Pesticidas: novo marco regulatório

Perspectivas políticas, legais e do Ministério da Agricultura sobre a aprovação do PL dos Pesticidas n° 1459/2022

“A nova proposta prevê prazo máximo de dois anos para aprovação, similar aos países como EUA e outros da OCDE…”


Visão Geral do Cenário Político e o PL n° 1459/2022 – João Henrique Hummel, diretor executivo da Action Relações Governamentais.

João Henrique Hummel, diretor executivo da Action Relações Governamentais

As estratégias da construção legislativa para o novo marco regulatório dos pesticidas foram construídas a partir da experiência do código florestal e da necessidade de um projeto estruturado dentro da Frente Parlamentar da Agropecuária para o tema.

O mapeamento das principais questões que trazem insegurança jurídica para o setor agropecuário foi tratado de maneira especial pela FPA, considerando que a separação entre os poderes, em função de suas competências de legislar e executar as políticas públicas, fez com que o parlamento se posicionasse de maneira assertiva em temas como os pesticidas.

O texto atual do PL n° 1459/2022 vem de uma consolidação de todos os projetos que tramitavam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, desde 2002. A partir de uma análise de todos os documentos, a estratégia foi montar uma comissão especial e consolidá-los em uma proposta.

O objetivo foi promover um amplo debate público sobre o tema dos defensivos dentro do Congresso Nacional, visando reduzir o viés pejorativo do tema.

O PL n° 1459/2022, que se encontra no Senado, não poderá ser mais alterado. Pode-se aprovar da forma como está, ou suprimir textos que foram agregados na Câmara.


Principais mudanças no cenário regulatório – Lídia Cristina dos Santos e Edmur Figueiredo Jr., da Figueiredo & Santos Sociedade de Advogados.

Lídia Cristina dos Santos, da Figueiredo & Santos Sociedade de Advogados

Os princípios observados na construção do novo texto legal foram a transparência, previsibilidade e base científica. O PL n° 6299/02 (modificado na comissão especial), exige a inclusão de mais etapas de análise técnica para aprovação de novos ativos. A proposta prevê prazo máximo de dois anos para aprovação, similar aos países como EUA e outros da OCDE. Garante transparência com acompanhamento eletrônico das etapas do processo de avaliação regulatória.

A discussão sobre a necessidade de modernização da legislação veio da visão de evolução nos conceitos científicos dos últimos 30 anos, ampla adoção da avaliação de risco (GHS-Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos que avalia o perigo vs. exposição) em diversas áreas, mas especialmente na química, e a pressão por inovação, aprimoramento e modernização de sistemas e processos.

O cenário internacional também é preocupante devido ao uso, muitas vezes indevido, de barreiras não tarifárias, como os resíduos ou questões ambientais, de maneira não científica. As diferenças de agenda e necessidade de coordenação e harmonização entre os órgãos reguladores federais também são fatores fundamentais para o debate.

Edmur Figueiredo Jr., da Figueiredo & Santos Sociedade de Advogados

As principais mudanças trazidas na legislação estão na nomenclatura (pesticidas); eliminação de critérios de proibição baseados somente na análise do perigo intrínseco dos ingredientes ativos, considerando agora o risco com base no perfil toxicológico e ecotoxicológico dos produtos formulados individualmente, trazendo para o produtor maior visibilidade quanto ao uso correto e seguro dos produtos; mudança nos trâmites entre os órgãos reguladores, incluindo os entes federados; a previsão de um registro temporário; e a unificação de sistemas.

O grande avanço da nova proposta é apresentação detalhada do conceito de análise de risco com: avaliação de limiar de segurança (perigo vs. exposição); gerenciamento do risco; e comunicação. A proposta traz que é proibido o registro de pesticidas que, nas condições recomendadas de uso, apresentem risco inaceitável, ou seja, que permanecerem inseguros para os seres humanos ou meio ambiente, mesmo com a implementação das medidas de gestão de riscos.

O processo de análise e aprovação dos pesticidas permanece com a atuação dos três órgãos federais, responsáveis pela agricultura, saúde e meio ambiente. A coordenação do processo e a liderança na governança do tema fica para o órgão de agricultura, que consolida, registra e fiscaliza essas tecnologias.

