Amazônia está "à beira de um colapso"

Amazônia colapso

“…modelos climáticos indicavam que esse ponto de não retorno, ou tipping point, poderia ser desencadeado com a perda de 20% a 25% da floresta…”

Carlos Nobre é pesquisador da Universidade de São Paulo e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, engenheiro eletrônico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica e doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology.

Nobre é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Royal Society da Grã-Bretanha, ex-pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Amazônia colapso

Carlos Nobre, pesquisador da USP


AgriBrasilis – Por que o senhor considera que o desmatamento na Amazônia está “à beira do abismo”? Que ações devem ser tomadas para reverter esse processo?

Carlos Nobre – O que há cerca de três décadas eram previsões científicas, hoje são evidências e observações: a Amazônia se encontra à beira de um colapso. Previsões de modelos climáticos indicavam que esse ponto de não retorno, ou tipping point, poderia ser desencadeado com a perda de 20% a 25% da floresta amazônica, em conjunto com os impactos das mudanças climáticas.

A Amazônia perdeu aproximadamente 18% de sua floresta e outros 17% estão em vários estágios de degradação. Mais de 90% da vegetação natural perdida foi substituída por áreas de pastagem caracterizada pela baixa cobertura do solo. Essa mudança na estrutura da vegetação é responsável pela redução de produção de umidade e resfriamento de superfície, serviços críticos fornecidos pela floresta tropical úmida.

As regiões sul e sudeste da Amazônia são as mais impactadas pelo desmatamento e degradação, o que causa reflexos em seus padrões climáticos. Desde 1979, a temperatura na bacia amazônica aumentou em média 1,02°C e a estação seca no sul da Amazônia tem se prolongado cerca de uma semana por década, se tornando 4 a 5 semanas mais longa, especialmente em áreas muito desmatadas.

A frequência de extremos climáticos, como as secas, também se intensificou nas duas últimas décadas, com casos em 2005, 2010 e 2020, induzidos por águas mais quentes no Oceano Atlântico Tropical ao norte do Equador. Também houve a seca de 2015-16, causada pelo fenômeno El Niño, e que causou a morte de mais de 2 bilhões de árvores. Esses extremos climáticos colocam a floresta em estado quase permanentes de perturbação e desafiam sua capacidade de se reestabelecer.

Mais de três quartos da floresta amazônica vêm perdendo resiliência desde o início dos anos 2000. As ações imediatas necessárias para evitar o colapso da floresta e de seus serviços ecossistêmicos vitais incluem: zerar o desmatamento e a degradação nas regiões sul e sudeste e restaurar a floresta nas extensas áreas desmatadas improdutivas e áreas degradadas. No médio ao longo prazo, deve-se estabelecer uma nova bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo, para substituir o atual modelo extrativista destrutivo e injusto, focado em benefícios para uma minoria da população.

AgriBrasilis – Qual o potencial econômico da Amazônia? A bioeconomia, baseada na “floresta em pé”, pode ser considerada uma solução?

Carlos Nobre – Estudos demostram uma média de US$ 422/ano de lucro por hectare somente com os produtos florestais não madeireiros obtidos de atividades extrativistas.

O valor monetário médio estimado foi de US$ 5.264/ano por hectare, baseado em cálculos que englobam a provisão de alimentos, água, matérias-primas, recursos genéticos e medicinais, serviços de regulação do ar, clima, erosão e controle biológico, além de benefícios relacionados ao habitat e à cultura. Esses são chamados de serviços ecossistêmicos, e seu potencial econômico é calculado considerando a floresta em pé e saudável.

Sistemas agroflorestais podem alcançar até US$ 1.000/ano por hectare com a seleção genética e o manejo florestal, sendo indicados por cientistas e populações locais como uma alternativa economicamente viável de uso da terra. A isso deve-se acrescentar políticas de neoindustrialização dos produtos dos diversos ecossistemas terrestres e aquáticos da Amazônia, para agregar valor aos produtos da sociobiodiversidade. País desenvolvido é país industrializado.

AgriBrasilis – É possível conciliar desenvolvimento agrícola e sustentabilidade na região?

Carlos Nobre – É viável eliminar o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia, ao mesmo tempo em que se promove prosperidade social e econômica. De acordo com estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, cerca de 20% da área desmatada (aproximadamente 170.000 km²) foi abandonada, e as florestas têm se regenerado rapidamente.

A eliminação do desmatamento e da degradação florestal é compatível com o crescimento da agricultura e principalmente dos sistemas agroflorestais, por meio da implementação de práticas regenerativas e da restauração das áreas desmatadas e degradadas.

