Anvisa indefere quase 5% dos produtos formulados

Anvisa Pesticide

“A Anvisa se manifestou publicamente contrária ao PL dos agrotóxicos…”

Carlos Alexandre Oliveira Gomes é gerente-geral da Gerência-Geral de Toxicologia – GGTOX, da Anvisa. Gomes é engenheiro agrônomo e mestre em ciência e tecnologia de alimentos pela Universidade Rural do Rio de Janeiro.

Carlos Gomes, gerente-geral da GGTOX, Anvisa


AgriBrasilis – Qual a atuação da Anvisa em relação aos agrotóxicos?

Carlos Gomes – Agrotóxicos têm sua regulação traçada pela Lei nº 7.802/1989, que condiciona fabricação, comercialização e uso no Brasil à autorização do Poder Público Federal. Essa autorização se chama registro, ato administrativo complexo realizado por órgãos vinculados aos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura.

A Anvisa controla e fiscaliza produtos e serviços que apresentam risco à saúde pública, dentre eles “…limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários…”, de acordo com a Lei nº 9.782/1999, que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e cria a Anvisa.

No sistema atual de controle de agrotóxicos, a Anvisa é o ente administrativo federal que possui competência para a regulação de agrotóxicos e avaliação dos impactos à saúde decorrente do uso desses produtos.

A Anvisa realiza a avaliação toxicológica de agrotóxicos para fins de registro e pós-registro, responsável pela definição da classificação toxicológica e pela avaliação dos riscos à saúde decorrentes da exposição ocupacional e da exposição através de resíduos nos alimentos.

A metodologia da Anvisa para a avaliação toxicológica de agrotóxicos está em consonância com as melhores práticas regulatórias internacionais.

AgriBrasilis – Qual o tempo necessário para a avaliação toxicológica de um produto? Como é realizada a priorização desses processos?

Carlos Gomes – O tempo médio necessário para avaliação toxicológica para fins de registro, incluindo tempo de espera na fila, é de 04 a 05 anos, em função do tipo de produto, ou seja, formulado ou técnico. Produtos Formulados são aqueles comercializados para os agricultores e Produtos Técnicos são utilizados como matéria prima para fabricação dos agrotóxicos.

O Decreto nº 10.833/2021, alterou o Decreto nº 4074/2002, ajustando prazos de análise, conforme os excertos abaixo:

  1. a) trinta e seis meses para o caso de novo produto técnico, contados da data do protocolo do pedido;
  2. b) vinte e quatro meses para os casos de produtos técnicos equivalentes, contados da data do protocolo do pedido;
  3. c) vinte e quatro meses para os casos de produtos formulados cujo produto técnico já esteja registrado, contados da data do protocolo do produto formulado;
  4. d) vinte e quatro meses para os casos de produtos formulados, cujo produto técnico não esteja registrado, contados da data do registro do produto técnico;
  5. e) doze meses para os casos de novos produtos formulados, contados da data do registro dos respectivos novos produtos técnicos;

Art. 3º Os órgãos federais envolvidos no registro de agrotóxicos disporão do prazo de quatro anos, contados da data de publicação deste Decreto, para analisar os processos pendentes de registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins, mediante procedimentos específicos a serem estabelecidos pelos órgãos de agricultura, de saúde e de meio ambiente.

A priorização de análise desses processos é de competência do MAPA. Existe previsão legal, com base nos artigos 17 e 18 da RDC nº 294/2019, para que produtos de baixa toxicidade e periculosidade possam ser priorizados no âmbito da Anvisa.

AgriBrasilis – Que etapas do processo de registro são harmonizadas entre MAPA, Anvisa e Ibama e por quê?

Carlos Gomes – Cada órgão atua em sua área de competência. Visando eliminar disfunções burocráticas, foi publicado o Decreto nº 10.833/2021, que atende a uma série de atualizações necessárias ao Decreto nº 4.074/2002, decorrentes, principalmente, do avanço da ciência internacional e da necessidade de harmonização com critérios e diretrizes adotados internacionalmente. Isso permitiu a racionalização dos processos, para evitar o retrabalho entre os órgãos, estabelecendo obrigações em consonância com a competência de cada órgão, proporcionando maior efetividade do trabalho.

AgriBrasilis – Que proporção dos processos protocolados é aprovada, reprovada ou tem que passar por correções?

Carlos Gomes – São os seguintes os percentuais de análises toxicológicas para fins de registro deferidos pela Anvisa entre 2020 e 2022 em função do tipo de agrotóxico avaliado:

Tipo de Produto Percentual de Deferimento
Produto Formulado 94,72%
Produto Formulado com base em Produto Técnico Equivalente 95,94%
Produto Formulado Novo 100,00%

AgriBrasilis – Qual o motivo das ações judiciais para avaliação dos processos de registro? Que porcentagem dessas ações é deferida pelo judiciário?

