Cadastro estadual de agrotóxico custa R$ 110 mil por produto

“Temos no país uma análise das mais criteriosas do mundo e mesmo assim existe a necessidade desses produtos passarem pelo crivo estadual.”

Luís Carlos Ribeiro é diretor executivo da Associação Brasileira de Defensivos Pós-Patente – Aenda, participante do Conselho do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias. Ribeiro é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal e Rural do Rio de Janeiro, mestre em defesa sanitária vegetal e especialista em proteção de plantas pela Universidade Federal de Viçosa.

Luís Ribeiro, diretor executivo da Aenda


AgriBrasilis – O que significa cadastro estadual de agrotóxicos? Quais seus pontos críticos?            

Luís Ribeiro – A constituição federal define que é competência da União, dos estados e do Distrito Federal legislar concorrentemente nas seguintes áreas: produção e consumo; florestas; caça; pesca; fauna; conservação da natureza; defesa do solo e dos recursos naturais; proteção do meio ambiente e controle da poluição; previdência social; proteção e defesa da saúde.

A Lei nº 7.802/89, de normas gerais para agrotóxicos, dispõe sobre: pesquisa e experimentação; produção; registro e uso; embalagem e rotulagem; comercialização e propaganda; transporte e armazenagem; importação e exportação; destino de sobras e embalagens; controle – inspeção e fiscalização.

Com essas determinações, o Brasil se alinha à comunidade internacional.

Registro

É responsabilidade da União registrar agrotóxicos, seus componentes e afins, além dos fertilizantes.

Aos estados compete registrar empresas prestadoras de serviços que importam, exportam e/ou comercializam agrotóxicos.

Legislação

A União deve legislar sobre produção; registro; comércio interestadual; exportação, importação; transporte; classificação; controle tecnológico e toxicológico.

Estados devem legislar sobre a produção (suplementar); uso dos agrotóxicos, consumo; comércio (local) e armazenamento.

Fiscalização

A União deve fiscalizar estabelecimentos produtores, importadores e exportadores; e áreas onde se realizam pesquisas. Também deve analisar produtos nacionais e importados; controlar e fiscalizar produção, exportação e importação.

Estados devem fiscalizar o uso dos agrotóxicos, o comércio, armazenamento e o transporte interno.

Para que os estados possam exercer sua parte da fiscalização, de acordo com o decreto nº 4.074/2002, é necessário que as empresas detentoras de registros de agrotóxicos promovam o cadastro desses produtos junto ao Órgão Estadual de Defesa vegetal de cada estado, apresentando informações, documentos e pagamento de taxas.

Somente após análise da documentação é que o órgão estadual libera as empresas detentoras dos registros a poderem comercializar, transportar, e armazenar produtos. Somente após essa análise os profissionais habilitados podem recomendar o produto através de receita agronômica e os produtores podem adquirir e utilizar os produtos.

Cadastro de agrotóxicos é uma ferramenta utilizada pelo estados, que visa obter informações para integrar seus bancos de dados e possibilitar a fiscalização.

Empresas dependem da legislação de cada estado, da estrutura de cada órgão estadual e de certas exigências que alguns estados possuem. Exemplo desse tipo de exigência: empresas devem apresentar documentos do país de origem da importação do agrotóxico, ou seja, alguns estados determinam que os produtos devem ser utilizados naquele país. Porém, muitas vezes no país de origem não existem as culturas para as quais o produto é utilizado. Isso gera desgastes e dificulta a liberação do produto.

Entendemos que os produtos estão devidamente registrados pelo Governo Federal, onde foram submetidos a análises pelos três ministérios (MAPA, Anvisa e Ibama). Um processo pode levar 8 anos para ser concluído e registrado, por exemplo. Temos no país uma análise das mais criteriosas do mundo e mesmo assim existe a necessidade desses produtos passarem pelo crivo estadual.

Hoje, os órgão federais possuem em suas páginas na internet todas as informações liberadas para os produtos registrados; os órgão estaduais poderiam utilizar dessas informações para reduzir a necessidade de receberem as mesma informações de cada empresa.

Outro fator são as taxas cobradas pelo estados para o cadastro dos produtos. Alguns estados cobram taxas altíssimas, escalonadas pela classificação toxicológica dos produtos. Outros cobram renovação anual e taxa de manutenção anual do cadastro dos produtos. Alguns possuem renovações a cada dois anos, ou a cada cinco anos, ou seja, é necessário conhecer cada legislação estadual.

