“Do ponto de vista econômico, a agricultura regenerativa favorece a redução do uso de insumos químicos…”
Ricardo Cerveira é diretor-presidente do Instituto BioSistêmico – IBS, instituição sem fins lucrativos dedicada à aplicação de tecnologias para a agricultura familiar, agropecuária e meio ambiente.
Cerveira é conselheiro do Instituto Brasil Orgânico, engenheiro agrônomo pela Esalq/USP, com mestrado em agroecologia e sustentabilidade na agricultura pela USP e doutorado em administração pela Unicamp.

Ricardo Cerveira, diretor-presidente IBS
AgriBrasilis – Quais os benefícios da agricultura regenerativa?
Ricardo Cerveira – A agricultura regenerativa é um conjunto de práticas que vai além da sustentabilidade, pois busca restaurar e melhorar a saúde dos ecossistemas agrícolas. Seus benefícios incluem a conservação e regeneração do solo, aumento do sequestro de carbono, maior biodiversidade e serviços ecossistêmicos como polinização e controle biológico natural de pragas.
Do ponto de vista econômico, a agricultura regenerativa favorece a redução do uso de insumos químicos, o que se reflete em menor custo de produção e maior resiliência das lavouras. Além disso, promove alimentos mais seguros e nutritivos, alinhando-se às demandas de consumidores e mercados por cadeias mais responsáveis e de baixo impacto ambiental. Não por acaso, o termo é reconhecido pela legislação brasileira relacionada à produção orgânica.
AgriBrasilis – O que é o programa Regenera Cerrado e quais são seus objetivos?
Ricardo Cerveira – O Regenera Cerrado é uma iniciativa lançada em 2022, resultado da articulação entre produtores, pesquisadores e instituições privadas e públicas. Tem como base o sudoeste de Goiás, com foco na validação científica das práticas regenerativas e na difusão do conhecimento para novos agricultores.
O programa é coordenado operacionalmente pelo Instituto BioSistêmico, com coordenação científica da Embrapa e apoio de parceiros, universidades (como IFGoiano, UFLA, etc) e empresas do setor (como a Cargill). Na Fase I, 12 fazendas participaram, abrangendo 7.842 hectares, com mais de 1.600 hectares monitorados detalhadamente. Atualmente está em inicio da Fase 2, com abertura para novas parcerias e empresas do setor.
Os objetivos principais são:
- caracterizar práticas agrícolas sustentáveis já em uso;
- avaliar indicadores de solo, biodiversidade, carbono e qualidade de grãos;
- analisar os efeitos econômicos da transição;
- sensibilizar e apoiar novos produtores.
O projeto também se conecta diretamente a 10 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, reforçando sua contribuição global.
AgriBrasilis – Que resultados se destacam em lavouras de soja e milho?
Ricardo Cerveira – Até o momento, os resultados são expressivos. Entre eles:
- Uso de insumos: redução de 20% em fertilizantes, 30% em fungicidas e 50% em inseticidas, substituídos por bioinsumos de alta eficiência.
- Controle de pragas: práticas regenerativas criaram ambientes mais supressivos, com fungos, vespas e vírus exercendo controle natural sobre lagartas da soja, milho e sorgo.
- Solo: áreas regenerativas apresentaram maior presença de glomalina, proteína ligada à estruturação e sequestro de carbono, além de menor incidência de nematoides (Pratylenchus).
- Produtividade e polinização: lavouras de soja próximas a áreas nativas produziram grãos até 7% mais pesados, evidenciando o papel das abelhas e da biodiversidade.
- Carbono: o estoque de carbono orgânico no solo aumentou até 13 toneladas por hectare, superando inclusive áreas de vegetação nativa do Cerrado.
“…a agricultura regenerativa rendeu R$ 2.356,16/ha a mais na agricultura familiar, com uma rentabilidade 210% superior ao sistema convencional.“
AgriBrasilis – Qual o desempenho das práticas regenerativas nos períodos de seca?
Ricardo Cerveira – A resiliência é um dos pilares da agricultura regenerativa. As análises mostraram que áreas manejadas de forma regenerativa apresentam maior capacidade de manter produtividade mesmo sob diferenças pluviométricas significativas. Isso ocorre porque solos com melhor estrutura e maior teor de matéria orgânica retêm mais água, além de favorecerem raízes mais profundas. Em termos práticos, as fazendas regenerativas têm mostrado maior estabilidade de produção em condições de estresse hídrico, um aspecto crucial diante das mudanças climáticas.
AgriBrasilis – De que forma os custos de produção se comparam ante o sistema convencional?
Ricardo Cerveira – Os custos variam conforme o grau de adoção e a fase da transição. Em alguns cenários, especialmente no início, há aumento relativo devido a ajustes de manejo. No entanto, os resultados econômicos são claros: em 2022/23, a agricultura regenerativa rendeu R$ 2.356,16/ha a mais na agricultura familiar, com uma rentabilidade 210% superior ao sistema convencional. Além da redução no uso de químicos, há ganhos associados à eficiência produtiva e à possibilidade de acessar mercados diferenciados, cada vez mais exigentes em termos de rastreabilidade e sustentabilidade.
AgriBrasilis – Como tem sido a aceitação dos produtores?
Ricardo Cerveira – A percepção dos agricultores é diversa. Produtores não familiares tendem a adotar bioinsumos mais rapidamente, enquanto agricultores familiares demandam maior apoio técnico e demonstrações econômicas claras. As principais barreiras identificadas são a falta de assistência técnica especializada e a influência de fornecedores tradicionais de insumos químicos.
Por outro lado, as vantagens reconhecidas incluem preservação ambiental, redução de custos, maior produtividade e conformidade regulatória. A disseminação de conhecimento por meio de dias de campo, workshops e a Caravana Regenera Cerrado tem sido fundamental para aumentar a confiança e a adesão.
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