“Colheita estimada de 250,9 milhões de toneladas de grãos no Brasil”: Entrevista exclusiva com a Ministra da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina

Publicado em: 9 de setembro de 2020

O agronegócio é responsável por parcela significativa do PIB brasileiro, e a crise econômica ocasionada pelo coronavírus faz imprescindível o abastecimento de mantimentos para a população. Quando a pandemia atingiu o Brasil, o país estava em plena colheita de uma safra recorde, com aproximadamente 250 milhões de toneladas de alimentos colhidos (MAPA, 2020).
Juntamente com a preocupação de manter o suprimento interno ativo, com o qual o Brasil firmemente obteve sucesso, o país mostrou-se como um dos protagonistas no comércio exterior durante o período, mantendo a exportação de seus alimentos para mais de 60 países no globo.

      Para tratar das nuances do mercado agro brasileiro, a Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Sra. Tereza Cristina, cedeu à AgriBrasilis entrevista exclusiva. Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias é formada em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), e foi deputada federal do estado do Mato Grosso do Sul desde 2014 e reelegeu-se em 2018, até assumir, em janeiro de 2019, o cargo de Ministra no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento brasileiro.

AgriBrasilis – Na visão da Sra. Ministra, qual é o potencial do Brasil em abastecer alimentos para o mundo? Quais são as perspectivas para o setor em médio e longo prazo?
Ministra da Agricultura do Brasil – O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas, vendendo para mais de 160 países. Mostrou-se um parceiro confiável no fornecimento de alimentos e tem potencial para ampliar sua inserção no mercado agrícola internacional por meio do aumento da produção, da produtividade e da competitividade do agronegócio, conjugado à abertura de novos mercados.

A estimativa de colheita de 250,9 milhões de toneladas de grãos da próxima safra reforça a força da agricultura brasileira. Nossos campos vão produzir 3,6% a mais em relação à colheita passada, graças ao empenho dos agricultores, que buscam na tecnologia e inovação o apoio vital para fortalecer a presença do país entre os maiores produtores e exportadores mundiais de alimentos. Esse crescimento só não será maior devido à quebra ocasionada pela seca no sul do país que afetou a produção de soja, milho, feijão e outros cereais. Parte dessa produção é consumida no mercado interno. Milho e farelo de soja, principalmente, vão para alimentação de bovinos, aves e suínos.
Os excedentes de soja e milho, bem como carne bovina e de frango, café, açúcar, ovos, suco de laranja, frutas, algodão e outros produtos do agro são exportados, gerando bilhões de dólares em superávit comercial. Resultado de grande importância, especialmente, neste momento, em que o nível da atividade econômica nacional foi bastante afetado em função da pandemia do Coronavírus.

Somente nos cinco meses do ano, as exportações do agronegócio somaram US$ 42 bilhões, alta de 7,9% em relação ao mesmo período no ano anterior, puxado principalmente pelas exportações do complexo soja e de carne bovina para a China. É o maior valor exportado para o período (janeiro-maio) na série histórica. O recorde anterior havia sido em 2013, quando as vendas somaram US$ 40,38 bilhões no período. O crescimento das exportações do agronegócio se deu em função do aumento da quantidade embarcada dos produtos, visto que o índice de quantum (quantidade) foi 13,7% superior nos cinco primeiros meses de 2020 em relação a 2019, enquanto o índice de preços caiu 5,1% no mesmo período.

As exportações do agronegócio foram responsáveis por amenizar a queda de 7,2% nas vendas externas totais do Brasil no acumulado do ano até maio, O setor representou quase metade das vendas externas do país (49,7%), sendo a segunda maior participação para o período, atrás apenas do mesmo período em 2016, quando o share do setor nas exportações totais foi de 49,9%.
As exportações do complexo soja alcançaram US$ 19,00 bilhões nos cinco primeiros meses de 2020. A soja em grãos, principal produto do setor, registrou recorde nas vendas tanto em valor, US$ 16,34 bilhões, quanto em quantidade, 48,13 milhões de toneladas. O aumento da quantidade embarcada (+36,8%) foi determinante para a expansão em valor (+32,1%), visto que o preço médio de exportação do produto caiu de US$ 352 para US$ 339 por tonelada (-3,5%). As vendas para a China representaram 72,8% de toda a soja em grãos exportada pelo Brasil em 2020, sendo o mercado chinês o principal responsável pelo crescimento em relação ao ano anterior (+US$ 2,87 bilhões).

