Nematoides na soja: prejuízos bilionários e estratégias sustentáveis de controle no Brasil

Published on: April 15, 2025

“…perdas anuais superiores a R$ 16,2 bilhões por causa do ataque de nematoides na soja…”

José Mauro da Cunha e Castro é nematologista da Embrapa Soja, formado em agronomia, com mestrado e doutorado em fitopatologia pela Universidade Federal de Viçosa.

José Mauro, nematologista da Embrapa Soja

Maurício Meyer é fitopatologista na Embrapa Soja, formado em agronomia pela UEPG, com mestrado pela Universidade de Brasília e doutorado pela Unesp de Botucatu.


AgriBrasilis – Quanto se perde no Brasil por conta dos nematoides na soja?

José Mauro – A estimativa de perdas causadas por nematoides, nas mais diversas culturas, não é tarefa fácil. Contudo, no Brasil, dados recentes apontam perdas anuais superiores a R$ 16,2 bilhões por causa do ataque de nematoides na soja. Somados os efeitos de outros agentes causadores de doenças, aproximadamente R$ 65 bilhões são perdidos, anualmente, em rentabilidade na produção da cultura, o que corresponde a dizer que uma a cada 10 safras não retorna ganhos ao produtor.

Maurício Meyer,  fitopatologista na Embrapa Soja

AgriBrasilis – Como tem evoluído a infestação do nematoide da haste verde (Aphelenchoides besseyi) e quais os prejuízos causados por essa praga?

Maurício Meyer – A incidência do nematoide da haste verde aumentou gradualmente nas regiões tropicais de produção de soja, caracterizadas por apresentar clima quente e chuvoso, nos estados do Maranhão, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, Amapá e Acre. A área de produção de soja com maior risco de incidência do nematoide da haste verde corresponde a aproximadamente 6,3 milhões de hectares.

Reduções de produtividade de até 60% já foram observadas na soja, principalmente em áreas de semeadura sobre a massa ainda verde de plantas invasoras, após pousio. Além da cultura da soja, o nematoide da haste verde também ataca o algodoeiro, causando reduções de produtividade de até 35% nessa cultura, em cultivos de segunda safra, após a soja.

Outras culturas de importância econômica que podem ser afetadas pelo nematoide, apesar de não haver registros de perdas significativas em lavouras brasileiras, são o feijoeiro comum, o grão-de-bico, o gergelim, a aveia-branca, o crisântemo, o feijão-caupi, o fumo, o inhame, o centeio e o asplênio.

AgriBrasilis – Além do A. besseyi, quais os principais nematoides em áreas de soja?

José Mauro – Meloidogyne javanica e M. incognita, conhecidos como nematoides-das-galhas, Heterodera glycines ou nematoide-dos-cistos, Pratylenchus brachyurus ou nematoide-das-lesões-radiculares e Rotylenchulus reniformis ou nematoide-reniforme são os nematoides mais disseminados em áreas produtoras de soja no Brasil.

Helicotylenchus dihystera (nematoide-espiralado), Scutellonema brachyurus e Tubixaba tuxaua também podem ser encontrados em algumas lavouras, sendo que os dois primeiros causam escurecimento de raízes semelhante ao que se observa em casos de infecção por P. brachyurus.

AgriBrasilis – Que medidas são recomendadas para o controle dos nematoides?

José Mauro – Diversas medidas podem ser citadas para o controle de nematoides na soja.

As medidas mais comumente recomendadas e adotadas pelos produtores são:

  • Rotação/sucessão de culturas
  • Semeadura de cultivares resistentes
  • Semeadura de culturas antagonistas
  • Controle biológico por meio de produtos à base de fungos e bactérias
  • Controle químico

O plantio direto tem como premissa a rotação de culturas, sendo que a produção de palhada que cobre o solo compõe o manejo. A prática do plantio direto, além de  colaborar com a fixação de carbono no solo e minimizar o efeito estufa, tem como grande vantagem a reduzida movimentação por meio de arações e gradagens, contribuindo para reduzir a disseminação de nematoides na soja.

AgriBrasilis – O que são plantas antagonistas e por que são importantes para o manejo?

José Mauro – As plantas antagonistas se caracterizam por serem atrativas aos nematoides, mas, após a penetração, não permitem que os nematoides formem sítios de alimentação, nem tampouco estabeleçam-se em suas raízes. Dessa forma, a morte dos nematoides por falta de alimento é uma importante medida de redução populacional.

Diversas espécies de Mucuna e de Crotalaria são antagonistas, principalmente com relação aos nematoides-das-galhas mais comuns em soja. Assim, C. spectabilis e C. breviflora são eficientes no controle de M. incognita e M. javanica, mas, nem sempre bons resultados de controle desses nematoides são alcançados com a semeadura de C. juncea e C. ochroleuca. Estas espécies de Crotalaria e as mucunas também não são indicadas visando ao manejo de P. brachyurus nos campos destinados à produção agrícola.

Em outra estratégia, o antagonismo aos nematoides pode ser conferido pela liberação de substâncias tóxicas pelas raízes de algumas plantas, a exemplo do que se observa com as espécies de cravo-de-defunto (Tagetes spp.) que liberam alfa-tertienil no solo, uma substância tóxica aos nematoides parasitas de plantas.

AgriBrasilis – Por que os produtos químicos não são tão eficazes quanto os bionematicidas?

José Mauro – Os produtos químicos ou nematicidas e os produtos biológicos ou bionematicidas ocupam espaços distintos e igualmente importantes no manejo dos nematoides. Atualmente, a complementariedade de produtos das duas classes já vem sendo observada e a aplicação de produtos químicos e biológicos, em um mesmo ciclo de produção, vem sendo adotada em diferentes culturas. Os produtos químicos, via de regra, são mais caros, mais tóxicos ao ambiente e aos animais, incluindo o homem, oferecem maior risco de selecionar organismos resistentes dentro da população de nematoides presentes no solo, mas, mesmo assim, não devem ser deixados à parte no processo de definição das estratégias de manejo a serem implementas numa propriedade, campo ou talhão.

Os produtos biológicos, porém, podem ser menos onerosos, são menos agressivos ao ambiente e aos animais, apresentam bom efeito residual por meio do estabelecimento no solo (o que não dispensa as reaplicações) e, por isso, vêm conquistando espaço, inclusive, na produção de culturas em larga escala. Um aspecto que merece destaque quanto ao uso dos produtos biológicos para controle de pragas e agentes causadores de doenças em plantas cultivadas é o registro em relação ao alvo e não à cultura, junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária.

 

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