O que é a financeirização do agronegócio?

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“…passou a ser mais comum uma interação dos mercados de commodities com o sistema financeiro mundial, chamada de ‘financeirização’. Isso aconteceu porque o financiamento público do governo federal diminuiu…”

Maria Flávia de Figueiredo Tavares é árbitra na Bolsa Brasileira de Mercadorias e diretora na MFT Consultoria em Agronegócios, professora da Fundação Dom Cabral e do MBA Gestão do Agronegócio da FGV, dentre outras instituições.

Tavares é economista pela Unesp, mestre em administração e política de recursos minerais pela Unicamp, doutora em agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora de pós-doutorado em economia e meio ambiente na Universidade Federal de São Carlos.

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Maria Tavares, diretora na MFT Consultoria em Agronegócios


AgriBrasilis – O que representa o processo de financeirização do agronegócio? Como os fundos de investimentos (commodities e hedge) funcionam e quais são seus efeitos no setor?

Maria Tavares – Na última década, passou a ser mais comum uma interação dos mercados de commodities com o sistema financeiro mundial, chamada de ‘financeirização’. Isso aconteceu porque o financiamento público do governo federal diminuiu. Desde os anos 80 observa-se uma redução do crédito rural vindo do governo, que por meio de sua política agrícola passou a direcionar os recursos para o pequeno produtor e agricultura familiar.

As commodities agrícolas (como soja, café e cacau, algodão) e minerais (cobre e alumínio) passaram a ter um retorno maior em relação a outros investimentos financeiros, e atraíram novos participantes do mercado, como os fundos de investimento.

Os investidores buscam negócios em que podem obter altos retornos, mas que possuem alto risco nas transações. A atratividade brasileira para investimentos vindos do exterior e direcionados para o agronegócio é justificada pela percepção dos investidores de que o Brasil tem um grande destaque no setor, sendo um grande player na produção de várias commodities agropecuárias.

Os fundos de investimento atuam em todos os elos das cadeias produtivas, estão presentes em plataformas de negociação online de insumos, na venda de sementes, na compra e venda de terras, no varejo e no financiamento da produção agropecuária.

A financeirização foi favorecida pela globalização e por transformações na tecnologia, que simplificaram as negociações eletrônicas em bolsas de mercadorias, e contribuíram para aumentar a segurança nas transações, levando a um aumento da liquidez e da rentabilidade das commodities agropecuárias.

Efeito da financeirização do agronegócio devido ao aumento da atuação dos fundos é o aumento dos preços das commodities (devido a movimentos especulativos no mercado, como o que aconteceu na crise de 2007), e que leva a um aumento dos custos de produção e distribuição. Esses aumentos causam acréscimo nos preços dos alimentos e combustíveis, gerando incerteza na economia.

AgriBrasilis – O que são derivativos e como estão presentes no agronegócio? Quais os derivativos agropecuários negociados nas bolsas brasileiras?

Maria Tavares – Derivativo é um título financeiro cujo preço deriva do preço de mercado de outro ativo real ou financeiro. Pode ser o preço da saca de milho, do boi gordo, a taxa de câmbio, etc.

No mercado de derivativos negociam-se contratos com vencimento e liquidação financeira e física em uma data futura, por um preço determinado. Os derivativos negociados na B3 são: açúcar cristal, boi gordo, café arábica 4/5, café arábica 6/7, etanol anidro, etanol hidratado e milho.

AgriBrasilis – Qual é o impacto da financeirização nas cooperativas agrícolas?

Maria Tavares – A financeirização aumenta a concorrência do mercado, porque os fundos passam a atuar em setores que as cooperativas trabalham, como no crédito ao produtor rural e na venda de insumos.

As cooperativas também estão fazendo operações de financiamento privado por meio de CRA, como a operação feita pela Cotribá em 2021. Nesta operação de CRA-Tech foram emitidos certificados digitais de dívidas do agronegócio, com mais agilidade e menor prazo. A operação envolveu 100 agricultores e a concentração de todo o processo em uma só plataforma de negociação.

É importante a democratização do crédito, aumentando o acesso ao mercado para o pequeno produtor. A cooperativa organiza esse processo com os seus associados e os participantes do mercado como “securitizadoras” e as bolsas viabilizam a operação.

AgriBrasilis – Operações de barter são uma modalidade de financiamento de insumos cuja importância cresce desde a década de 90. Como são realizadas essas operações? Como estão relacionadas com as CPRs (Cédulas do Produtor Rural)?

Maria Tavares – A CPR é um instrumento financeiro que permite que o produtor rural ou as cooperativas consigam recursos para financiar a produção. Representa um compromisso por parte do produtor rural de que a sua mercadoria será entregue na data acordada no contrato.

Ao emitir a CPR, os produtores rurais, e as cooperativas e associações, recebem um pagamento à vista relacionado à venda da sua mercadoria. Os bancos, tradings e fundos endossam as operações de CPR e garantem a entrega do produto nas condições determinadas no contrato.

AgriBrasilis – Nas operações de barter, existe o risco de não cumprimento de contrato. Como mitigar esses riscos?

Maria Tavares – Sim, existe o risco de crédito e para que não ocorra descumprimento do contrato são criadas salvaguardas, como garantias e uma seleção criteriosa do demandante do crédito.

AgriBrasilis – A senhora é árbitra da Bolsa Brasileira de Mercadorias. Qual é o objetivo e a importância dessa instituição?

Maria Tavares – A Bolsa Brasileira de Mercadorias – BBM é uma associação civil sem fins lucrativos e tem como principais objetivos organizar, desenvolver e prover o funcionamento de sistemas que permitem a realização de negócios com mercadorias, bens e serviços.

A BBM faz todo o processo de formalização de uma CPR digital, que inclui a emissão, assinatura digital, registro em cartório, registro em entidade credenciada pelo Banco Central (B3, CERC, CRDC e CIP) e baixa da CPR.

O objetivo da Câmara de Arbitragem é suprimir controvérsias decorrentes de contratos de compra e venda de produtos agrícolas registrados e/ou negociados na Bolsa, valendo-se dos mecanismos da Lei de Arbitragem (9.307/1996). O corpo de árbitros é constituído de profissionais conhecedores do agronegócio e licitações com reconhecida competência e experiência no mercado agropecuário.