“…temos na reforma a figura do chamado ‘Imposto do Pecado’ que procurou estabelecer uma possível cobrança de uma espécie de novo ‘imposto seletivo’…”
André Ricardo Passos de Souza é sócio fundador do Passos e Sticca Advogados Associados – PSAA, escritório especializado em Direito do Agronegócio.
Passos de Souza é graduado em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, professor convidado do MBA da Fundação Getúlio Vargas e da Esalq/USP.
AgriBrasilis – Quais são as principais mudanças na reforma tributária (Lei Complementar nº 68/2024)?
André Passos – A reforma aprovada no final do ano retrasado pela emenda constitucional, mais especificamente tratando de tributos sobre o consumo e circulação de mercadorias e serviços, está sendo feita somente agora com os recentes desdobramentos do PLP 68/2024.
O PLP ainda aguarda sanção presidencial e, por certo, vai trazer a efetiva implementação da reforma, bem como a “operacionalização” da maior parte de seus dispositivos para 2026.
Apesar de ensaiar a consolidação e mudança dos tributos sobre circulação de bens e mercadorias, que hoje são muitos, em dois, o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços (que denominaremos aqui como tributos “novos”), o início do processo de substituição dos tributos “velhos” pelos “novos” deve se dar ao longo do tempo, trazendo mais dúvidas do que soluções para os operadores do mercado e, portanto, também para os contribuintes integrantes da cadeia ampla do agronegócio.
Assim, me parece que a reforma tributária procurou manter os benefícios existentes de redução de alíquotas sobre circulação dos insumos, como sementes, fertilizantes e demais implementos para a produção agropecuária, além de tentar manter inalterada a incidência sobre a renda do pequeno e médio agricultor ou pecuarista, bem como de alguns outros setores como educação, produção artística, etc.
A reforma pontualmente acabou por prever a incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), também de competência estadual, para lanchas, aviões e outros veículos auto propulsores, como tratores e colheitadeiras. Como o imposto é estadual, ainda está em aberto o eventual impacto no setor de máquinas agrícolas, tão relevante para a mecanização no campo e crescimento do setor agropecuário.
Além disso, temos na reforma a figura do chamado“Imposto do Pecado” que procurou estabelecer uma possível cobrança de uma espécie de novo “imposto seletivo” sobre produtos supostamente nocivos ao meio-ambiente e à saúde. A rigor, isso já existe no âmbito da legislação, como no IPI (Imposto sore produtos Industrializados). Em tese, nesse tipo de tributação, as alíquotas (taxa) são graduadas com base em seletividade dos bens e produtos industrializados para tributar, por exemplo, cigarros, bebidas alcóolicas e outros produtos similares com alíquotas mais gravosas em comparação com itens da cesta básica, o que, em tese, teria de não impactar os produtos do agronegócio, nem tampouco seus insumos.
Enfim, talvez tenhamos perdido, com a aprovação dessa “Reforma Tributária”, a oportunidade de fazer uma efetiva “Reforma Tributária” para harmonizar de vez a legislação fiscal do país aos padrões internacionais da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O Brasil precisa necessariamente realizar essa harmonização, principalmente para poder integrar-se à organização a partir do convite recebido ainda em 2022 para integração de nossa cadeia do agronegócio de forma mais efetiva às cadeias globais de produção, sendo certo que o agronegócio e outros setores importantes da economia brasileira precisam ser tratados com racionalidade dentro desse contexto.
Desta forma, seria desejável que a reforma levasse em conta, não somente essa necessária harmonização da legislação fiscal brasileira para os padrões das nações integrantes da OCDE, como também a importância dos negócios e da produção de riquezas na cadeia do agronegócio, tanto “dentro” quanto “fora” da porteira, de modo que o objetivo da reforma tributária seja plenamente atingido.
“A regulação vai afetar positivamente o mercado como um todo….”
AgriBrasilis – A Lei nº 182/2024 criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que estabelece um novo marco regulatório. Por que o setor agropecuário foi excluído?
André Passos – Porque o setor faz parte da solução para a questão climática internacional discutida e existente desde os primeiros acordos do clima, segundo a conclusão reconhecida e firmada por todos os países participantes da COP 28 em Dubai. Portanto, não há que se falar em compensações de emissões aplicáveis às atividades no setor que trará a solução para a efetiva diminuição dos GEEs no contexto da SBCE através de instrumentos de descarbonização próprios do setor para viabilização da descarbonização dos demais setores da economia que integram o SBCE.
AgriBrasilis – Outrossim, o agronegócio brasileiro poderá negociar créditos de carbono no mercado voluntário, mas não no mercado regulado. Quais as diferenças?
André Passos – Vide resposta acima. O agro poderá negociar em ambos, só não terá obrigações de compensação como os demais setores com relação a “pegada negativa de carbono”.
AgriBrasilis – Como os ganhos provenientes da negociação de créditos de carbono serão tratados?
André Passos – Para o produtor rural, serão tratados dentro da lógica do livro caixa da atividade rural, ou seja, da mesma forma que são tributados os seus ganhos e rendas derivadas do negócio agropecuário.
AgriBrasilis – De que forma essas mudanças afetam o financiamento por meio de FIAGROs e outros veículos?
André Passos – A nova regulação dos FIAGRO do final do ano passado permite que os FIAGRO negociem crédito de carbono. Dessa forma, entendemos que a regulação vai afetar positivamente o mercado como um todo.
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