O “novo normal” do Pantanal: recorde de queimadas em junho

“…o fogo começou antes e começou em números muito altos em junho, que foi o pior junho da história…”

Gustavo Figueirôa é diretor de comunicação e engajamento do Instituto SOS Pantanal, cofundador da GreenBond, startup focada em captação de recursos para projetos de conservação de biodiversidade e sustentabilidade.

Figueirôa é bacharel em ciências biológicas pela Mackenzie, especializado em manejo e conservação da fauna silvestre pela Universidade Santo Amaro.


AgriBrasilis – Por que estão ocorrendo tantos focos de incêndio no Pantanal nesta época do ano?

Gustavo Figueirôa – O primeiro fator é a seca extrema. O Pantanal tem passado por um processo de seca nas últimas décadas. Nos últimos 5 anos o Pantanal tem vivido uma seca muito forte, sendo que em 2024 estamos vivendo o pior ano da série histórica.

Muitos lugares que viviam alagados por boa parte do ano estão agora secos em 2024. E a biomassa que é produzida em áreas que têm muita água, ela também está seca e fica disponível para o fogo. O fogo queima muito rápido e encontra essa vegetação seca, o que é um cenário perfeito para o alastramento.

Além disso, existe o fator humano, que é responsável por mais de 95% dos incêndios do Pantanal. Esse fator humano não é apenas o caso dos produtores que usam o fogo para limpar o pasto: a gente tem visto isso mudar nos últimos anos. Mas muitas comunidades tradicionais ainda fazem uso do fogo para queimar lixo, coletar iscas, mel, etc. O problema é que agora o cenário é de seca, o que torna o fogo muito fácil de se alastrar.

O “novo normal” do Pantanal mudou. O fogo era usado tradicionalmente por muitas pessoas e ele logo encontrava uma barreira física, que era a água, e parava. Agora a água diminuiu muito e esse fogo não encontra barreiras e ele segue consumindo.

AgriBrasilis – Quando os incêndios são mais frequentes e com que intensidade?

Gustavo Figueirôa – Os incêndios são mais frequentes a partir do começo da época seca, que vai de julho até o final de setembro. Só que em 2024 não teve nem cheia no Pantanal, então o fogo começou antes e começou em números muito altos em junho, que foi o pior junho da história.

AgriBrasilis – Quanto do bioma já foi comprometido e quais são as consequências?

Gustavo Figueirôa – Em 2024 já foram 763 mil hectares consumidos pelas chamas. Isso é equivalente a 5% do bioma e as consequências são muito grandes. Muitas dessas áreas já queimaram nos anos anteriores. Elas estavam em processo de recuperação, mas queimaram novamente esse ano. A janela de resiliência que o Pantanal tem ao fogo vai se fechando, diminuindo, por causa da maior intensidade e frequência dos incêndios.

AgriBrasilis – O que é o fogo de turfa e porque ele dificulta o combate aos incêndios?

Gustavo Figueirôa – Esse é um fogo que queima por baixo do solo. O solo do pantanal possui muita matéria orgânica, muitas camadas, como se fosse um bolo com várias camadas de recheio. Esse recheio de matéria orgânica vai queimando por baixo e pode queimar silenciosamente por muitos km sem aparecer, sem externar isso na superfície, mas, assim que ele encontra uma condição favorável, ele pode voltar a queimar.

É muito complicado combater o fogo no Pantanal: algumas vezes você acredita que já conseguiu extinguir o fogo, mas, se o monitoramento não for bem feito, assim que as condições meteorológicas forem favoráveis o fogo pode surgir em outro local.

AgriBrasilis – Em que grau está sendo observada a perda de biodiversidade na região?

Gustavo Figueirôa – É difícil dizer. Essa perda é grande, mas somente estudos focados vão poder demonstrar isso, e os estudos estão começando a ser conduzidos agora.

Provavelmente esses estudos serão publicados em 2025. É necessário esperar os resultados do ano todo para fazer as análises. De qualquer forma, com toda certeza é uma perda grande.

AgriBrasilis – Esses cenários são reversíveis?

Gustavo Figueirôa – Nessa frequência que estamos observando está sendo muito difícil reverter o cenário. Por conta da ocorrência de fogo ano após ano, o Pantanal está perdendo sua janela de resiliência.

É um cenário muito complicado para reverter, ainda mais que a gente tem visto incêndios de grandes proporções todo ano atingindo várias régios que já queimaram anteriormente.

AgriBrasilis – Quais são as iniciativas do SOS Pantanal?

Gustavo Figueirôa – Promovemos o programa Brigadas Pantaneiras. Através desse programa, desde 2020 ajudamos a estruturar 24 brigadas espalhadas pelo bioma, em propriedades rurais, comunidades, em conjunto com outras organizações da sociedade civil. Trabalhamos muito na prevenção e treinamento da brigadas, em equipar essas brigadas para o combate seguro.

Também contamos com um sistema de monitoramento 24 horas, chamado de Alerta Aracuã, que identifica focos detectados pelos satélites da NASA e envia automaticamente os dados para as brigadas mais próximas. É um sistema de monitoramento continuo.