Dentre as grandes economias do mundo, o Brasil se destaca por ter crescido suas exportações na crise, impulsionadas pelas exportações do agronegócio, mesmo com um cenário agravado com medidas de isolamento social e problemas de logística em vários países importadores. O Brasil é um parceiro confiável no fornecimento de alimentos e tem demonstrado capacidade para suprir as necessidades de mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Posição essa que o nosso país tem ratificada por meio de nossas ações, agindo com responsabilidade e solidariedade. Por reciprocidade, também queremos ter um forte compromisso do resto da comunidade internacional. A confiança é uma via de mão dupla: estabilidade e previsibilidade no lado da oferta exigem estabilidade e previsibilidade no lado da demanda.

Em recente videoconferência com representantes do G-20, observamos que as barreiras comerciais não devem ser levantadas apenas quando ocorrer uma calamidade, mas sempre que for conveniente para combater o medo da escassez de alimentos. Não é cabível o uso de subsídios, neste momento da crise, pois acabam criando uma concorrência desleal para países em desenvolvimento e afetam as condições de vida no campo. Um comércio agrícola justo permite a disseminação de melhores condições nas áreas rurais, onde a maior parte da pobreza do mundo está concentrada.

Acreditamos que o Brasil está preparado para fazer sua parte e se compromete não apenas como um dos protagonistas na produção agrícola mundial, mas também como defensor da transformação positiva em benefício das gerações futuras. A Covid-19 nos oferece a oportunidade de repensar nosso comportamento coletivo. Vamos vencer a luta contra a Covid-19 juntos e emergir dessa situação com uma mentalidade para finalmente alcançar segurança alimentar global estável e meios de vida decentes para toda a humanidade.

AgriBrasilis – Quais as principais demandas dos diversos setores do agro? O crédito agrícola é adequado?
Ministra da Agricultura do Brasil – As principais demandas do agro foram por maior disponibilidade de recursos creditícios, com redução de taxas de juros, e pela adoção de medidas emergenciais de apoio creditício. Isso abrange financiamentos para composição de dívidas, em decorrência da redução de sua capacidade de pagamento causada pela pandemia da Covid-19 e pela ocorrência de adversidades climáticas. Sim, o crédito agrícola é adequado: foi ampliado e aprimorado, conforme divulgação do Plano Safra 2020/21, lançado no último dia 17 de junho. São R$ 236,3 bilhões para apoiar a produção agropecuária nacional, um aumento de R$ 13,5 bilhões em relação ao plano anterior. Os financiamentos poderão ser contratados de 1º de julho de 2020 a 30 de junho de 2021.

Do total, R$ 179,38 bilhões serão destinados ao custeio e comercialização (5,9% acima do valor da safra passada) e R$ 56,92 bilhões serão para investimentos em infraestrutura (aumento de 6,6%). Todos esses recursos vão garantir a continuidade da produção no campo e o abastecimento de alimentos no país durante e após a pandemia do novo Coronavírus. Os recursos destinados aos investimentos cresceram em média 29%.
Vale destacar que o Plano Safra é focado nos pequenos e médios produtores, que são os que mais precisam do suporte do Governo Federal. Os pequenos produtores rurais terão R$ 33 bilhões para financiamento pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com juros de 2,75% e 4% ao ano, para custeio e comercialização. Já para os médios produtores rurais, serão destinados R$ 33,1 bilhões, por meio do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), com taxas de juros de 5% ao ano (custeio e comercialização). Para os grandes produtores, a taxa de juros será de 6% ao ano. O material pode ser acessado no hotsite em nossa página: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/plano-safra

Lembramos que a agropecuária cresceu 1,9% no primeiro trimestre de 2020, enquanto outros setores sofreram retração. Além de abastecer o mercado interno, o agro exportou 17,5% a mais em relação ao mesmo período de 2019. Esse cenário nos dá a convicção de que a agropecuária brasileira será um dos principais motores da retomada econômica, após a Covid-19, que impôs uma situação dramática, nunca vista, em esfera global. Desde início da pandemia, entre as diversas medidas adotadas pelo Mapa – como forma de apoiar o produtor nesta área – estão a publicação da resolução 4.801 do Conselho Monetário Nacional, que permitiu prorrogar prazos e capitalizar os produtores afetados pela crise; a antecipação de recursos para o Garantia Safra e de recursos do Funcafé.

