Safra será maior que armazenamento pela primeira vez em 20 anos

Foto/Photo: Wenderson Araujo/Trilux

“O destaque dessa gestão na Conab foi a reorganização da geração das estatísticas da produção agrícola do Brasil….”

Guilherme Ribeiro é diretor-presidente da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, graduado em relações internacionais pela Fundação Armando Alvares Penteado, mestre em gestão e políticas públicas pela Fundação Getúlio Vargas e com MBA em transformação digital e futuro dos negócios pela pela PUC-RS.

Ribeiro encerra sua gestão em fevereiro, dando lugar ao deputado Edegar Pretto como novo diretor-presidente da Companhia.


AgriBrasilis – A safra de verão será maior do que a capacidade do armazenamento. Como mitigar esse problema?

Guilherme Ribeiro – Nas últimas décadas, o Brasil tem se apresentado como um dos principais fornecedores de alimentos para o mundo. De acordo com os dados do 4º Boletim de Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos, divulgado pela Conab no dia 12 de janeiro, estima-se uma produção de aproximadamente 310,9 milhões de toneladas para a safra 2022/23.

Considerando as safras de verão das culturas de arroz, milho e soja, projeta-se uma produção de 189,5 milhões de toneladas na temporada 2022/23, número levemente superior à capacidade estática nacional, que corresponde a aproximadamente 188 milhões de toneladas.

Para mitigar os efeitos deste déficit, de aproximadamente 1,5 milhões de toneladas, recomenda-se o incentivo à construção de armazéns, sobretudo em nível de fazenda, utilização de estruturas temporárias e investimentos em tecnologias que aperfeiçoem o fluxo de recepção, secagem e expedição em armazéns já existentes, bem como, a mobilização dos demais processos logísticos para o escoamento da produção.

AgriBrasilis – Como são realizadas as estimativas de produção da Conab? Qual a evolução da produção nacional nos últimos 5 anos?

Guilherme Ribeiro – O contínuo acompanhamento da safra brasileira de grãos é realizado por profissionais capacitados, que visitam fazendas, conversam com agricultores, profissionais do setor e instituições estaduais. Essa coleta de dados é complementada com o uso de geotecnologias, a partir do mapeamento de áreas cultivadas e do monitoramento climático e espectral, que nos dá uma noção do progresso das plantações.

Para a soja e o milho, também realizamos uma coleta de dados objetiva da produtividade. São estabelecidos pontos de amostragem. Posteriormente, as equipes da Conab visitam esses locais, coletam amostras de plantas e realizam a contagem do número de grãos. Esses dados são extrapolados para regiões homogêneas, o que contribui para uma maior precisão nas estimativas de produtividade esperadas.

A estatística desempenha um papel importante na coleta de dados da Conab, especialmente no levantamento inicial, onde os modelos estatísticos fornecem suporte à previsão de área e produtividade. Além da coleta de dados mensais, a Conab realiza um acompanhamento semanal, que resulta em relatórios técnicos sobre as condições das principais lavouras no campo. As informações incluem o acompanhamento do progresso da semeadura e colheita, fenologia, influência do clima no desenvolvimento e a ocorrência de qualquer praga ou doença. Esse trabalho é realizado com a colaboração do Inmet – Instituto Nacional de Meteorologia, para que seja possível divulgar as previsões climáticas nos sete dias após a publicação e seus possíveis impactos sobre as lavouras.

A produção brasileira deverá evoluir aproximadamente 34% entre as safras 2017/18 e 2022/23, passando de 231,7 milhões de toneladas para uma estimativa de 310,9 milhões de toneladas, conforme dados do 4º Boletim de Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos.

AgriBrasilis – Qual foi a influência do clima para esses resultados? Que outros fatores afetaram a produção?

Guilherme Ribeiro – O clima é certamente uma das principais variáveis que afetam a produtividade e, consequentemente, a produção. Considerando a informação anterior, ainda que a produção venha a crescer cerca de 34% nos últimos 5 anos, o aumento na área cultivada deverá corresponder a menos de 25%, totalizando 77 milhões de hectares em 2022/23.

É importante destacar que as culturas de segunda e terceira safras são cultivadas sobre o mesmo solo daquelas de primeira safra, o que otimiza o uso deste recurso.

Além do clima, os preços remuneradores observados nos últimos anos e os investimentos em tecnologia e assistência técnica no campo têm contribuído para a elevação dos níveis de produção no país.

AgriBrasilis – O senhor declarou como objetivo melhorar a captação e o tratamento de dados sobre a produção agrícola brasileira. Esse objetivo foi alcançado?

Guilherme Ribeiro – Sim, com certeza. Este objetivo está sendo alcançado e trata-se de uma melhoria contínua sobre as nossas estimativas. Essa mudança baseia-se no direcionamento da Companhia no sentido de fornecer aos mais diversos agentes de mercado as melhores estatísticas agropecuárias, de forma ainda mais precisa e com previsibilidade, para reduzir a assimetria de informações no setor.

A Conab tem dedicado equipes de campo ao levantamento de informações e adotado ferramentas com foco em estatística, capazes de determinar melhores amostras e de realizar um tratamento mais adequado dos números coletados no campo.

AgriBrasilis – Como o senhor avalia sua gestão à frente da Conab? Quais devem ser os desafios da próxima gestão?

Guilherme Ribeiro – A Conab possui importância estratégica quando oferece informações técnicas para embasar a tomada de decisão na elaboração de políticas públicas voltadas à agricultura.

A Conab tem a responsabilidade de executar programas de inclusão social com ênfase na geração de emprego e renda. Ela participa como órgão executor de projetos e ações governamentais que contribuem para o bem-estar de comunidades em situação de insegurança alimentar e nutricional.

O destaque dessa gestão na Conab foi a reorganização da geração das estatísticas da produção agrícola do Brasil. Fizemos melhoramentos técnicos e operacionais na Companhia, o que há muito tempo não se fazia. Com 32 anos de atuação, se não houver uma atualização do modus operandi, não há como avançar, realizar novas conquistas e atingir os objetivos essenciais.

Foi justamente aprimorando a parte técnica que conseguimos evoluir em todas as áreas da Conab: o aumento da precisão dos dados de safra, com investimentos em tecnologia e capital humano, gerando credibilidade no mercado; novas metodologias de estimativa e acompanhamento da produtividade das lavouras foram adotadas, resultando em cenários com previsões de impactos na produtividade e preços.

Os dados disponibilizados gratuitamente pela Conab contribuem para a tomada de decisão de agentes públicos e privados vinculados ao setor agropecuário. As informações são estratégicas para o desenvolvimento econômico do país e para a maior oferta de alimentos no Brasil e no mundo.

Nesse cenário de crescimento e fortalecimento do setor brasileiro no mundo, a Conab pode contribuir com o fornecimento de informações, levantamentos de dados mais precisos, de forma a auxiliar na tomada de decisão e na melhor gestão por parte do produtor rural. Isso traz mais transparência, reduz a assimetria de informações entre os produtores e os demais elos da cadeia produtiva, facilitando a gestão de risco da atividade. Por outro lado, auxilia os gestores públicos na melhor adoção de políticas para o setor.

Para o futuro, o desafio é manter o que está dando certo e aprimorar cada vez mais a geração precisa de dados (inteligência), o que foi o foco da nossa gestão da Conab que se encerra agora, mantendo a credibilidade alcançada nos nossos anúncios de safras e auxiliando um setor que tanto contribui para o avanço econômico e social do país.

 

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