novos desmatamentos…”

Frederico Favacho é advogado e sócio da Santos Neto Advogados, mestre em Filosofia do Direito e doutorando pela USP, diretor da Associação Brasileira do Agronegócio.

Ieda Queiroz é advogada da CSA Advogados, formada pela PUC, com MBA em agronegócio pela Esalq/USP.

Ieda Queiroz, advogada da CSA Advogados


AgriBrasilis – O que é a “moratória da soja”?

Frederico Favacho – A moratória da soja é um pacto multisetorial, voluntário, celebrado inicialmente entre a iniciativa privada (companhias exportadoras, indústria, cerealistas) e organizações da sociedade civil (Greenpeace, WWF, TNC) ao qual também vieram se juntar instituições financeiras, como o Banco do Brasil, e até órgãos governamentais como o próprio MAPA.

O Pacto da Moratória da Soja se dá em torno do compromisso de não se comercializar ou financiar soja de áreas do bioma Amazônia que tenham sido desmatadas após julho de 2008.

Ieda Queiroz – A Moratória da Soja é um acordo privado adotado por empresas atuantes no setor de exportação de soja e derivados, cujos signatários se comprometem a não adquirir soja de áreas localizadas no bioma amazônico e que tenham sido desmatadas após 22/07/2008, data em que foram iniciadas as discussões relacionadas ao Código Florestal Brasileiro.

AgriBrasilis – Qual era o contexto quando a moratória foi assinada? Esse cenário mudou desde 2006?

Frederico Favacho – Em 2006 a cadeia da soja ainda se recuperava dos impactos do embargo temporário apresentado pela China dois anos antes quando o Greenpeace publicou um relatório sobre o aumento do desmatamento na Amazônia nos anos 2000/2004. O relatório associava produtos como óleo vegetal e hamburgueres à soja e ao desmatamento.

O relatório do Greenpeace causou um boicote de consumidores ao redor do mundo contra marcas como o McDonalds e uma pressão sobre os exportadores brasileiros. A Moratória serviu para aliviar essa pressão e mudar a imagem da soja brasileira permitindo, inclusive, que as exportações aumentassem quase cinco vezes desde então.

Nesses 18 anos de Moratória é importante dizer que a área plantada de soja na Amazônia cresceu significativamente, mas não sobre novos desmatamentos e sim sobre conversão de pastagens ou áreas degradadas. Internacionalmente, todavia, a pressão pela conservação da floresta amazônica aumentou, desaguando em novos compromissos e iniciativas como regulamento antidesmatamento da União Europeia.

Ieda Queiroz – As discussões relacionadas a moratória surgiram em 2006 em resposta ao relatório do Greenpeace denominado “Eating up the Amazon”, que apontou o avanço da cultura na região amazônica como principal fonte do desmatamento do bioma no período apurado. De acordo com o Greenpeace, entre 2002 e 2008 a taxa de desmatamento na região era de 10,6 mil km²/ano. Entre 2009 e 2014, após a adoção da Moratória e nos primeiros anos de vigência do Código Florestal, esse índice caiu para 3 mil km²/ano.

Frederico Favacho, advogado e sócio da Santos Neto Advogados

A Moratória e o relatório do Greenpeace foram importantes para iniciar a discussão dos parâmetros que serviram de base para o Código Florestal Brasileiro, sancionado em 2012. O cumprimento regulatório ambiental passou a fazer parte da agenda do produtor rural. Podemos citar algumas medidas objetivas que foram previstas: o georreferenciamento das propriedades passou a ser mandatório para o registro das áreas; tornou-se necessário que o produtor rural destinasse uma parcela da área da propriedade para preservação ambiental, sem prejuízo da preservação de áreas tidas como de preservação permanente, como por exemplo nascentes e margens de rios. Essas exigências previstas no regulamento jurídico passaram a ser de cumprimento obrigatório para todo produtor que dependa de financiamentos (públicos ou privados) ou destine sua produção para exportação e comercialização através das empresas atuantes no setor.

AgriBrasilis – Quais são os aspectos positivos da moratória?

Frederico Favacho – A moratória reverteu a imagem negativa da soja brasileira que estava se estabelecendo em 2006 e acabou permitindo a expansão da sojicultura no MT, e no sul do PA, principalmente. Além disso, é importante que se diga que a Moratória se contrapôs à iniciativa vinda dos países compradores da criação de uma certificação da soja baseada em critérios estabelecidos pelo RTPS (Round Table On Sustainable Soy), com sede na Suiça, que encareceria a soja brasileira e tiraria margem do produtor nacional.

Ieda Queiroz – A discussão trazida pela  Moratória foi importante para identificar mecanismos de acompanhamento desse desmatamento e para forçar as autoridades a reverem os critérios de preservação adotados no Brasil e se posicionassem para conter o desmatamento.

Desencadeou-se uma discussão sobre o setor agropecuário como um todo, fazendo com que os critérios de desmatamento e os mecanismos de preservação ambiental adotados pela legislação brasileira fossem aplicáveis não só a cultura da soja.