Foram adotadas também ações pelo Mapa para os pequenos produtores, agricultores familiares e comunidades tradicionais. Houve a destinação de R$ 500 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos, em conjunto com a Conab e com os ministérios da Cidadania e da Economia, além da manutenção dos recursos do programa de alimentação escolar para aquisição e doação de cestas.

AgriBrasilis – Sobre a pandemia que estamos vivenciando, haverá comida para todos?
Ministra da Agricultura do Brasil – Neste período da pandemia, houve aumento de produção agropecuária, das contratações de crédito rural – inclusive para investimentos – e das exportações. Cenário esse que evidencia que o setor foi relativamente menos afetado em relações a outras áreas da economia nacional, com a exceção de segmentos específicos, assegurando a continuidade do pleno abastecimento do mercado interno em todas as regiões do país. O Mapa teve sucesso em garantir o suprimento de alimentos à sociedade brasileira e em manter o intercâmbio comercial fluindo.

Neste cenário de uma crise de saúde, o Brasil conquistou recorde de exportações agrícolas, como já mencionado. Nossa agricultura mostrou, mais uma vez, a sua importância para o desenvolvimento do país, mesmo em situação adversa, cumpriu seu papel de guardiã da segurança alimentar com sanidade e sustentabilidade. Graças aos nossos produtores, trabalhadores rurais e entidades e empresas do setor, venceremos juntos essa pandemia. As primeiras ações do Mapa foram a criação de um comitê para monitorar os impactos da pandemia e a publicação de uma portaria detalhando as atividades essenciais para garantir o funcionamento do setor.
Também foram elaboradas recomendações técnicas para diversos setores com diretrizes na prevenção da contaminação nos locais de processamento, beneficiamento, transporte e comercialização dos produtos. Além disso, foram elaboradas também recomendações para o funcionamento de setores como frigoríficos, transporte de alimentos, colheita, feiras e sacolões.

Diferente de outros países, o Brasil não sofreu interrupções no funcionamento do setor. Isso foi e está sendo essencial para a normalidade do fluxo de abastecimento da nossa população. Ainda neste cenário, um dado a ser destacado é o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) de 2020. De acordo com dados atualizados em maio, está estimado em R$ 703,8 bilhões, 8,5% acima do obtido em 2019 (R$ 648,4 bilhões). O valor é recorde desde que iniciou a série histórica, em 1989. As lavouras tiveram alta de 11%, com R$ 469,8 bilhões, e a pecuária obteve R$ 234 bilhões, acréscimo de 3,9% do observado no ano passado.

A safra recorde de grãos estimada em 250,5 milhões de toneladas, os preços agrícolas e o desempenho favorável de algumas lavouras, como o café e a cana-de-açúcar, são decisivos para estimarmos e esses valores. Mas, mais uma vez, reforçam a grandiosidade e a força do campo.

AgriBrasilis – Várias empresas estrangeiras, sobretudo da China e da Índia, têm investido no setor de pesticidas no Brasil. Nos últimos três anos houve um incremento considerável na aprovação de registros de agrotóxicos. Mesmo assim o tempo para aprovação e o acesso ao mercado ainda é muito longo, podendo chegar a 10-12 anos. Tratando-se de um insumo, qual o motivo da demora?
Ministra da Agricultura do Brasil – Na verdade, o tempo é menor do que o citado na pergunta. Ele varia de seis a oito anos, sendo que para os produtos de baixo impacto o prazo é de um ano. A necessidade de se utilizar esse prazo tem um motivo: a legislação brasileira é uma das mais rigorosas do mundo, alinhando-se às melhores práticas regulatórias dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por conta disso as análises desses produtos são extremamente técnico-científicas e demandam, naturalmente, tempo para análise por três diferentes órgãos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) analisa o produto do ponto de vista do impacto ambiental. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avalia  a questão do impacto na saúde. Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) investiga a eficácia do produto para a cultura. Tudo é feito com muito cuidado.