“Infelizmente, a política na Argentina tem uma visão de muito curto prazo. Diante de falhas das políticas públicas, o que os governantes fazem é pedir ajuda dos exportadores do setor agrícola…”
Gustavo Idigoras é presidente da Câmara da Indústria Oleaginosa da República Argentina – Ciara e do Centro de Exportadores de Cereais – CEC.
Idigoras é cientista político pela Universidade de Belgrano, mestre em relações internacionais pela Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais e em administração de empresas pela Universidade Livre de Bruxelas.
AgriBrasilis – Qual é o papel da Ciara e o perfil das empresas associadas?
Gustavo Idigoras – A CIARA e a CEC são duas câmaras associadas que representam 100% dos exportadores de milho, trigo, soja, girassol, farelo e óleo de soja, além de farelo e óleo de girassol. No total, a CIARA e a CEC representam 55% do total das exportações anuais argentinas de todos os setores.
AgriBrasilis – O senhor disse que o agronegócio não deve ser visto como uma “fábrica de dólares” e que o setor está em risco na Argentina. Porque? Como o senhor define a ação do governo?
Gustavo Idigoras – O agronegócio é muito mais do que uma fábrica de dólares. É uma fábrica de produção de alimentos e de geração de empregos, representando 18% dos empregos formais da Argentina. Também é uma fábrica de dólares por ser o principal setor exportador do país.
Infelizmente, a política na Argentina tem uma visão de muito curto prazo. Diante de falhas das políticas públicas, o que os governantes fazem é pedir ajuda dos exportadores do setor agrícola, para evitar grandes problemas na economia devido à escassez de divisas.
Esse é um caminho que não faz mais sentido em nosso país e que deve ser enfaticamente rejeitado. A Argentina precisa ter muitas fábricas voltadas para produção, emprego e exportação, e não só no setor agrícola. Para isso, é fundamental estabilizar a macroeconomia e ter uma taxa de câmbio única e competitiva.
AgriBrasilis – O senhor poderia comentar sobre a falta de dólares para a aquisição de agroquímicos?
Gustavo Idigoras – A Argentina é importadora de insumos, principalmente de fertilizantes, importando aproximadamente 50% de suas necessidades. O país também importa agrotóxicos, na forma de princípios ativos, que não são fabricados na Argentina para comercialização.
Nos últimos tempos, devido à escassez de dólares do Canco Central da Argentina, as importações ficaram muito restritas e isso gera um transtorno muito grande. Isso gera imprevisibilidades sobre quando a mercadoria chega, sobre o preço pela qual ela poderá ser distribuída e sobre quando a importação será finalmente autorizada. Tudo isso é uma condição limitante para o crescimento da produção agrícola no país.
AgriBrasilis – Por que você acha que o setor agrícola estagnou nos últimos 15 anos? Que medidas devem ser tomadas para reverter esse processo?
Gustavo Idigoras – O setor agrícola nos últimos 15 anos estagnou, principalmente no que diz respeito à soja. A Argentina produz o mesmo que produzia há 15 anos, só que agora sofrendo as consequências da seca. Enquanto isso, a produção do Brasil cresceu quase 100%, e a dos EUA, 35%.
A estagnação tem a ver justamente com a falta de uma política de Estado, além de uma visão prejudicial de alguns políticos, que punem duramente a soja por ser o principal produto de exportação e o principal meio de arrecadação de impostos através das retenciones.
Quando o Governo tenta “capturar” esses dólares, as tarifas de exportação sobem muito mais do que nos outros setores. Hoje, a soja paga uma tarifa de exportação de 35%, muito maior do que em comparação ao milho, que paga 12%, por exemplo.
Os impostos de exportação são altamente distorcivos e devem ser eliminados, especialmente no caso da soja, porque isso criaria uma cadeia de valor muito mais forte e crescente, com grande demanda internacional. Isso também melhoraria a receita fiscal e cambial do país no prazo de um ano devido ao pagamento de impostos internos.
AgriBrasilis – Qual tem sido o impacto das taxas de câmbio especiais (dólar da soja e dólar agrícola)?
Gustavo Idigoras – Os câmbios especiais surgiram em setembro de 2022 com o chamado Dólar Soja I, um câmbio mais alto do que o câmbio normal. Depois, foi criada uma segunda edição em dezembro de 2022 e agora, entre abril e maio de 2023, foi estabelecida uma terceira edição.
Essas são taxas especiais de câmbio que o governo estabelece em valores intermediários entre o dólar financeiro e o câmbio oficial. O que acontece é que, quando há mercados de câmbio voláteis, com taxas de câmbio financeiras muito mais altas, os produtores param de vender. Portanto, a oferta é significativamente reduzida e isso condiciona a possibilidade da indústria exportadora de comprar para industrializar e exportar. Dessa forma, essas terceiras edições do Dólar Agrícola e do Dólar Soja não estão tendo os resultados esperados.
Essas taxas especiais de câmbio existem por curtos períodos, geralmente durante 30 dias. O governo faz isso por necessidade e urgência, para gerar divisas. Não é um pedido do setor exportador. O que estamos pedindo é uma taxa de câmbio única e competitiva, sem taxas de exportação.
O governo, diante da impossibilidade de praticar outra política econômica, estabelece políticas conjunturais de curto prazo, que podem beneficiar os produtores ao receberem um preço melhor.
AgriBrasilis – A capacidade ociosa da indústria de moagem atingiu 70% em março. Quais são as consequências? O que se espera a curto e médio prazo?
Gustavo Idigoras – A indústria de moagem Argentina tem uma capacidade instalada total para processar 73 milhões de toneladas. A produção anual nunca ultrapassa os 50 ou 55 milhões de toneladas.
Com base nas estimativas de certos organismos nacionais, hoje a Argentina deveria estar produzindo 85 milhões de toneladas. Portanto, a indústria se preparou para esse crescimento, mas infelizmente a política econômica fez fracassar as tentativas de crescimento e desenvolvimento do nosso país.
A recente situação de seca severa fez com que a Argentina perdesse 28 milhões de toneladas de soja, e dessa forma a capacidade ociosa estará sempre em níveis acima de 70%. Isso implica enormes perdas para essa indústria e custos muito grandes, que levarão a longo prazo paradas técnicas antecipadas este ano.
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