Futuro da economia mundial é incerto

“Em relação à economia brasileira, o cenário internacional adverso tem como impacto o desestímulo ao crescimento, agravado ainda pelas condições domésticas.”

Paulo Paiva é ex-ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento e professor da Fundação Dom Cabral. Geógrafo pela UFJF, tem mestrado em demografia econômica pela University of Pennsylvania.
Paiva presidiu o Conselho Nacional de Privatizações, foi membro do Conselho Monetário Nacional, secretário de planejamento e coordenação geral e de transportes e obras públicas em Minas Gerais, vice-presidente de planejamento e administração do Banco Interamericano de Desenvolvimento e presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.

Paulo Paiva, professor da Fundação Dom Cabral


AgriBrasilis – Qual é o panorama da economia e a probabilidade de uma recessão global? Por quê?
Paulo Paiva – O futuro da economia mundial pós-pandemia e pós-invasão da Ucrânia é incerto.
Há duas vulnerabilidades no panorama econômico mundial. Uma é a expansão da inflação, causada pelas medidas de estímulo à proteção da economia, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, incluindo Reino Unido, mas não só nesses países. Autoridades monetárias nessas regiões estão tomando medidas restritivas, como aumento das taxas de juros para conter a inflação. Essas medidas reduzem o crescimento da economia.
Outra vulnerabilidade são as consequências da invasão da Ucrânia, principalmente seus efeitos sobre o fornecimento pela Rússia e Ucrânia de alimentos e fertilizantes para o mundo e do gás oriundo da Rússia para a Europa, principalmente para a Alemanha, se o conflito continuar no período de inverno no hemisfério Norte. Se essas condições continuarem, a probabilidade de uma recessão será maior.

AgriBrasilis – Neste contexto, o que se pode esperar em relação ao crescimento das economias do Brasil e do mundo?
Paulo Paiva – Em relação à economia brasileira, o cenário internacional adverso tem como impacto o desestímulo ao crescimento, agravado pelas condições domésticas.
O Brasil terá que lidar com as condições adversas do pós-eleição. Qualquer que seja o presidente eleito, ele terá que implantar um programa de ajuste fiscal para reduzir o déficit público e, como consequência, a trajetória da relação da Dívida pública/PIB. Esse ajuste terá que se adequar às necessidades de manutenção de um programa de transferência de renda, dado o alto nível de vulnerabilidade da população.

AgriBrasilis – De que maneiras a inflação, juros e câmbio estão associados ao desempenho da economia nacional?
Paulo Paiva – O crescimento da economia depende de pelo menos dois fatores: equilíbrio macroeconômico e crescimento da produtividade. Aqui falamos do lado monetário do equilíbrio macroeconômico.
Como a economia brasileira é aberta, principalmente nos seus setores produtores de commodities (agribusiness, energia e mineração) e mantém política de câmbio flutuante, a volatilidade cambial afeta a variação dos preços domésticos. Por exemplo, os aumentos recentes dos preços de derivados de petróleo afetaram a taxa de câmbio, que indiretamente afetou outros preços, como os do diesel e da gasolina, difundindo-se nos preços de outros produtos, causando inflação. A queda dos preços dos derivados de petróleo e a redução na taxa de câmbio tiraram suas pressões altistas sobre a inflação.
Quando a inflação aumenta, o Banco Central utiliza a política monetária (aumentos da taxa Selic) para conter a expansão de preços e colocar a inflação no centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Isso é fundamental para dar previsibilidade e confiança para o mercado.
Sobre a questão fiscal: se o resultado primário (receitas tributárias – gastos orçamentários, excluídos o pagamento de juros) fosse superavitário, o Banco Central teria mais liberdade para estabelecer uma taxa básica de juros mais baixa. Como o governo não respeita os limites fiscais adotados (limite de gastos), o Banco Central mantém a taxa Selic mais alta do que seria se houvesse equilíbrio orçamentário. Juros altos representam crescimento mais baixo.