Quando ocorre a necessidade de se alterar o cadastro do produto no estado, paga-se um valor pelo processo de alteração. Porém, existem estados em que, ao invés de cobrar por processo de alteração de cadastro, é realizada cobrança para cada alteração: se for adicionada nova cultura, cobra-se pela nova cultura, cada alvo biológico dessa cultura, cada dose utilizada, nova instrução de uso, etc. A taxa nesses casos fica uma enormidade, muito mais alta do que a taxa por um cadastro novo.

Existem estados que, quando uma empresa realiza comercialização direta com o cliente final, exigem que o cliente solicite ao órgão estadual uma “autorização de importação”, já que o produto virá de outra unidade da Federação. Isso pode ser considerado crítico, pois vivemos em uma Federação, e quem legisla sobre comércio interestadual é o Governo Federal.

Não resta dúvida de que o trabalho de fiscalização dos estados é de suma importância e seria muito importante se as taxas recebidas pelos estados, seja para cadastro, alterações de cadastro, renovações de cadastro, etc., fossem revertidas em benefício dos órgão estaduais e que pudessem ser utilizadas em beneficio da instituição para aquisição de bens como carros, sistemas eletrônicos de ponta, aumento de equipe de fiscalização, etc.

AgriBrasilis – É possível comercializar produtos sem os respectivos cadastros estaduais? 

Luís Ribeiro – Os produtos só são liberados para comercialização após conclusão do pleito de cadastro do produto.

AgriBrasilis – Quanto custa o cadastro de um produto em todos os estados? 

Luís Ribeiro – As taxas são instituídas nos estados mediante publicação de Lei, e cada estado cobra de forma diferente. Há estados que fixam valor anual. Há outros nos quais o valor é mensal, de acordo com a Unidade de Referência. Tendo um cálculo aproximado para o mês de Janeiro de 2023, o somatório para os estados fica por volta de R$ 110.000,00. Por enquanto não há cobrança no estado de São Paulo e no Distrito Federal.

AgriBrasilis – Qual o tempo necessário para a aprovação? 

Luís Ribeiro – É muito variado. Há estados que recebem os processo através de emails, outros, principalmente do Nordeste, solicitam que seja enviado via Correios. Há estados onde o contato é muito difícil, pois possuem quadro pequeno de fiscais e a infraestrutura precisa ser melhorada. A implantação de sistemas eletrônicos para agilidade dos processos é fundamental.

AgriBrasilis – Quais os casos mais frequentes de não conformidade? 

Luís Ribeiro – Geralmente os casos mais correntes referem-se a dificuldade de contatos com alguns estados, retorno sobre andamento dos processos, emissão de certificados de cadastros, morosidade e exigências que os órgão federais não solicitam na avaliação de registro, como a solicitação de comprovação de uso no país de origem do produto.

AgriBrasilis – Por que em alguns estados existem legislações mais rigorosas? 

Luís Ribeiro – Cada estado possui sua regionalidade. Existe uma “cultura” de que, mesmo o produto já tendo sido devidamente analisado pelos órgãos federais, os estados são os responsáveis pela segurança da saúde e meio ambiente em suas regiões e para isso exigem que os produtos passem pelo crivo do órgão estadual até como se fosse um “mini re-registro”.

AgriBrasilis – Existe a possibilidade de harmonização da legislação entre os estados? 

Luís Ribeiro – Já discutimos isso em evento que realizávamos com todos os fiscais estaduais, chamado Enfisa – Encontro Nacional das Fiscalizações Estaduais e Seminário Nacional dos Agrotóxicos. Mas em função das diferentes regionalidades, meio ambiente, diferenças culturais, dentre outros aspectos, esse tópico não evoluiu.

AgriBrasilis – Como é realizada a fiscalização de agrotóxicos pelos estados? 

Luís Ribeiro – Após o produto estar cadastrado, o mesmo já pode ser recomendado pelo engenheiro agrônomo através da receita agronômica.

O produtor realiza a aquisição em canal de distribuição/revenda, cooperativa, ou diretamente com o detentor do registro, e de acordo com as informações constantes da receita agronômica e da bula do produto. O produto pode ser utilizado seguindo todas as orientações de segurança constantes nesses documentos.

Fiscais estaduais atuam no comércio verificando se os canais de distribuição estão registrados no órgão estadual de defesa vegetal, além de aspectos sobre armazenamento, transporte no estado e na utilização do produto no campo. O produtor também é fiscalizado para observar se está seguindo as recomendações corretas.

 

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