Carlos Gomes – Em sua maioria, essas ações judiciais estão relacionadas à alegação de mora administrativa.

O art. 15, do Decreto nº 4.074/2002 determinava aos órgãos federais realizar a avaliação técnica de registro em até 120 dias, prazo considerado insuficiente para esse tipo de análise. Por isso,  o Decreto nº 10.833/2021 alterou o Decreto nº 4.074/2002, ajustando prazos de análise.

O prazo de 120 dias não era compatível com a complexidade e especificidade inerentes à avaliação para registro de agrotóxicos, e resultou em um enorme passivo a ser analisado e em frequentes ações judiciais contra os órgãos federais responsáveis pelo registro de agrotóxicos. A publicação do Decreto nº 10.833 definiu o estabelecimento de prazos factíveis de serem atendidos.

AgriBrasilis – Qual a posição da Anvisa em relação do PL dos agrotóxicos nº 1459/2022?

Carlos Gomes – A Anvisa se manifestou publicamente contrária ao PL dos agrotóxicos. Na visão da Anvisa, as proposições do PL eliminam, anulam ou condicionam a outros órgãos a atuação concernente à saúde no processo regulatório dos agrotóxicos.

AgriBrasilis – Em 2023, a Anvisa irá realizar a reavaliação toxicológica dos ingredientes ativos epoxiconazol, tiofanato metílico, clorpirifós e procimidona. Em que circunstâncias pode ocorrer a proibição desses produtos, como aconteceu com o carbendazim em 2022? Essa situação é provável?

Carlos Gomes – As reavaliações desses ingredientes ativos estão em andamento, seguindo as etapas regulatórias previstas em lei. Já passaram pela divulgação do início da reavaliação, com a abertura do edital e realização de reunião com as empresas registrantes, e também pelo protocolo de documentos e estudos por parte dessas empresas. Nesse momento, está em andamento a análise técnica, com foco nos desfechos toxicológicos.

Após a análise técnica, deverão ser elaborados documentos decisórios, que serão apreciados pela Diretoria Colegiada da Anvisa, com vistas à aprovação da Consulta Pública, para contribuições da sociedade. Depois, as contribuições serão analisadas e a Diretoria Colegiada deverá deliberar novamente.

A reavaliação pode resultar na comercialização com medidas para reduzir os riscos decorrentes do seu uso ou até mesmo na proibição dos produtos. Também poderá levar à decisão de manter o produto em circulação sem novas recomendações.

A conclusão do processo de reavaliação depende das evidências disponíveis, da necessidade de aporte de estudos desenvolvidos pelas empresas detentoras de registro do produto, etc. Não há um padrão de duração, justamente em decorrência da complexidade do processo e das características de cada ingrediente ativo, incluindo aspectos toxicológicos e relevância para a agricultura.

Somente após a análise das evidências e a conclusão das etapas regulatórias previstas é que se pode concluir pela proibição, pela manutenção do registro do ingrediente ativo sem alterações, ou por alterações visando adequações e estabelecimento de medidas de mitigação de riscos.

AgriBrasilis – Outra pauta na agenda regulatória é a atualização na regulamentação de produtos fitoquímicos e biológicos. Por que isso se tornou necessário? Quais as mudanças previstas?

Carlos Gomes – Sobre esse assunto, existem duas normativas em processo de construção.

A primeira é a Portaria Conjunta de Produtos Microbiológicos. Dada a obsolescência da atual INC 03, de 2006, e considerando os avanços e a dinamicidade da biotecnologia, foi necessário atualizar o regulamento. A referida INC vigente está defasada em diversos pontos, o que impossibilita o registro de vários produtos com atividade biológica para controle de doenças e pragas. A revisão da INC, com ampliação dos pontos regulamentados, criará um arcabouço para análise específica dos produtos microbiológicos.

A segunda, em fase de consolidação das contribuições da consulta pública, é a nova norma de produtos fitoquímicos. A proposição de normativa para esses produtos se faz necessária, pois, embora alguns fitoquímicos estejam registrados no Brasil, ainda não há legislação específica para correto enquadramento e o registro de produtos elaborados com base em extratos vegetais.

A legislação de registro de produtos químicos convencionais não é adequada em funçãs das características dos compostos fitoquímicos. Para superar essa lacuna, a construção da nova norma de fitoquímicos se mostra fundamental para possibilitar e ampliar o registro de produtos de origem natural, que podem ser utilizados como opção no manejo integrado de pragas e favorecer o desenvolvimento de uma produção agrícola com meios de controle mais sustentáveis e de menor perigo.

 

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