AgriBrasilis – Como são realizadas as estimativas de emissão de carbono do solo e de possível impacto ambiental na Amazônia?

Carlos Nobre – O balanço de carbono no solo é determinado pelas entradas provenientes da fotossíntese e pelas perdas causadas pela respiração.

Aproximadamente 4% do carbono global está armazenado no solo. Quando o solo agrícola é bem manejado, há a capacidade de aumentar seu estoque de carbono. Por exemplo, estudos conduzidos pela Universidade de São Paulo e pela Embrapa Pecuária Sudeste mostraram que a rotação de animais em pastagens resultou em aumento na entrada de matéria orgânica fresca.

Ainda são raros os incentivos políticos concretos para prevenir as emissões de dióxido de carbono do solo ou para aumentar o sequestro líquido de carbono no solo. No Brasil, a emissão de carbono do solo ainda não é considerada no inventário nacional de emissões de carbono.

AgriBrasilis – De que formas o desflorestamento e a mudança de uso e ocupação do solo interferem na emissão de CO2?

Carlos Nobre – As emissões de carbono nos trópicos são associadas ao desmatamento para conversão das florestas naturais para usos agrícolas.

Entre 1994 e 2010, as mudanças de uso e cobertura da terra no bioma Amazônia foram as principais responsáveis por cerca de 74% das emissões nacionais (resultados ainda em consulta pública, MCTI, 2019).

Em termos percentuais, o desmatamento da Amazônia foi responsável por 25,7% do total das emissões de gases de efeito estufa do país em 2018, e 59% das emissões da categoria Mudança dos Usos da Terra – MUT.

Entre 2007 e 2018, o total emitido por desmatamento e degradação florestal foi de 8.23 GtCO2eq [gigatoneladas de gás carbônico equivalente], o que equivale aproximadamente a 34% do total de emissões nacionais no mesmo período (24.4 GTCO2eq).

O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDam apresentou resultados expressivos na redução do desmatamento e emissões associadas ao MUT na Amazônia no período de grande redução de desmatamento entre 2004 e 2012-2014. Entre 2012 e 2015 (3ª fase do PPCDam), as baixas taxas de desmatamento e degradação florestal reduziram as emissões por desmatamento para 300 MtCO2.

AgriBrasilis – O senhor defende as demarcações de Terras Indígenas, alegando que são armas contra o aquecimento global. O que é o marco temporal e como ele se relaciona com essa questão? Qual a posição do senhor sobre o marco temporal?

Carlos Nobre – Terras indígenas na região amazônica atuam como escudo contra o desmatamento. São importantes para os reservatórios de carbono e proteção da biodiversidade e até mesmo para evitar o surgimento de epidemias e pandemias.

A população indígena da Amazônia já foi de 8 a 10 milhões quando os europeus chegaram 500 anos atrás. Hoje, está calculada em aproximadamente 2,2 milhões, devido aos conflitos de terra e doenças trazidas pelo contato com a população branca.

O PL n° 490/07 é conhecido como Marco Temporal em Terras Indígenas e foi proposto em 2007. Desde então, ele tem incorporado alterações em seu texto original. O PL coloca em risco os direitos dos povos indígenas, ferindo a própria Constituição Federal, que versa sobre os direitos desses povos no Brasil.

O PL é conhecido como Marco Temporal porque uma de suas principais propostas é proibir a ampliação dos territórios já demarcados e coloca como marco temporal as terras ocupadas quando da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Existem muitas outras propostas nesse texto que ferem a Constituição Federal, os processos técnico jurídicos estabelecidos e amparados pelo Supremo Tribunal Federal, e violam normas internacionais, como a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho. Exemplos dessas propostas envolvem a permissão de várias atividades de exploração sem consulta às comunidades indígenas ou à Fundação Nacional do Índio e a transferência da competência de demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo.

A proposta, conduzida em maioria pela bancada ruralista, com a falta de consulta pelos indígenas e a potencial redução dos direitos desses povos torna o PL n° 490/07 inconstitucional.

Indígenas estão na Amazônia há quase 12 mil anos e seus direitos territoriais são legítimos e devem ser resguardados pelo Estado brasileiro. Seus territórios foram reduzidos a 13% das terras brasileiras, enquanto propriedades rurais representam 41% do território nacional, sendo que 20% são latifúndios. Em alguns Estados, como o do Mato Grosso do Sul, propriedades rurais ocupam 86% do território.

