Crise financeira no agro: risco de efeito dominó é “significativo”

Published on: November 4, 2024

“…muitos agricultores operam fora do sistema bancário formal e dependem da cadeia de insumos e revendas…”

Jônatas Pulquerio é consultor em agronegócio, com expertise em gestão de risco, seguro rural e políticas agrícolas. Possui formação em direito pela Universidade de Cuiabá e administração pela Univag, com MBA em agronegócio pela ESALQ.

Pulquerio atuou como diretor de gestão de risco na Secretaria de Política Agrícola do MAPA, onde liderou iniciativas estratégicas para fortalecer a segurança e sustentabilidade no agro.

Jônatas Pulquerio, consultor em agronegócio


AgriBrasilis – Qual é o motivo da inadimplência no agro?

Jônatas Pulquerio – A inadimplência é impulsionada por diversos fatores. Destaco a queda no preço das commodities, que reduz a receita dos produtores; as mudanças climáticas, que comprometem a produtividade; o aumento do custo de produção, pressionado por insumos mais caros e financiamento oneroso.

Além disso, muitos agricultores operam fora do sistema bancário formal e dependem da cadeia de insumos e revendas, tornando-se mais vulneráveis em momentos de crise.

AgriBrasilis – Vamos ver mais casos de recuperação judicial nos próximos meses?

Jônatas Pulquerio – É provável que sim. Com a baixa liquidez e as dívidas de curto prazo vencendo, muitos produtores podem buscar a recuperação judicial como alternativa para reestruturar suas finanças.

Embora a crise ainda não seja sistêmica, a ausência de medidas emergenciais eficazes por parte do governo e do mercado pode agravar o cenário e aumentar o número de pedidos de recuperação judicial.

AgriBrasilis – Qual o risco de o efeito dominó alcançar grande escala?

Jônatas Pulquerio – O risco de um efeito dominó é significativo, especialmente porque a crise atinge a base da cadeia produtiva.

Embora o cenário atual ainda esteja contido, uma falta de ação coordenada entre governo e mercado pode permitir que a situação escale, comprometendo outras etapas do agronegócio e impactando setores interdependentes. Por isso, é essencial agir agora para evitar um agravamento.

AgriBrasilis – O grande problema é a falta de liquidez com o vencimento de dívidas de curto prazo. A situação é passageira?

Jônatas Pulquerio – A falta de liquidez pode ser revertida, mas depende de medidas rápidas e eficazes. O problema está nas dívidas de curto prazo, que vencem em um momento de baixa receita e custos elevados. Sem renegociação de prazos e novos fluxos de crédito, a situação pode se prolongar, agravando a vulnerabilidade dos produtores.

AgriBrasilis – Por que, em sua avaliação, o Plano Safra estaria “desconectado da realidade”?

Jônatas Pulquerio – O Plano Safra não acompanhou as mudanças do setor e atende prioritariamente o sistema bancário, que utiliza o crédito agrícola para vender pacotes de serviços, elevando o custo final para o produtor. Além disso, muitos agricultores negociam sua produção fora do sistema bancário, diretamente com revendas de insumos, ficando desassistidos em momentos de crise.

Uma reforma no Plano Safra é urgente para aproximá-lo das necessidades do campo e integrar instrumentos de mercado mais eficientes, como o Fiagro Reorg, atualmente em debate entre o Banco Central, Febraban, Governo e o mercado de capitais.

Instrumentos como o Fiagro são fundamentais para resolver problemas de liquidez e solvência, pois permitem alongar o prazo das dívidas e facilitar a captação de novos créditos, oferecendo maior flexibilidade ao produtor.

AgriBrasilis – Como se dá o financiamento aos pequenos agricultores? Esse modelo é sustentável?

Jônatas Pulquerio – O Plano Safra oferece crédito acessível para muitos pequenos agricultores, mas nem todos conseguem se enquadrar nas exigências bancárias e acabam negociando com a cadeia de insumos e revendas.

Embora o mercado privado esteja se movendo mais rapidamente que o governo, ainda falta uma política consolidada de incentivos, como descontos e prêmios para aqueles que adotam práticas sustentáveis. O governo precisa estruturar melhor suas políticas para garantir que o financiamento rural seja mais abrangente e sustentável a longo prazo.

AgriBrasilis – Existem oportunidades nesse momento de crise?

Jônatas Pulquerio – Sim, toda crise traz oportunidades. Capacitação e boas práticas podem ser a chave para a recuperação. O governo pode alinhar melhor sua comunicação com os produtores, oferecendo treinamento em sucessão familiar, governança, seguro rural e práticas sustentáveis. Além disso, o uso de tecnologias agrícolas e a transição para modelos de produção mais sustentáveis podem abrir portas para novos mercados e melhorar a competitividade dos produtores no médio e longo prazo. Esse momento também é uma oportunidade para o governo e o mercado fortalecerem o uso de instrumentos financeiros inovadores, como o Fiagro, e facilitarem o acesso ao crédito para todos os perfis de produtores, considerando as diferentes realidades regionais do Brasil.

 

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