Contrabando e mercado ilegal de agrotóxicos no Brasil

Publicado em: 23 de novembro de 2021

“Estima-se que 25% do mercado de agroquímicos no Brasil tenha origem ilegal”

AgriBrasilis entrevistou Luciano Stremel Barros, Presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), sobre o mercado ilegal e contrabando de defensivos agrícolas no Brasil.

O IDESF é uma sociedade civil sem fins lucrativos, sem vínculos com os órgãos de fiscalização. O Instituto mantém acordos de cooperação técnico-científicos no Brasil e no exterior que dão condições de executar pesquisas avançadas para explicitar os movimentos de contrabando através das fronteiras brasileiras.

Barros é Presidente do IDESF e coordena diversos estudos e pesquisas sobre as áreas de fronteiras brasileiras. É graduado em Economia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma de Lisboa (UAL), e Especialista em Gestão, Estratégia e Planejamento em Fronteiras pela ESIC.


AgriBrasilis – Qual a situação da entrada ilegal de defensivos agrícolas no Brasil, e qual a evolução nos últimos anos?

Luciano Barros – O mercado ilegal de defensivos agrícolas no Brasil é composto por uma cadeia criminosa dividida em contrabando, roubo de cargas, falsificação de produtos e desvio de finalidade na utilização de princípios ativos importados. Essas quatro categorias compõem esse mercado ilegal, que cresce a cada ano, notadamente pelas fronteiras brasileiras, principalmente pelo Paraguai, Uruguai e Bolívia, que são os principais pontos de ingresso no território nacional.

AgriBrasilis – Quais as quantidades e valores de mercado de defensivos agrícolas apreendidos e qual a estimativa do total contrabandeado?

Luciano Barros – Se for contabilizar o mercado ilegal total, somando-se os 4 crimes que comentei, chega a 25% do mercado de agroquímicos. A estimativa relacionada especificamente ao crime de contrabando gira em torno de 12% de todo o volume do mercado e movimenta em torno de R$ 4,5 bilhões por ano.

AgriBrasilis – Quais os principais motivos do contrabando?

Luciano Barros – Como qualquer tipo de contrabando, normalmente a ocorrência é multifatorial, mas um dos primeiros grandes motivos é a falta de simetria entre as legislações dos países vizinhos: a legislação do Paraguai é diferente da legislação do Brasil, da Argentina, da Bolívia e assim por diante. O Mercosul ainda não elencou essa questão como pauta prioritária. Nesses países onde a legislação é mais branda, a regulação é bem diferente da brasileira e isso ocasiona que esses produtos são importados para outros países com vistas a chegar ao mercado brasileiro via contrabando.

Um dos exemplos mostrados no estudo1 realizado pelo Idesf é uma importação do Paraguai de 4 toneladas de benzoato de emamectina a 95% de concentração, o que é permitido no Paraguai. No Brasil, é permitido a 5% de concentração. Isso promove a facilidade das quadrilhas de atuarem com esse produto e trazê-lo ao território brasileiro. Então, eu diria que o principal motivo do contrabando é a assimetria entre as legislações dos países. Outro ponto relevante é o preço desses produtos. Por conta da facilidade de importação e falta de fiscalização nesses países, há o subfaturamento e sonegação fiscal e isso reflete no preço final. Se você for analisar o “caminho” percorrido por esses produtos até entrarem no Brasil, verá que não houve o pagamento de nenhuma tributação, desde a importação legal desses países até o contrabando ao Brasil.

AgriBrasilis – Com o dólar em alta, quais as tendências do contrabando e das as ações de controle alfandegário?

Luciano Barros – O dólar em alta prejudica ainda mais o mercado formal, pois os produtos, quando importados pelos países vizinhos em concentrações não permitidas no Brasil, geram um aumento de preço do produto formal para o informal.

Esses produtos que entram por contrabando raramente vêm pelos portos alfandegados, mas sim pelos diversos pontos de passagem da fronteira, nos 16.800 km de fronteiras brasileiras. E, mesmo nesses locais de mata ou rios, vemos um trabalho intenso das forças de segurança na repressão aos crimes.

AgriBrasilis – Quais os produtos mais contrabandeados e por quê?

Luciano Barros – Embora os órgãos de repressão tenham uma extensa lista de produtos contrabandeados, os três mais comuns são o benzoato de emamectina, o tiametoxam e o paraquate. Eles chamam atenção principalmente por essas questões que comentei sobre as permissões de importação do Paraguai e por conta das assimetrias de legislação.