“O Pacto da Moratória da Soja se dá em torno do compromisso de não se comercializar ou financiar soja de áreas do bioma Amazônia que tenham sido desmatadas após julho de 2008”

AgriBrasilis – Na visão do(a) senhor(a), a moratória da soja é inconstitucional? Por quê?

Frederico Favacho – Não vejo nenhuma inconstitucionalidade. A Moratória nada mais é do que uma resposta da parte da cadeia sojicultora à demanda do mercado internacional e doméstico, ou seja, está inclusive albergada pelo princípio da livre iniciativa. A Moratória gerou efeitos pró-competitivos, favorecendo o crescimento do mercado para a soja brasileira, que se via ameaçada de embargos e descontos no preço.

Ieda Queiroz – Por ser um acordo privado, que não foi transformado em Lei ou ato normativo, a Moratória não foi formalmente incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, não temos como falar em constitucionalidade. Ela também não é um tratado internacional, por não envolver compromisso entre Estados e Governos.

AgriBrasilis – No que consiste a lei recém aprovada contra a moratória da soja no MT?

Frederico Favacho – A Lei 12.709 nada mais é do que uma tentativa de esvaziar a Moratória da Soja mediante a ameaça de se retirar os benefícios fiscais concedidos pelo estado do MT das empresas aderentes ao pacto. Essa é a finalidade expressa da referida lei, como fica claro pela exposição de motivos do PL que a originou e pelas manifestações dos deputados que a apoiaram.

Ieda Queiroz – A Lei nº 12.709, sancionada no fim de outubro pelo Governador de MT, entra em vigor a partir de 01/01/ 2025. Ela estabeleceu novos critérios para concessão de incentivos fiscais e revogou benefícios já concedidos a empresas que “participem de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos, nacionais ou internacionais, que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental específica, sob qualquer forma de organização ou finalidade alegada”. Nada mais é do que o Estado utilizando de suas atribuições legislativas, concedidas pela Constituição Federal, concedendo ou revogando benefícios de acordo com as políticas pretendidas.

Cumpre destacar que o MT não está proibindo as empresas de funcionarem, apenas não está fomentando através de benefícios a atividade dessas empresas, o que é bastante justificável em um Estado que é o maior produtor brasileiro de soja, possui parcela de seu território no bioma amazônico, e tem sua economia baseada no setor agrícola.

AgriBrasilis – Por que se considera que essa nova lei é “menos dura” do que o esperado pelo setor?

Frederico Favacho – A perda dos benefícios fiscais não se aplicará àquelas empresas que estejam repassando em seus contratos as exigências que lhe são impostas pelo mercado internacional, ainda que essas exigências sejam mais restritivas que a legislação brasileira. Além disso, após os vetos aos incisos I e II do artigo 2º, fica mais evidente que a aplicação da perda dos benefícios fiscais aplica-se apenas às empresas que participarem da Moratória, mas não àquelas que, por políticas próprias, recusem-se a comercializar ou financiar soja de área desmatada (ainda que legalmente sob as regras do Código Florestal Brasileiro).

Ieda Queiroz – O texto sancionado também levou em conta algumas solicitações das tradings. Ele foi o quinto substitutivo com vetos a dois incisos que poderiam ferir a livre iniciativa e poderiam gerar questionamentos. Cumpre destacar que os mecanismos de controle e acompanhamento do desmatamento foram melhor desenvolvidos após a sanção do Código Florestal, fazendo com que a comprovação do não desmatamento na data de corte da Moratória (julho de 2008), em alguns casos, estivesse sujeita a certa subjetividade e dificuldade por parte dos particulares.

O pano de fundo da discussão foi a adoção de critérios objetivos que poderiam ser comprovados pelos mecanismos de controle estabelecidos pelo Código Florestal, sem invadir a seara da livre inciativa. Isso fez com que o estado do MT agisse estritamente dentro de seus limites legislativos.

AgriBrasilis – Quais os possíveis impactos da nova lei para tradings e agricultores?

Frederico Favacho – Ainda devemos esperar a regulamentação da lei, mas desde já se pode verificar uma externalidade negativa da lei, um abalo na confiança do mercado internacional à manutenção da Moratória da Soja, levando a um crescimento da desconfiança em relação à sustentabilidade da soja brasileira. Às vésperas da COP 30, no Brasil, esta lei pode ser uma fonte de desgaste político e comercial para todos os envolvidos.

Ieda Queiroz – O impacto para as tradings é a revogação de benefícios fiscais que vão desde a concessão de terrenos para instalação, a impossibilidade de as empresas utilizares determinados convênios e benefícios tributários concedidos pelo Estado, etc.

Para os agricultores, além de uma vitória no âmbito legislativo, a lei permite a estabilização dos preços da soja, uma vez que os critérios passam a ser os mesmos previstos no Código Florestal. Mesmo assim, não podemos esquecer do impacto que isso pode gerar para a imagem do Brasil perante os mercados concorrentes e com tendências mais protetivas.

 

 

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