Região sul do Brasil é a mais afetada pelo terceiro ano consecutivo de La Niña

La Niña

“Não devemos apenas nos preocupar com os próximos meses, com a permanência ou não da La Niña no Brasil, por exemplo. Devemos nos perguntar sobre o que esperar em termos de mudanças em zoneamento climático, de produtividade, por conta das mudanças climáticas…”

Willians Bini, Head de Agricultura na Climatempo.

Willians Bini é meteorologista com graduação pela Universidade de São Paulo e mestre pela mesma instituição, com especialização em modelagem numérica e uso de técnicas estatísticas em previsão de tempo e clima. Bini é Head de Agricultura na Climatempo e foi Diretor de Projetos na Somar Meteorologia.


AgriBrasilis – No Brasil, o clima tropical favorece ou prejudica a produção agrícola? Por quê?

Willians Bini – A produção agrícola é muito variada. Trabalhamos com várias culturas e em cada uma existe uma condição mais favorável para desenvolvimento, para que exista alta produtividade, portanto não existe uma resposta única para isso.

De forma geral, em nosso contexto, o clima mais “tropicalizado” do Brasil é benéfico. Nós não temos uma situação de frio extremo, por exemplo, como acontece em alguns países produtores agrícolas do hemisfério norte. Inclusive, no Brasil o clima possibilita até três safras por ano.

AgriBrasilis – Como a ocorrência do La Niña pelo terceiro ano consecutivo influencia a Safra 2022/23?

Willians Bini – Influencia muito. Em média a La Niña prejudica a safra por conta da má distribuição de chuvas e dos baixos volumes médios de pluviosidade.

Estamos no terceiro ano seguido em que a região sul do Brasil é a mais afetada pelo La Niña. Há mais de 20 anos que não acontecia uma situação como essa. A última vez foi entre 1999 e 2001, período em que tivemos uma crise hídrica. Vai ser um ano bastante complicado no sul do Brasil.

AgriBrasilis – O sul do Brasil tem sofrido com altas temperaturas e escassez hídrica, enquanto o nordeste sofre com chuvas muito fortes. Como explicar eventos extremos tão opostos e como eles afetaram a produção agrícola esse ano?

Willians Bini – As chuvas no Nordeste são mais localizadas na região litorânea, então não podemos generalizar. É apenas uma parte da região que está apresentando chuvas fortes.

É natural que em um país de dimensões continentais ocorram extremos. Pode haver período de estiagem muito forte em um local e chuvas intensas em outro.

Claro que extremos climáticos afetam a produção agrícola, mas a grande vantagem do Brasil é seu tamanho: enquanto algumas regiões lidam com extremos, outras estão dentro da média e a agricultura consegue se sair bem, inclusive alcançando um terço do PIB nacional, por exemplo. Além disso, temos acesso à tecnologia para minimizar os efeitos dos fenômenos climáticos.

AgriBrasilis – Como estudos sobre o clima podem indicar ao produtor qual o melhor período para pulverização ou períodos favoráveis à determinadas doenças?

Willians Bini – Hoje a modelagem numérica é um grande fator que contribui para melhor gestão e planejamento das propriedades rurais.

É possível mapear muito bem as condições favoráveis para pulverização e saber quando é necessário aplicar defensivos. O agricultor consegue se antecipar frente a uma situação onde vai ser mais provável a ocorrência de determinadas doenças, ou seja, a previsão de fitossanidade.

Por exemplo, a Climatempo tem uma plataforma chamada Agroclima PRO, que indica os melhores períodos do dia para a pulverização ou se existe condição para formação de doenças na lavoura.

Através de informações geolocalizadas, envolvendo inúmeras culturas, consegue-se alto detalhamento da lavoura, que é essencial para o planejamento do produtor.

O mapeamento envolve muito a questão de sustentabilidade. Quando se sabe a hora certa de pulverizar, não acontece desperdício de combustível, de água, de produtos químicos, além de não haver emissão indevida de carbono na atmosfera, etc. A agricultura se torna mais sustentável.

AgriBrasilis – Considerando o panorama climático, o que se pode esperar para os próximos anos e quais medidas os produtores agrícolas podem tomar para evitar perdas na sua lavoura? 

Willians Bini – Temos colocado em pauta as previsões para os próximos anos aqui na Climatempo, junto aos nossos clientes, às grandes empresas, principalmente com relação às mudanças climáticas.

Normalmente a preocupação dos agricultores e das empresas é sobre as próximas safras, sobre os próximos meses imediatos na agricultura. Porém quais efeitos as mudanças climáticas estão trazendo para a agricultura?

Não devemos apenas nos preocupar com os próximos meses, com a permanência ou não da La Niña, por exemplo. Devemos nos perguntar sobre o que esperar em termos de mudanças em zoneamento climático, de produtividade, por conta das mudanças climáticas, que já estão em andamento.

As mudanças já estão acontecendo. Estudos demonstram temperaturas mais altas, má distribuição de chuvas. Os extremos climáticos vão ser mais frequentes. Os produtores estão preparados para isso?

Temos feito estudos na Climatempo para compreender quais efeitos as diferentes projeções, os diferentes cenários, trariam em termos de efeitos nas diferentes culturas, nas regiões do Brasil, pelas próximas décadas. Por exemplo: com aumento da temperatura, possivelmente as áreas de café produtivas em Minas Gerais vão ser reduzidas.

Temos culturas se desenvolvendo em todo o país, o cultivo de grãos atingindo até o sul do Pará, novas fronteiras agrícolas surgindo, o “Matopiba” crescendo. Será que nas próximas décadas, com essas mudanças que estão acontecendo, as condições vão seguir favoráveis?

Nas próximas décadas, vamos ter que alimentar uma população de quase 10 bilhões de pessoas, dobrando a produção de alimentos, mas não temos como dobrar a área plantada. Precisamos aumentar a produtividade através da tecnologia.

 

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