
Daniela Santos Martins Silva é bióloga formada na Universidade Federal de Uberlândia, e Doutora em Entomologia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Desempenha atividades relacionadas à identificação de insetos e diversidade de Ortópteros. Cedeu a seguinte conversa para AgriBrasilis acerca da temática.
Os gafanhotos que recentemente tem aterrorizado produtores sul-americanos pela formação de pululações (termo técnico para o conjunto de gafanhotos que se deslocam formando “nuvens”) são da espécie Schistocerca cancellata (Serville, 1838). Esta espécie pode ser reconhecida pelo corpo alongado (machos com aproximadamente de 3-5 cm e as fêmeas, de 4-6,5 cm), coloração variável entre marrom-claro a castanho e asas com manchas de cor marrom.
São gafanhotos que apresentam duas fases em seu desenvolvimento: a fase solitária e a fase gregária. Na fase solitária, os juvenis e adultos desenvolvem-se próximos às plantas das quais se alimentam, mas não se agregam ou migram. Contudo, quando a densidade populacional aumenta e fatores climáticos são favoráveis, ocorrem também modificações fisiológicas que direcionam o comportamento desses gafanhotos a formação de aglomerações. Assim, a partir desse comportamento gregário, a coloração dessas ninfas se modifica, tornando-os mais escuros e estes gafanhotos começam a se deslocar em conjunto formando as pululações que, consequentemente, ao explorar com voracidade os ambientes naturais e cultivados, aumentam o volume de alimento consumido.
As fêmeas da espécie Schistocerca cancellata conseguem produzir aproximadamente de 80 e 120 ovos a cada postura, podendo apresentar até três gerações por ano. Assim, está espécie se reproduz gerando muitos novos indivíduos que se agregam quando as condições climáticas estão favoráveis, tornando essa questão fisiológica um problema. Como a maioria dos insetos, essa espécie de gafanhoto responde a variações ambientais e a disponibilidade de alimentos. Nas regiões do território brasileiro onde houve a possibilidade de deslocamento das pululações, o clima quente e seco que não é comum nessa época do ano e a ausência de inimigos naturais proporcionou a agregação de indivíduos e a superpopulação observada. A formação de pululações é um fenômeno natural, mas existem indicativos de que esse fenômeno também pode ser intensificado pelos desequilíbrios ambientais e as crescentes e intensas mudanças climáticas causadas pelas ações humanas na natureza.
Para a espécie Schistocerca cancellata, há relatos que indicam que entre 1897 e 1950 havia infestações recorrentes na Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai. Um dos últimos relatos da intensa presença desses gafanhotos no Brasil ocorreu no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina entre 1946-1948, onde foram reportados prejuízos em vários cultivos como o trigo, cevada, milho, feijão, batata inglesa, limoeiro, algodão, amendoim, sorgo, cana-de-açúcar, eucalipto e pastagens. Na década de oitenta, tivemos a ocorrência de infestações no Mato Grosso e alguns estados do Nordeste por outras espécies de gafanhotos. Esses exemplos nos mostram que a formação de pululações ou a intensa presença de gafanhotos nos ambientes já ocorreu na América do Sul e Brasil em diversas ocasiões e talvez, devido à forma como atualmente essas informações são rapidamente disseminadas, esse caso tenha recebido mais atenção e repercussão do que os demais episódios de “surtos‟ de tempos pretéritos.
A forma mais eficaz de evitar a formação de pululações é o monitoramento constante dessa espécie. Deve-se evitar que as populações cresçam e se agreguem e isso pode ser feito por meio de revisão periódica dos locais de postura para verificar as taxas de nascimentos. Ao verificar a presença de gafanhotos, a aplicação de métodos de controle como o Controle Biológico, com a utilização de entomopatógenos (inclusive temos muitos estudos nessa linha desenvolvidos por pesquisadores brasileiros) possui resultados relevantes no manejo deste inseto. Na ausência de programas que façam esse acompanhamento e medidas preventivas que sejam tomadas de forma assertiva, a forma de se amenizar a situação limitar o tamanho das pululações por meio do uso de produtos químicos.
As pululações de gafanhotos começaram a ser combatidas com inseticidas a partir da década de 1950 com as pulverizações aéreas, porém o impacto ambiental dessas aplicações foi intensa para diversas comunidades locais adjacentes as áreas de aplicação. Assim, esse controle precisa ser meticulosamente planejado, pois pululações se movimentam durante o dia e também utilizam as correntes de ar para se deslocarem. Aplicações de inseticidas por meio de pulverizações aéreas durante esses deslocamentos são inviáveis. Recomenda-se monitorar o deslocamento dessas pululações e ao fim do dia, fazer a aplicação do inseticida durante o momento de repouso desses insetos. Deve-se ter atenção quanto à forma de aplicação e do produto empregado para otimizar a ação de controle e diminuir a ação dos produtos contra os organismos não alvo.
O uso sem critérios técnicos de inseticidas causam perdas de diversos organismos, inclusive de gafanhotos. O controle do Schistocerca cancellata deve ser realizado com o objetivo de reduzir a densidade populacional da espécie e não eliminar ela completamente do ambiente. Isso é importante ser mencionado, pois os gafanhotos possuem diversas funções ecológicas: (i) como desfolhadores, atuam como consumidores primários no fluxo de energia das cadeias tróficas; (ii) são fonte de alimentos para diversos insetos e vertebrados como pássaros, sapos, lagartos etc. e (iii) suas fezes e corpo em decomposição geram nutrientes para o solo. Assim, o completo extermínio desses organismos não é uma prática saudável para o ambiente.
A presença das pululações é prejudicial aos ecossistemas por também causarem a diminuição de recursos para outras espécies. Como esses gafanhotos são polífagos, eles se alimentam de qualquer tipo de vegetal que encontrarem em seu trajeto. Assim, a oferta de recursos para outros animais diminui drasticamente, causando outra série de desequilíbrios ambientais.
Imagem – Fonte: Ministério da Agricultura do Brasil.
