“O crescimento da área de algodão ocorreu por vários fatores: melhora da rentabilidade da cultura, ante a soja e milho; perda de muitas lavouras de soja precoce…”
Eleusio Curvelo Freire é consultor através da Cotton Consultoria, engenheiro agrônomo pela Universidade Federal da Paraíba, mestre em agronomia pela Universidade Federal do Ceará, e doutor em genética e melhoramento de plantas pela Esalq.
Freire foi pesquisador da Embrapa por 34 anos na área de melhoramento do algodoeiro e chefe geral da Embrapa Algodão.
AgriBrasilis – O Cepea estimou queda de 2,5% na produtividade das lavouras. Quais são os principais inimigos da produtividade do algodão?
Eleusio Freire – O ano agrícola foi regido climaticamente pelo El Niño, que provocou grandes veranicos em SP e PR. No Nordeste (região do Matopiba) e no MT, o El Niño obrigou os produtores a realizarem vários replantios, fazendo com que as lavouras se desenvolvessem de maneira desuniforme. Essa “plantabilidade” baixa, associada com as altas temperaturas registradas em novembro e dezembro, deverão resultar na perda de produtividade.
AgriBrasilis – A área cultivada cresceu 16,3%. O que está motivando o agricultor a plantar mais? Existe espaço para mais crescimento?
Eleusio Freire – O crescimento da área de algodão ocorreu por vários fatores: melhora da rentabilidade da cultura, ante a soja e milho; perda de muitas lavouras de soja precoce no MT (principal produtor nacional) devido aos veranicos provocados pelo El Niño, induzindo os produtores a substituir lavouras de soja por algodão, objetivando recuperar a rentabilidade das áreas, já que para o milho safrinha continua o risco climático de secas; aumento das exportações previstas para 2024, quando o Brasil assumirá a posição de maior exportador mundial de algodão.
Existe espaço para mais crescimento. A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão – Abrapa tem realizado um trabalho excelente de marketing e vendas no exterior, para onde é dirigido atualmente mais de 2/3 da produção nacional. O algodão brasileiro atende os requisitos de qualidade e de preços demandados pelos importadores asiáticos, que são nossos principais clientes.
“Nesse sistema, e sem rotação de culturas, não é eficiente fazer pulverizações de bordaduras, porque o bicudo já está dentro das áreas, o que obriga os produtores a realizarem muitas aplicações contra o bicudo”
AgriBrasilis – Qual é o cenário da incidência do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis)? Por que houve um crescimento tão acentuado na população desse inseto no MT?
Eleusio Freire – Os produtores de algodão do Brasil decidiram pela convivência com o bicudo, enquanto que os produtores dos EUA, por exemplo, decidiram pela erradicação dessa praga.
A convivência com o bicudo no Brasil é específica para cada estado produtor: MA, PI, PR e MG tem uma convivência com menor custo por conta das práticas de controle do inseto na entrada das lavouras, dentro das lavouras e na saída dos insetos das lavouras, associando isso com rotação de culturas e controle de bordaduras.
No caso do MT, maior produtor nacional, predomina-se o cultivo de algodão em período de safrinha, após sucessão com a soja precoce. A rotação de culturas é pouco praticada no MT, e as fazendas estão praticamente sempre com o sistema soja precoce – algodão – soja precoce. Estão sobrando muitas plantas tigueras de algodão no meio das lavouras de soja precoce, onde o bicudo se desenvolve. Esses insetos infestam as lavouras de algodão que são plantadas em seguida. Nesse sistema, e sem rotação de culturas, não é eficiente fazer pulverizações de bordaduras, porque o bicudo já está dentro das áreas, o que obriga os produtores a realizarem muitas aplicações contra o bicudo.
Outro exemplo é a BA, segundo produtor nacional, onde não se planta algodão safrinha, mas a rotação de culturas é pouco praticada, pulverizações de bordaduras são iniciadas tardiamente e não se combate o bicudo na saída das lavouras, possibilitando que grandes populações do inseto sobrevivam de um ano agrícola para o outro. Dessa forma, nesse estado demanda-se também um número alto de aplicações de inseticidas.
AgriBrasilis – Como é realizado o controle do bicudo e quanto isso custa para os agricultores?
Eleusio Freite – No MA, PI, MG e PR, o controle se inicia com o uso das seguintes técnicas: rotação de culturas, pulverizações de bordaduras já a partir da primeira semana, aplicações em área total na fase de botões e na desfolha, controle de bicudos na saída das lavouras com tubos mata bicudos ou pulverizações de bordaduras. Nessas regiões, são feitas 10 a 20 pulverizações de bordaduras, que correspondem a 3 a 4 aplicações em área total e mais 3 aplicações gerais, totalizando 4 a 7 aplicações por safra, que custam menos de US$ 100,00 por hectare. Dessa forma, não se perde produção por danos sobre a lavoura.
Na BA e MT não se fazem pulverizações em bordaduras, ou essas são realizadas tardiamente, e já sem efeitos práticos. As pulverizações são efetuadas sempre em baterias de 3 a 4 aplicações sequenciadas e não se controla os bicudos na saída das lavouras, sobrando muitos insetos para a safra seguinte, que sobrevivem dentro da soja ou milho, ou até mesmo nas plantas do Cerrado. O número de aplicações é elevado, acima de 15, e custa aproximadamente US$ 200,00 por hectare.
AgriBrasilis – A principal doença do algodão é a Ramularia. Quais são os danos e prejuízos causados por esse fungo? Como é realizado seu controle?
Eleusio Freire – A Ramularia já está sendo bem controlada através do uso de variedades resistentes e 4 a 6 aplicações de fungicidas de forma preventiva e curativa. Esse fungo provoca queda das folhas do meio e do baixeiro das plantas. Além disso, pode provocar queda de ponteiro e apodrecimento de maçãs.
Hoje o maior problema de doenças em algodão está sendo provocado por nematoides (Meloydogine e Rothilenchulus), e pela mancha alvo [causada pelo fungo Corynespora cassiicola]. Nematoides são controlados através de rotação de culturas e variedades resistentes, e a mancha alvo só pode ser controlada com o uso de fungicidas multissítio, aplicados de maneira preventiva.
AgriBrasilis – Que vantagens existem da inclusão do algodão no sistema soja-milho?
Eleusio Freire – A principal vantagem está em descompactar os solos e permitir uma rotação de culturas eficiente. O uso contínuo por décadas do sistema soja – milho safrinha resultou na compactação de camadas superficiais do solo (entre 10 a 20 cm), o que torna as lavouras mais sensíveis aos veranicos e encharcamentos.
Os solos, ao serem preparados para o algodão, são descompactados, calcareados, gessados, para possibilitar uma lavoura de alta produtividade. Quando o produtor volta a a plantar soja e milho em rotação com o algodão, são obtidos acréscimos de produtividade de até 15% (aproximadamente 10 sacas de soja e até 25 sacas de milho) por hectare.
Outra vantagem da inclusão do algodão é a melhoria da eficiência no controle de doenças e aumento da matéria orgânica dos solos. A rotação mais eficiente que se tem verificado ocorre da seguinte maneira: plantio de soja, seguida pela descompactação dos solos e plantio de milho associado com Braquiária, para na safra seguinte plantar o algodão sobre a palhada da Braquiária.
Os benefícios da palhada de Braquiária para o algodão são a redução de nematoides, redução da gravidade de doenças como a Ramularia, mancha alvo e mofo branco [causada pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum], melhoria do controle de plantas daninhas e da qualidade do algodão obtido.
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