Falta de insumos agrícolas no Brasil

marcelo peres indústria agrotóxicos brasil chinaMarcelo Peres
Publicado em: 8 de novembro de 2021

Além das restrições energéticas, províncias chave para produção de defensivos no Brasil têm inspeções ambientais programadas para os Jogos Olímpicos de Inverno, com risco de reduzir atividades e até o fechamento de fábricas.

Marcelo Peres é executivo de agronegócios, engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Viçosa, fundador no Brasil das empresas Helm Agro e Stockton, e com longa carreira na DuPont do Brasil.


Nos últimos 20 dias o Brasil iniciou um ciclo de plantios de aproximadamente 200 dias ininterruptos de diferentes lavouras mas principalmente Soja e Milho. Enquanto neste momento a 1ª safra de soja, conhecida como safra de verão, está sendo plantada os produtores já trabalham nas compras para a 2ª safra, principalmente de milho.
Neste período a demanda por aplicações de defensivos e fertilizantes atinge seu pico máximo e tem um momento correto para aplicação; ou seja, não tolera atrasos na entrega.

A China e a Índia responderam diretamente por 36% e 8% respectivamente do volume de pesticidas químicos importados em 2020. Em dólares, representaram 19% e 11%.

Indiretamente, a participação da China bem é maior, pois esta é fornecedora de componentes e matéria prima para produção de produtos formulados em outros países e também parte variável das importações de fertilizantes, sobretudo fosfatados.

As recentes decisões do Governo Chinês têm potencial para trazer resultados inestimáveis às condições climáticas mundiais. Entretanto geram fortes incertezas no curto prazo quanto ao “timing” de entrega e os custos finais dos insumos.

O incremento na importação de volumes adicionais de carvão e óleo pela China levará pelo menos 2 a 3 meses para se concretizar e não resolverá o atraso na produção, nas entregas e nem a demanda reprimida.

Espera-se que a falta de suprimento comece a diminuir a partir do primeiro trimestre de 2022, coincidindo com o fim do inverno (na China) e um aumento no suprimento global de carvão.

Uma primeira análise dos dados de importação de janeiro a setembro de 2021 e os preços dos insumos que estão chegando levam as seguintes conclusões:

  • Cada produto encontra-se numa situação diferente de abastecimento e deve ser analisado individualmente, entretanto a maior parte dos produtos destinados ao início e desenrolar da 1ª safra já foram entregues.
  • Os atrasos de entrega e ou cancelamento ocorrerão principalmente nos produtos de maior volume e baixo valor agregado e/ou aqueles que têm como base de produção o fósforo amarelo, cuja extração está restrita devido ao racionamento energético. Nesta lista encontram-se glifosato, acefato, glufosinato, atrazina, entre outros, e por consequência seus substitutos imediatos como herbicidas de folhas larga, estreitas e neonicotinoides.
  • Há um grande atraso na entrega dos produtos para dessecação da soja e alto risco de atraso e/ou cancelamento. Esta situação é em muito agravada pela decisão de banimento do paraquate adotada pela Anvisa.
  • A maior parte dos inseticidas de maior valor agregado são fabricados nos EUA e, em tese, poderão sofrer atraso na entrega, mas não cancelamento.
  • Perto de 60% do volume de atrazina tem como origem a China, com alto risco de atraso na entrega.
  • Os novos preços que os fabricantes chineses têm cotado, sugerem aumento unitários de 20% a 60 % por conta do aumento do custo das matérias primas, da capacidade ociosa do aumento do custo frete e dos menores preços comercializados no Brasil versus demais países do mundo.
  • Como já vem ocorrendo, haverá muitas repactuações de pedidos de compra e cancelamentos por motivos de força maior, onerosidade excessiva e atraso na entrega pela perda do momento apropriado para aplicação.
  • É bem provável que haja uma ainda maior concentração de vendas pelas grandes empresas globais do setor.

Análise da conjuntura chinesa e racionamento de energia

Todos têm acompanhado os esforços do governo chinês para gerenciar a atual crise de energia da 2ª maior economia mundial.

A China é a maior mineradora e consumidora de carvão do mundo e a atual crise chamada por muitos de “a tempestade perfeita” combina a ocorrência simultânea de vários fatores, como a escassez da sua principal fonte de energia – o carvão térmico, devido as metas climáticas adotadas pelo governo central, o grande aumento no consumo de energia no pós-pandemia e o forte aumento dos preços globais do carvão, gás natural e petróleo.
A China é de longe o maior parceiro comercial do Brasil, representando 32,9% das exportações brasileiras e 33,7% das exportações brasileiras de produtos agrícolas.