O PL do Marco Legal de Terras Indígenas é mais uma tentativa de fragilização das estruturas de poder e que impacta o meio ambiente e os direitos coletivos. Na maioria dos países desenvolvidos, as áreas da agropecuária vêm diminuindo com o tempo (e.g., EUA, países europeus, Japão, China, etc.), ao passo que a produção dessas áreas aumenta com o tempo devido à prática cada vez mais eficiente da agropecuária. O mesmo deve acontecer com o Brasil, particularmente em função do enorme potencial da generalização da agropecuária regenerativa, mais sustentável, produtiva e lucrativa.

A posse de grandes latifúndios de baixa produtividade é uma cultura que deve ser abandonada imediatamente.

AgriBrasilis – Quais as consequências caso sejam mantidos os índices de desmatamento e queimadas no país? Em quanto tempo haverá declínio de produtividade agrícola, por exemplo?

Carlos Nobre – A taxa de desmatamento na Amazônia brasileira é a mais alta do planeta, dentre os países de floresta tropical, sendo de 14.000 km2/ano no período entre 1988 e 2022.

Aproximadamente 800 milhões de árvores e palmeiras são destruídas todos os anos na Amazônia brasileira. Atualmente, cerca de 21% da área original de floresta já foi desmatada.

As consequências imediatas do desmatamento são: perda de biodiversidade, mudança climática regional e emissão de gases de efeito estufa, tornando a floresta mais suscetível às queimadas causadas pelas atividades humanas.

O fogo queimou 120.000 km2 de floresta no período entre 2001 e 2018, degradando folhas, galhos, troncos de árvores, além de frutos e sementes, que poderiam ser consumidos, comercializados ou regenerados. A combinação entre desmatamento, mudanças climáticas globais e fogo está deixando o solo e a atmosfera mais secos, sobretudo nas regiões sul e leste da Amazônia, o que tem reduzido a produtividade agrícola e florestal nas áreas mais desmatadas.

Queimadas geram muita poluição, trazendo gravíssimos impactos na saúde humana e de inúmeras espécies de animais na Amazônia e até mesmo fora dela, devido ao transporte dos poluentes das queimadas.

O impacto das queimadas na saúde humana é negativo devido ao monóxido de carbono e particulados provenientes da fumaça. Entre 2010 e 2019, o número de infecções respiratórias e cardiovasculares relacionadas ao fogo alcançou 1.429.134 casos nos 772 municípios que compõem a Amazônia legal, uma média de 586,87 casos por cada 100.000 indivíduos.

AgriBrasilis – Que ações positivas estão sendo tomadas para a preservação da Amazônia?

Carlos Nobre – O governo brasileiro do período entre 2019 e 2022 trabalhou fortemente contra a preservação da Amazônia. A área desmatada registrou um crescimento de 7.536 km2 em 2018 para 13.038 km2 em 2021, representando um aumento de 73% nesse período. De fato, um conjunto de ações de controle e combate ao desmatamento foi desestruturado, empoderando grileiros e mineradores ilegais pelo enfraquecimento da governança ambiental. Essa realidade precisa ser mudada pelo novo governo federal e pelos governos estaduais.

Políticas públicas que incentivem a preservação e o uso sustentável da floresta, a ampliação da fiscalização e punição dos responsáveis pelas atividades ilegais são algumas das ações positivas que devem ser tomadas. É preciso fortalecer a participação dos povos indígenas e comunidades locais na gestão do território Amazônico.

São necessários investimentos sem precedentes em ciência, tecnologia e inovação. Muitas organizações públicas e privadas dentro e fora da Amazônia têm apontado a bioeconomia como uma forma de gerar mudanças sociais duradouras.

Os cientistas que pesquisam a Amazônia estão buscando apoio para implementar o chamado Instituto de Tecnologia da Amazônia – AmIT. O AmIT foi inspirado pelo Massachusetts Institute of Technology, dos EUA, e foi projetado para viabilizar que soluções baseadas na natureza sejam implementadas em grande escala na região. Dois exemplos de ações são: o projeto Amazônia 4.0, que busca incorporar ciência, tecnologia e sociobiodiversidade em novos produtos com alto valor agregado e forte aspecto de sustentabilidade; e o projeto Arcos da Restauração, que busca viabilizar 20 bilhões de dólares para a restauração florestal de mais de 500.000 km2 de terras desmatadas, degradadas e abandonadas na Amazônia Andina (Venezuela, Colômbia, Equador e Peru) e nas bordas leste e sul da floresta entre o Brasil e a Bolívia.

 

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