Aqui no Brasil se regula bastante, e nos outros países não se regula. E como avançar nisso? Precisamos equalizar essas legislações. O Mercosul precisa ser capaz de entender o que é bom em termos mundiais. O que é bom para o Brasil será bom para outros países. Principalmente nos países vizinhos em que o clima e solo são parecidos, há a possibilidade de homogeneizar a legislação.

AgriBrasilis – Quais os diferentes tipos de crimes identificados nesse comércio ilegal?

Luciano Barros – O mercado ilegal de defensivos agrícolas é composto por 4 grandes tipos de crimes. O primeiro deles é o contrabando: o ingresso desses produtos sem o pagamento de impostos e que requerem a chancela da vigilância sanitária e do Ministério da Agricultura.

Em segundo vem o roubo de cargas, que acontece no caminho das distribuidoras até o produtor rural, da fábrica até a distribuidora e também nas propriedades rurais, o que traz violência no campo. Essas quadrilhas são extremamente armadas e atuam com muita violência.

A terceira categoria é a falsificação, das embalagens até a manipulação dos produtos.

A quarta modalidade criminal é o desvio de finalidade. Determinadas empresas importam uma quantidade de produtos para desenvolvimento de domissanitários (produtos de utilização doméstica), se aproveitam das matérias primas serem muito parecidas, e criam produtos destinados ao mercado agrícola.

AgriBrasilis – Quais as principais rotas para circulação dos defensivos agrícolas ilegais? Essa identificação ajuda as apreensões? De que forma é feito o georreferenciamento?

Luciano Barros – As rotas são as mais variadas, mas a rota do contrabando está muito explícita: sai dos países que estão encostados na costa sul-oeste brasileira, como Uruguai, Argentina, Paraguai a Bolívia e eventualmente o Peru. Dali, temos a BR-163, que corta longitudinalmente o Brasil, do norte do país até o oeste do Rio Grande do Sul. São rotas muito conhecidas, não só para os defensivos agrícolas, mas para todos os outros produtos. Já a rota da falsificação está concentrada no noroeste de São Paulo, sul de Minas Gerais e sudoeste de Goiás. A identificação de rotas acontece por meio dos dados disponibilizados pelas fontes públicas e a partir disso são georreferenciadas. Muitas vezes, as forças de segurança enxergam as ocorrências das quais fizeram parte. Quando se tem acesso a dados globais, consegue-se estabelecer uma visão mais geral, o que auxilia as forças de segurança e governos nas estratégias de combate ao crime organizado.

Benzoato de Emamectina

Tiametoxam Paraquat
Atua no controle de larvas de lepidópteros (lagartas).
O princípio ativo teve aprovação provisória e emergencial para seis estados até julho de 2019 e aprovação definitiva para apenas uma marca comercial no Brasil, na concentração máxima de 5%

Inseticida sistêmico de amplo espectro: o produto é absorvido e transportado rapidamente pelas plantas onde atua para impedir a alimentação do inseto.
Atua por contato e ingestão

Inseticida sistêmico de amplo espectro: o produto é absorvido e transportado rapidamente pelas plantas onde atua para impedir a alimentação do inseto.
Atua por contato e ingestão

Grande parte do contrabando do produto chega através do Paraguai.
A resolução 564/195 , do Servício Nacional de Calidad y Sanidad
Vegetal y de Semillas (SENAVE) do Paraguai, publicada em 14 de agosto de 2019, liberou o registro de produtos formulados à base de Benzoato de Emamectina em todas as suas concentrações
Reconhecido pelos técnicos do setor rural como uma das substâncias que passaram a entrar ilegalmente no Brasil com frequência, nos últimos anos. O princípio ativo possui alto valor agregado, sendo componente de vários produtos utilizados na agricultura nacional

O herbicida mantém-se permitido no Paraguai, Uruguai e na Argentina. Isso reforça a necessidade de homogeneização regulatória entre os países do Mercosul, como medida para contenção do contrabando entre países do bloco

Roubo Falsificação Desvio da finalidade de uso Contrabando
Ação de quadrilhas que se apropriam de substâncias produzidas legalmente. Normalmente acontece de forma violenta em propriedades rurais, cooperativas, revendas e indústrias, ou com interceptação durante o transporte de mercadorias Falsificadores misturam produtos originais, comumente provenientes de roubo, com outros insumos, e também utilizando substâncias contrabandeadas. Muitas vezes os produtos falsificados não possuem eficácia Quando se utilizam produtos que não são permitidos no meio rural, como por exemplo os de cunho domissanitário Introdução clandestina de mercadorias proibidas/ilegais em um país. É diferente do descaminho, que é a introdução de mercadoria permitida, porém sem o pagamento devido dos impostos obrigatórios