Transição da Lei dos Agrotóxicos “quase provocou um apagão regulatório”

“…há estados que estão com grande dificuldade, numa verdadeira paralisia fiscalizatória. Itens que já estavam consolidados e claros, agora não estão mais…”

Leonardo Vicente da Silva, é coordenador de controle de agrotóxicos da Secretaria de Agricultura, Pesca, Pecuária e Abastecimento do RJ.

Vicente da Silva é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural do RJ, mestre em engenharia de biossistemas pela Universidade Federal Fluminense.

Leonardo da Silva, coordenador na Secretaria de Agricultura do RJ


AgriBrasilis – O que o senhor espera dos decretos que devem regular a nova lei dos agrotóxicos? Que pontas ficaram “soltas” para resolver?

Leonardo da Silva – A lei nº 14.785, quando ela foi promulgada, o que se pretendia é que ela fosse autorregulamentada. São mais de 58 artigos, com inúmeros incisos e parágrafos, que deixam pouca margem para interpretações e para regulamentações. Essa uma lei que tem alto grau de complexidade em sua regulamentação e já existe um grupo de trabalho com relação a esse propósito junto com o MAPA, em parceria com outros estados.

São agrotóxicos, e seu uso apresenta um alto grau de tecnologia e de impacto ambiental e na saúde humana. Encontrar o equilíbrio com base em pouca margem para regulamentação é um desafio enorme.

AgriBrasilis – Vai mudar algo com relação ao cadastro estadual?

Leonardo da Silva – O nosso entendimento é cristalino a esse respeito. Não muda nada. Para todo estado que tem uma legislação consolidada, essa legislação permanece em vigor. Isso é garantido pela federalização dos estados. Já era dessa forma antes da aprovação da lei.

As empresas já entenderam essa necessidade de manutenção do cadastro estadual: é uma forma de dupla checagem, para que a gente tenha mais segurança. As adequações são feitas de acordo com a realidade de cada local. O cadastro é uma forma de controle para que o estado possa exercer o seu poder de polícia e evitar descaminhos dos produtos.

AgriBrasilis – Como será o procedimento sobre as reavaliações de agrotóxicos agora?

Leonardo da Silva – Com a derrubada do veto, o MAPA volta a ser o órgão que vai fazer a reavaliação de agrotóxicos, podendo solicitar apoio aos outros órgãos. Essa centralização nos causa muita preocupação.

Foi removida toda a proteção que existia pela ótica da saúde humana e ambiental, posicionando esses aspectos de uma forma quase que auxiliar. São produtos com risco intrínseco em sua utilização, por isso existe a importância de manter essas outras visões, além da questão da eficácia agronômica.

AgriBrasilis – Por que o Ibama teve que retroceder no caso do tiametoxam?

Leonardo da Silva – No caso do tiametoxam, tem-se um grau de complexidade enorme. Tudo isso ocorreu em um momento de transição da legislação. A transição da lei dos agrotóxicos quase provocou um “apagão regulatório”.

Existia todo um alinhamento entre as legislações federais e estaduais dentro de um certo grau de clareza e compromisso, e de repente houve esse desalinhamento. Inclusive há estados que estão com grande dificuldade, numa verdadeira paralisia fiscalizatória. Itens que já estavam consolidados e claros, agora não estão mais.

O risco da utilização desses produtos, o impacto nos polinizadores… é importante debater esses pontos. Não devemos focar somente na eficácia agronômica do produto, até porque ele impacta outros organismos. Precisamos de uma visão multidisciplinar. É um desafio, e há interesses econômicos fortíssimos por trás. E a forma de descrever isso, a narrativa que é feita para a população, para a sociedade e para os agricultores é um dilema.

Nós fiscais estaduais agropecuários precisamos ter uma visão “laica” e isenta de conflitos de interesse. Nós só podemos tomar decisões motivadas, e não baseadas em “achismos” ou opiniões pessoais. A nossa preocupação é que ocorra a volta de produtos já sabidamente tóxicos, por exemplo.

Essas mudanças foram feitas em um momento de polarização muito grande, buscando atender melhor aos interesses da indústria, no meu ponto de vista. É uma lei “leonina”, pouco preocupada com a saúde ambiental.

AgriBrasilis – O que garante que os novos prazos serão cumpridos? Deve haver aumento das ações judiciais?

Leonardo da Silva – Não é uma boa prática jurídica colocar prazos pré-determinados para serem cumpridos em detrimento da qualidade da avaliação. Dessa forma, o processo está preocupado com o prazo e não com o conteúdo que está previsto. Será que um servidor vai ter a tranquilidade de avaliar com mais profundidade ou ele terá simplesmente que atender a um prazo? Porque se ele não atender, ele poderá ser acionado juridicamente. Não da para trabalhar com produtos com esse grau de toxicidade apenas se preocupando com prazos.

Jogou-se o atraso nas aprovações de agrotóxicos em cima do servidor público. É uma visão míope a respeito do processo. São poucas pessoas para dar conta de uma magnitude gigante, e sofrendo pressões econômicas para poder dar celeridade. Tudo isso para que se tenha mais produtos disponíveis. E o que temos observado no mercado é mais do mesmo. Produtos novos de fato são poucos.

Reitero nossa preocupação e aqui no RJ temos feito um trabalho de combate a ilegalidade, de evitar produtos com risco, através da nossa lei estadual, que é robusta, e que nos garante uma avaliação de acordo com as condições ecológicas.

Avaliamos todos os riscos com base em “núcleos protetórios”, que determinam se o produto está adequado ou não ao nosso estado.