AgriBrasilis – Como está o fluxo de investimentos estrangeiros no Brasil? As perspectivas são favoráveis? Por quê?
Paulo Paiva – Segundo o relatório Focus, do Banco Central, divulgado em 29 de agosto, as estimativas para a entrada de Investimento Direto Externo para os próximos anos são US$ 58 bilhões em 2022; US$ 65,50 bilhões em 2023; US$ 70 bilhões em 2024; e US$ 75 bilhões em 2025.
Os valores refletem o nível histórico quando a economia está crescendo e a confiança do mercado externo na economia brasileira no longo prazo (superação da crise no transcurso do novo governo, independente de quem seja eleito). Também correspondem à posição geográfica do Brasil, longe dos polos de tensão geopolítica (Leste Europeu, Oriente Médio e Leste Asiático). Por fim, estão em linha com a visão de que o Brasil não apresenta risco externo em seu balanço de pagamentos. Suas reservas cambiais, superiores a US$ 350 bilhões, são confortáveis.

AgriBrasilis – O senhor ainda considera que o Brasil depende de abertura à iniciativa privada?
Paulo Paiva – Com certeza. Não há recursos públicos suficientes para desenvolver a infraestrutura física no Brasil. A taxa de investimentos públicos como proporção do PIB é insignificante para o tamanho da economia brasileira. Sendo assim, é fundamental continuar e aprofundar os programas de concessão e privatização na infraestrutura.

AgriBrasilis – Como é possível aumentar a produtividade no Brasil? Qual é a relação entre produtividade e crescimento demográfico?
Paulo Paiva – A produtividade no Brasil está estagnada há décadas. O Observatório de Produtividade Regis Bonelli da FGV, que estima dados de produtividade para o Brasil, mostra que, entre 1980 e 2021, a renda per capita cresceu apenas 0,8% ao ano, enquanto a produtividade por hora trabalhada avançou 0,6%. O crescimento demográfico foi relevante para que a renda per capita pudesse manter seu crescimento nos últimos cinquenta anos.
Mas o futuro será diferente. Em uma geração, nos informa o IBGE, a população brasileira deixará de crescer; em 2047, se estabilizará em torno de 230 milhões de pessoas. Nesse curto período, porém, a população em idade de trabalhar (20 a 69 anos) aumentará em 12 %; no entanto, sua estrutura etária sofrerá profunda mudança. Até 2050, comparativamente com a situação atual, o segmento de 20 a 49 anos terá uma perda líquida de 26,812 milhões de pessoas, enquanto o de 50 a 69 anos terá expansão de mais 43,425 milhões. Desta maneira, entre 2022 e 2050, para cada 100 pessoas de 20-49 anos, o número de pessoas de 50-69 subirá de 43 para 120!
No campo da produtividade do trabalho, torna-se necessário melhorar a qualidade do ensino médio, utilizar a flexibilidade na nova estrutura curricular para conciliar o atendimento formal com profissionalização dos novos trabalhadores. Como o número de novos entrantes no mercado de trabalho será menor, será necessário requalificar a população idosa, por exemplo, de 50 a 60 anos, para que possam contribuir também para o aumento da produtividade.
Devemos cuidar da nova economia, com os avanços da revolução digital, para que essa transformação possa impactar positivamente o aumento da produtividade, sem aumentar a exclusão da população da atividade remunerada.
Devemos dar atenção às condições que permitam um melhor ambiente de negócios, como maior segurança jurídica, reforma tributária e reforma administrativa e, ainda, estimular a expansão e a melhoria da rede física de infraestrutura no país.

AgriBrasilis – Como a escalada das tensões entre China e os EUA pode afetar as economias?
Paulo Paiva – Esse tema é parte das incertezas geopolíticas que dominam o mundo na primeira metade deste século. Eu diria que na medida em que essas tensões afetem o crescimento da economia global, afetarão negativamente a economia brasileira.
No entanto, as tensões podem se tornar oportunidades para a economia brasileira. Por exemplo, substituindo as importações que os Estados Unidos e a Europa Ocidental fazem, atualmente, da China, aproveitando também para substituir a China nas cadeias de valor que estarão mais próximas das economias ocidentais.
A economia brasileira tem oportunidade para ampliar suas exportações de proteína vegetal e animal para alimentar o mundo e se tornar exemplo de economia verde, considerando suas condições especiais, com seus biomas, bacias hidrográficas e clima. Conciliar economia de baixo carbono com aumento da produção agrícola e da pecuária pode gerar condições para um novo milagre brasileiro.

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