Agro brasileiro precisa ser protagonista contra as mudanças climáticas

“O Brasil deve ter papel central nas ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e nas ações de remoção do CO2 que já está na atmosfera.”

Maurício Roberto Cherubin é professor do departamento de ciência do solo da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Esalq/USP.

Cherubin é agrônomo pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, bacharel em adiministração pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em agronomia pela UFSM e doutor em solos e nutrição de plantas pela Esalq/USP.

Maurício Roberto Cherubin, professor da Esalq


AgriBrasilis – O Brasil tem papel fundamental na redução da emissão de gases. Por quê? Qual a participação do setor agrícola? 

Maurício Cherubin – O Brasil está entre os maiores países emissores de gases do efeito estufa do mundo, em 5º lugar, atrás de China, EUA, Índia e Rússia. Se considerarmos a União Europeia, estamos em 6º lugar.

Diferentemente dos demais países, em que o setor de energia, particularmente a queima de combustíveis fósseis, é responsável pela maioria das emissões, no Brasil o principal responsável é a mudança de uso da terra e florestas, que causa quase 50% das emissões nacionais, seguido pela agropecuária, responsável por 25%.

O Brasil deve ter papel central nas ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e nas ações de remoção do CO2 que já está na atmosfera. A agropecuária brasileira deve ser protagonista nesse ponto.

AgriBrasilis – Qual a origem dos gases emitidos? Quanto carbono é emitido por ano e quais as consequências?

Maurício Cherubin – As emissões brasileiras de GEE somaram 2.422 milhões de toneladas de CO2e (CO2 equivalente) em 2021. A principal fonte das emissões é a mudança de uso da terra e das florestas, predominantemente devido ao desmatamento, que emitiu 1.188 milhões de toneladas de CO2e. O desmatamento ilegal deve deve ser coibido intensivamente pelo país, para que assim tenhamos condições de reduzir emissões.

A agropecuária emitiu 600 milhões de toneladas de CO2e, e as principais fontes são o metano da fermentação entérica dos ruminantes, particularmente bovinos, o manejo ou revolvimento do solo, o cultivo de arroz irrigado, e o manejo dos dejetos animais.

Mudanças climáticas são as principais consequências do aumento nas emissões de GEE. Dentre os setores afetados, a agropecuária é o mais vulnerável, pois depende diretamente do clima.

AgriBrasilis – Como é possível reduzir as emissões, sem perdas financeiras e de produtividade agrícola?

Maurício Cherubin – Existem várias técnicas que podem ser utilizadas na agropecuária para reduzir emissões e aumentar o sequestro de carbono, como o uso do sistema plantio direto, a adoção de plantas de cobertura, manejo racional de fertilizantes e resíduos orgânicos, manejo da água utilizada na irrigação, recuperação das pastagens degradadas e adoção de sistemas integrados. Essas práticas ajudam na mitigação das mudanças climáticas e potencializam a produtividade dos sistemas agropecuários.

AgriBrasilis – O que são sistemas integrados e como se relacionam com a agricultura regenerativa? Quais seus benefícios para o produtor rural?

Maurício Cherubin – Sistemas integrados são sistemas agropecuários que combinam mais de um componente na mesma área. Por exemplo: agricultura e pecuária; pecuária e floresta; agricultura e floresta; e agricultura, pecuária e floresta; etc.

Esses sistemas são uma alternativa para diversificar as espécies cultivadas na área, de modo que uma se beneficie da outra. Isso gera uma diversificação da renda do produtor. Em uma mesma área, o produtor pode produzir grãos, carne, leite e madeira, e sequestrar carbono nas plantas e no solo.

A diversificação do sistema, com maior aporte de carbono no solo e beneficiando a saúde do solo e a qualidade da água e do ar, de modo socialmente e economicamente viável, é a base da agricultura regenerativa.

Sistemas integrados são uma das alternativas mais promissoras dentro da agricultura regenerativa.

AgriBrasilis – De que forma as práticas de manejo sustentável do solo podem gerar retornos ambientais e financeiros? O que faz um solo ser considerado saudável?

Maurício Cherubin – Um solo saudável é equilibrado quimicamente, fisicamente e biologicamente, capaz de desempenhar suas funções de forma adequada.

A principal função do solo é servir de meio onde as plantas se desenvolvem, absorvem água e nutrientes. Mas outras funções exercidas pelo solo também são vitais para nossa vida no planeta. Por exemplo: estocar carbono e realizar essa regulação climática. O solo é o maior reservatório de carbono do planeta, tendo em sua camada superficial, de um metro, duas vezes mais carbono que a atmosfera e três vezes mais que a vegetação e os animais.  O sequestro de carbono no solo é chave para mitigarmos as mudanças climáticas.

O solo também regula o fluxo e purificação da água, fornece um habitat para a biodiversidade (25% da biodiversidade está no solo), é um meio de ciclagem de nutrientes, e um grande reservatório de matéria prima para as indústrias farmacêuticas, de cosméticos e construção civil. O solo é o maior patrimônio que temos, e o produtor rural deve sempre estar consciente disso.

AgriBrasilis – Além da redução de emissões, existe também a remoção dos gases da atmosfera. Como é possível realizar esse processo de forma a gerar impactos relevantes? Por que apenas o agro teria essa capacidade?

Maurício Cherubin –  A descarbonização da atmosfera passa necessariamente por duas frentes: reduzir as emissões de GEE; e remover parte do carbono presente na atmosfera.

Estratégias para redução de emissões têm sido propostas pelos setores de transporte, energia, indústria e também na agricultura. Todavia, ações para remoção de carbono atmosfério são muito mais limitadas, pelos desafios tecnológicos e custos envolvidos.

Os setores agrícola e florestal contam com o processo mais eficiente do mundo para remoção de carbono da atmosfera, a fotossíntese, que é natural e gratuíta. As plantas removem CO2 e transformam em compostos orgânicos variados, que são assimilados em sua biomassa. Posteriormente, com a morte da planta, parte desse carbono é sequestrado no solo.

Os setores agrícola e florestal tem uma oportunidade única de liderar essa agenda de remoção de carbono, e de fato contribuir para que o Brasil atinja suas metas de descarbonização.

AgriBrasilis – Como o Brasil pode se beneficiar do mercado de créditos de carbono? De que formas essa ferramenta garante a redução das emissões?

Maurício Cherubin –  O Brasil tem grande potencial de se beneficiar do mercado de carbono, justamente pelo tamanho do território e vocação agro-ambiental.

Temos iniciativas interessantes e promissoras de geração e venda de créditos de carbono no mercado voluntário, mas o mercado regulado de carbono ainda está se estruturando, e deverá movimentar cifras muito maiores. Sou otimista em relação ao mercado de carbono, mas considero que ainda vai demorar alguns anos para que de fato se popularize e comece a gerar impactos econômico expressivos.

Minha sugestão é focarmos em práticas de manejo que favoreçam o acúmulo de carbono, pensando nos benefícios diretos na produtividade das culturas e na redução de custos. Os créditos de carbono serão uma consequência desse processo no médio prazo. Além disso, outras formas de remuneração aos produtores, como bonificações por certificações, preço diferenciado associada a pegada de carbono do produto, descontos em insumos, dentre outras alternativas, podem ser até mais interessantes que os créditos de carbono no curto prazo.

A agricultura brasileira está se transformando, não apenas pensando na produtividade, mas em todos esses co-benefícios gerados pela adoção de praticas conservacionistas e de agricultura regenerativa.

 

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