Da mesma forma que são os maiores compradores de produtos agrícolas, em especial soja e farelo de soja, celulose e proteína animal, a China também é base da indústria de pesticidas do Brasil. Mais de 36% de todas as importações diretas de defensivos vêm da China de forma direta e um número muito maior indiretamente após passar por outros países.

O Brasil é capaz de colher mais de duas safras por ano, mas requer o manejo de pragas, doenças e ervas daninhas através do uso de defensivos agrícolas.

Para entender melhor as causas e as consequências desta situação vamos percorrer alguns dos diferentes pontos relevantes.

Em linha com o Acordo de Paris de 2015, o mais importante acordo climático já feito, o presidente Xi Jiping anunciou e ratificou a meta de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para combater as mudanças climáticas e adotar medidas para atingir o pico de emissões de CO2 antes de 2030 e neutralidade de carbono antes de 2060.

A China, como maior emissor global de carbono junto com EUA e União Europeia, vem, desde 2017, reduzindo a proporção de eletricidade gerada pela queima de carvão térmico de 80% em 2017 aos atuais 56% de sua matriz energética, porém os investimentos em energia solar e hidroelétrica não foram capazes de compensar a queda no uso do carvão térmico.

Em agosto deste ano, a situação chegou ao limite quando a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China reportou que 30% das províncias haviam aumentado a intensidade energética no primeiro semestre de 2021 e outros 30% não atendiam as métricas de consumo.

Em meio ao início de apagões a Comissão definiu uma nova meta de 3% de queda na intensidade energética por unidade de PIB, classificando as províncias por consumo e reduzindo o consumo em 16 das províncias.

Como num efeito dominó, a decisão do governo chinês trouxe um desafio ainda maior para as indústrias chinesas, pois a intensidade energética demandada pelo setor industrial é muito maior.

Províncias como YunNan, responsável pela maior produção de fertilizantes fosfatados e de fósforo amarelo, chave na produção de glifosato, acefato, glufosinato, tiveram redução de até 90% na disponibilidade energia no restante do ano.

Outras províncias chave para a produção dos defensivos, como Hebei e Shandong, têm inspeções ambientais programadas visando aos Jogos Olímpicos de Inverno em Beijing a ser realizado em fevereiro de 2022. Estas inspeções no inverno têm potencial para reduzir atividades e/ou fechar fabricas.

Cadeias de suprimento globais tanto de produto acabado, como de matéria prima já vinham sofrendo atrasos por conta da Pandemia de Covid-19. Vários portos de todo o mundo, inclusive chineses, como os portos de Ningbo e Shenzhen, já vinham atrasando entregas por conta de interrupção, visando reduzir a disseminação do vírus.

A situação desencadeou uma nova crise pela qual ainda estamos passando, que é a quebra da distribuição regular de containers no mundo. Alguns portos como de Los Angeles ou Savannah nos EUA com excesso de containers “parados”; e outros com falta de containers.

Para agravar, a Índia, segundo maior fornecedor de matérias primas e defensivos agrícolas para o Brasil, também atravessa uma grande escassez de carvão térmico – 66% de sua matriz energética, provocado pelas chuvas de Monções.

Neste ambiente de negócios imprevisíveis, assistimos o frete China-Brasil subir dos históricos US$ 2.800,00/container 40” para US$13.500,00/container 40”.

Cabe ressaltar o potencial incremento da inflação global dado o repasse aos preços finais oriundos dos aumentos do custo energético, logístico e da própria combinação de oferta e demanda.

É esperado que ao longo do tempo o governo chinês busque paulatinamente uma combinação de medidas que seja capaz de gerar um melhor equilíbrio entre as metas de descarbonizacão com a manutenção do crescimento da economia chinesa ao mesmo tempo em que minimize a inflação.

Neste momento prevalece o teto nos preços da eletricidade a fim de neutralizar o impacto sobre a inflação. O teto no preço da eletricidade evita a propagação do processo inflacionário, poupa as famílias, mas desestimula os produtores de energia com receio de perdas adicionais dado o aumento no custo do carvão.

Em regiões como Shanxi e Inner Mongolia o governo ordenou recentemente um aumento da produção de carvão de aproximadamente 5% ante as 3,84 bilhões de toneladas produzidas em 2020. Além disso o governo também definiu um teto de preços para a eletricidade vendida.

Em outras, como na província de Guangdong, foi autorizado aumento de 25% nos preços da eletricidade, apenas nos horários de pico para usuários industriais, evitando penalizar as famílias.

Também é esperado que a China aumente fortemente as licitações internacionais para compra de carvão e gás natural, aumentando os preços em todo o mundo e competindo diretamente com os países europeus nesta busca.