As limitações à expansão da agricultura de precisão na Argentina

“A tecnologia por si só não é a solução; A chave está nos profissionais que a utilizam…”

Fernando Miguel Scaramuzza é pesquisador e especialista em agricultura de precisão do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária – INTA Manfredi.

Scaramuzza é engenheiro agrônomo pela Universidade Nacional de Córdoba, mestre em produção vegetal pela Universidade de Buenos Aires.

Fernando Scaramuzza, pesquisador no INTA


AgriBrasilis – Quais as limitações para a expansão da Agricultura de Precisão na Argentina?

Fernando Scaramuzza – As limitações envolvem a necessidade de treinamento e suporte por parte das empresas, tanto no atendimento quanto na comercialização dos equipamentos.

Cito alguns pontos relevantes abaixo:

  • Foco no usuário: a tecnologia por si só não é a solução; a chave está nos profissionais que a utilizam;
  • O aprendizado deve ser realizado de forma multinível, focando na compreensão e no uso eficiente da tecnologia;
  • É essencial abordar e desenvolver novos formatos de trabalho para integrar os jovens no setor;
  • Empresas que fornecem serviços de Agricultura de Precisão (AP) precisam acompanhar as empresas agrícolas no processo de adoção, com uma visão abrangente do processo produtivo;

Durante os anos 90, a incorporação de novas tecnologias permitiu aumentar a competitividade dos produtores argentinos, com destaque para o plantio direto; a incorporação de OGMs, como a soja RR; e a redução de custos dos produtos fitossanitários.

“Em culturas como milho, soja e trigo, os ganhos de produtividade variam dependendo da tecnologia adotada, do manejo do produtor e das condições locais”

Outro fator importante foi o aparecimento de fábricas inteligentes, a Internet das Coisas (IoT), a robótica, as indústrias 4.0 (indústrias inteligentes), etc. Todas essas tecnologias permitiram que nosso país desse um salto significativo na produção de grãos, atingindo mais de 140 milhões de toneladas, com uma área plantada de quase 40 milhões de hectares.

Nosso país possui amplo conhecimento de AP. A Argentina não só está na vanguarda global, mas também exporta conhecimento e tecnologia para o mundo. Possuímos profissionais altamente capacitados e experientes, em temos longo histórico em diversos temas inerentes ao sistema produtivo e agroalimentar.

AgriBrasilis – As tecnologias da agricultura 4.0 são acessíveis? Qual é o custo de sua adoção no campo?

Fernando Scaramuzza – Todas as tecnologias têm custos. O importante é entender como as incorporamos e com quais objetivos.

Quando adotamos uma tecnologia, ela deve nos devolver lucro de tal forma que a TIR (taxa interna de retorno) possa ser utilizada como indicador de rentabilidade, em que, quanto maior a TIR, maior a rentabilidade;  assim, esse indicador pode ser utilizado como um dos critérios para decidir sobre a aceitação ou rejeição de um investimento.

AgriBrasilis – Que práticas foram implementadas e em que culturas? Qual é o escopo da adoção de AP no país?

Fernando Scaramuzza – Em cultivos extensivos a implementação da Agricultura de Precisão é muito mais ampliada na Argentina, mas isso não significa que não tenha sido implementada em cultivos intensivos.

Inclusive, acredito que os cultivos intensivos apresentam uma oportunidade maior de adoção da AP, pois têm elevada rentabilidade, via de regra. São alimentos produzidos para consumo direto, o que significa que a obtenção de dados produtivos ajuda a rastrear a produção para obter certificação, por exemplo.

AgriBrasilis – Quais são os ganhos de produtividade da agricultura de precisão para milho, soja e trigo?

Fernando Scaramuzza – A agricultura de precisão utiliza tecnologias avançadas como sensores, GPS, imagens de satélite, análise de dados e automação para otimizar o uso de insumos e melhorar a produtividade. Em culturas como milho, soja e trigo, os ganhos de produtividade variam dependendo da tecnologia adotada, do manejo do produtor e das condições locais.

Milho: a agricultura de precisão pode aumentar a produtividade do milho entre 10% e 20%, em média. Isto deve-se a uma melhor gestão de nutrientes, controle de pragas e utilização eficiente da água através da irrigação com utilização de sensores, etc.

Soja: é possível observar aumento entre 5% a 15%, em média, na produtividade da soja através da agricultura de precisão, graças à aplicação controlada de insumos e à detecção precoce de estresse hídrico ou nutricional. Além disso, a aplicação localizada de herbicidas, fertilizantes e outros insumos pode gerar economias significativas de até 20%. Através do diagnóstico proporcionado pelo uso de sensores e análise de dados, o controle de pragas e doenças pode ser otimizado, reduzindo perdas de produtividade.

Trigo: os ganhos de produtividade podem variar entre 10% e 15%, e podem ser maiores com a utilização de dados precisos, que transformamos em informações para tomada de decisão. O manejo mais preciso da irrigação, fertilização e controle de ervas daninhas com sensores seletivos são exemplos do que pode ser feito em trigo. A irrigação de precisão e a aplicação controlada de insumos podem reduzir o uso de água em até 25% e o uso de fertilizantes em mais de 15%. As ferramentas de monitoramento e análise ajudam a melhorar a qualidade dos grãos, por exemplo. Nunca devemos esquecer que estamos produzindo alimentos e, com uma boa gestão e rastreabilidade podemos levar melhores preços aos mercados.

AgriBrasilis – Você ajudou a desenvolver um modelo para estimar a semeadura de alfafa e a qualidade da cobertura usando drones. Como funciona esse modelo?

Fernando Scaramuzza – Os drones permitem coletar grandes volumes de dados e avaliar a cobertura das culturas em diferentes momentos, com alta resolução espacial. A plataforma facilita o processamento de informações e surge como uma ferramenta simples para os usuários tomarem decisões.

A proposta que desenvolvemos consiste em protocolos de avaliação que, por meio de voos de drones e do uso da plataforma agrícola digital Vistaguay, podem quantificar a cobertura que a cultura da alfafa apresenta no plantio e ao longo de sua vida útil. Embora esses métodos sejam amplamente utilizados em culturas agrícolas, não havia precedentes na alfafa. A combinação da alta resolução espacial dos drones e da escalabilidade dos satélites permite a geração de dados ao longo de todo o ciclo da cultura.

AgriBrasilis – Quais são as tendências da agricultura de precisão na Argentina?

Fernando Scaramuzza – As inovações estão ligadas ao perfil produtivo da Argentina, focadas em agricultura em geral (55%), culturas extensivas (26%) e produção de carne ou leite (15%), sendo apenas 3% e 1% para culturas intensivas e produtos hortícolas frescos, respectivamente.

Quando se analisa o nível das tecnologias digitais no universo AgTech, observa-se um maior foco em sensoriamento remoto (46%), geolocalização (36%), telefonia móvel (30%). Em menor grau, é possível observar a adoção da internet das coisas (IoT), big data e inteligência artificial, sendo a blockchain e a robótica ainda incipientes.

 

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