A proposta do PL procurou evitar que órgãos envolvidos no processo de avaliação praticassem os mesmos atos, evitando-se o “retrabalho”. As competências atribuídas aos órgãos registrantes (seja agricultura ou meio ambiente), não excluem as competências dos órgãos responsáveis pelos setores do meio ambiente e saúde, principalmente no que se refere ao estabelecimento de exigências para a elaboração dos dossiês e, ainda, quanto à avaliação do risco ambiental ou toxicológico.

Para os prazos, as previsões vindas do Decreto n° 4.074/02 de 120 dias, foram alteradas recentemente pelo Decreto n° 10.833/21 para 4 anos, diferente da média de outros países que fica em torno de 2 a 3 anos, a semelhança da proposta no novo PL.

Outra inovação é a figura do Registro Temporário, estratégia para garantir o cumprimento dos prazos previstos. Para essa aplicação, requisitos de segurança devem ser requeridos como registro similar em outros países membros da OCDE.

Conceitos como a reanálise, trazidos na nova proposta, reposicionam o procedimento dos órgãos para aplicar o estado da arte da ciência às tecnologias, baseando-se em motivações claras, transparência e previsibilidade, inclusive, com a exigência de que a reanálise seja acompanhada de um plano de substituição de moléculas.


Perspectivas do Ministério da Agricultura com a aprovação do PL n° 1459/2022 – Luis Eduardo Rangel, auditor fiscal federal agropecuário

Luis Eduardo Rangel, auditor fiscal federal agropecuário

A fase avançada da discussão do PL n° 1459/22 no Congresso Nacional suscita a necessidade de uma análise para a transição regulatória. Esse processo deve ser compreendido como natural e aceito por reguladores e regulados.

A discussão do novo marco legal no Congresso gerou a edição do Decreto n° 10.833/21, com a incorporação de diversos pontos apresentados no PL. Pode-se citar a aplicação do GHS, avaliação de risco nas análises ambientais e toxicológicas, a aplicação de medidas desburocratizantes aos procedimentos de avaliações pós-registro, etc.

É princípio da administração pública a necessidade de adoção de conceitos como transparência e razoabilidade para a execução de suas atividades, incluindo o conceito da base científica na tomada de decisão.

Esses princípios, se abandonados ou negligenciados, surtem um efeito de pressão para a revisão dos marcos regulatórios e a edição de textos que reforcem esses temas. É o caso da nova proposta da Lei de Pesticidas que, ao ser debatida, trouxe explicitamente o contexto abandonado pelo regulador ao longo da vigência da Lei n° 7.802/89 e seus regulamentos.

É importante ressaltar que os princípios citados só podem ser aplicados com estruturas operacionais adequadas e processos de vigilância e curadoria realizados pela sociedade. Por exemplo, a previsibilidade, para os efeitos do registro, deve ser definida em função das expectativas de prazos razoáveis e a infraestrutura proporcional nos órgãos reguladores. A transparência é um fator que vem sendo aprimorado na legislação por meio de mecanismos ativos (publicações em periódicos oficiais) ou nos instrumentos passivos de acesso à informação.

A rotina desse processo deve levar a evolução dos sistemas de informação e bases de dados que confiram transparência máxima, reservadas as questões protegidas por força legal. A base científica é princípio constitucional e não deveria ser alvo de redundâncias em textos ordinários. Esse fato só demonstra o afastamento eventual do regulador do estado da arte internacional ou mesmo a dúvida sobre como lidar com o contraditório científico no âmbito desse tema.

O novo marco regulatório é baseado em sistemas unificados e integrados que ainda precisam ser desenvolvidos. O desenvolvimento do SIA está em fase final de estruturação para implementação no próximo ano e deverá se adequar às determinações estabelecidas na nova lei, o que demandará tempo e recursos. Ainda existem determinações que precisam de regulamentação operacional.

Será necessário avaliar no arcabouço jurídico já existente os dispositivos que não foram revogados pela publicação da nova ordem regulatória e que ainda possam ser aplicados.

É necessária uma regulação de transição, a ser implementada pelos órgãos envolvidos no processo em conjunto com o setor regulado através de um grupo de trabalho que possa propor soluções para demandas que surgirem na adaptação.

 

FONTE: Associação Brasileira de Defensivos Pós-patente – AENDA; Figueiredo & Santos Sociedade de Advogados.

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