“Domesticação e melhoramento genético reduziram a capacidade das plantas de interagir com microrganismos benéficos…”
Rodrigo Mendes é pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e professor de pós-graduação na USP.
Mendes é engenheiro agrônomo com doutorado pela ESALQ/USP e pós-doutorado pela Universidade de Wageningen e pela Universidade da Califórnia.

Rodrigo Mendes, pesquisador da Embrapa
AgriBrasilis – Qual é a importância dos microrganismos para o cultivo de grãos?
Rodrigo Mendes – Os microrganismos do solo participam de funções essenciais como a ciclagem de nutrientes, a solubilização de fósforo, a fixação biológica de nitrogênio e a decomposição da matéria orgânica. Além disso, atuam diretamente na promoção do crescimento vegetal por meio da produção de fitormônios e na proteção contra patógenos.
A interação das plantas com o microbioma do solo é tão profunda que hoje falamos de um “superorganismo”, que é constituído pelo hospedeiro (a planta) e milhões de microrganismos associados como uma unidade funcional, também chamado de “holobionte”. Em cultivos de grãos, onde frequentemente há alta demanda nutricional e estresse ambiental, manter o microbioma do solo saudável e equilibrado é um diferencial para a resiliência e produtividade do sistema de produção
AgriBrasilis – Os insumos agrícolas afetam a microbiota do solo? Como?
Rodrigo Mendes – Sim, insumos agrícolas — sejam fertilizantes, corretivos, defensivos químicos ou biológicos — impactam de maneira direta ou indireta a composição e a funcionalidade do microbioma do solo. Fertilizantes nitrogenados, por exemplo, podem reduzir a diversidade de microrganismos associados à fixação biológica de nitrogênio. Fungicidas de amplo espectro também podem afetar negativamente fungos benéficos, como micorrízicos. Por outro lado, insumos biológicos, como inoculantes e bioestimulantes, podem enriquecer comunidades funcionais específicas. O desafio está em entender essas interações de forma sistêmica, pois o microbioma responde não só ao tipo de insumo, mas também à forma de aplicação, à cultura implantada, ao manejo do solo e ao histórico de uso da área.
AgriBrasilis – De que formas é possível avaliar o impacto dos bioestimulantes?
Rodrigo Mendes – A avaliação do impacto de bioestimulantes deve considerar múltiplas escalas, do laboratório ao campo, e envolver tanto análises agronômicas quanto microbiológicas. Em nossos estudos, utilizamos experimentos de microcosmo, modelagens de rede de interação microbiana e sequenciamento de DNA para detectar alterações na estrutura e função do microbioma.
Testes funcionais, como atividade enzimática e perfis metabólicos, também ajudam a entender as respostas microbianas. É importante que os bioestimulantes sejam avaliados por sua capacidade de modular positivamente a comunidade microbiana do solo e da rizosfera e, consequentemente, seu efeito na produtividade.
AgriBrasilis – Por que bactérias da rizosfera são a “primeira linha de defesa” nas plantas?
Rodrigo Mendes – Os primeiros milímetros da camada de solo que envolve as raízes abrigam uma microbiota altamente especializada que chamamos de “microbioma da rizosfera”. O microbioma é recrutado pela própria planta por meio da exsudação de compostos orgânicos. As bactérias da rizosfera são a “primeira linha de defesa” porque formam uma barreira biológica que compete com patógenos por espaço e nutrientes, além de serem capazes de produzir compostos antimicrobianos e induzir resistência sistêmica nas plantas. A eficácia depende da diversidade, da densidade e da funcionalidade dos microrganismos presentes.
“A domesticação e o melhoramento genético acabaram reduzindo a capacidade das plantas modernas de interagir com microrganismos benéficos…“
AgriBrasilis – Que outras defesas as plantas possuem contra os patógenos?
Rodrigo Mendes – Além da interação com microrganismos benéficos, as plantas contam com defesas inatas, como barreiras físicas (cutícula, parede celular) e químicas (produção de metabólitos antimicrobianos). Também possuem um sistema imune sofisticado, baseado na detecção de padrões moleculares associados a patógenos e na ativação de respostas de defesa local e sistêmica. Em muitos casos, essas respostas são mais eficazes quando coordenadas com a ação do microbioma, demonstrando como as defesas bióticas e abióticas das plantas são interdependentes.
AgriBrasilis – Por que alguns solos são supressivos aos patógenos de plantas?
Rodrigo Mendes – Solos supressivos são ecossistemas complexos onde a microbiota desempenha papel central no controle de doenças. Nesses solos, os patógenos são naturalmente inibidos por competição, antibiose ou parasitismo por parte do microbioma nativo. Esse fenômeno é muitas vezes resultado de longo histórico de manejo sustentável, com uso reduzido de produtos químicos, rotação de culturas e alta diversidade de plantas. Entender os mecanismos por trás dessa propriedade permite desenvolver estratégias para tornar solos convencionalmente conduzidos mais resilientes.
No entanto, novas variedades continuam sendo testadas e, no futuro, certamente veremos mudanças importantes no mercado de maçãs.
AgriBrasilis – Que práticas promovem diversidade microbiológica nas lavouras?
Rodrigo Mendes – Práticas que aumentam a diversidade de plantas e que minimizam perturbações físicas e químicas no solo tendem a favorecer o aumento da diversidade do microbioma do solo. Dentre elas, destacam-se: a rotação de culturas, o plantio direto, a adição de matéria orgânica, o uso de plantas de cobertura e a redução do uso de agroquímicos. A diversificação do sistema agrícola cria nichos para diferentes grupos microbianos e contribui para o equilíbrio ecológico do solo, aumentando sua capacidade de prestar serviços ecossistêmicos.
AgriBrasilis – Quais os últimos avanços em microbiologia do solo?
Rodrigo Mendes – Avanços em microbiologia do solo, impulsionados por tecnologias “ômicas”, estão mostrando que o microbioma funciona como uma extensão do genoma da planta. A domesticação e o melhoramento genético acabaram reduzindo a capacidade das plantas modernas de interagir com microrganismos benéficos. Uma alternativa promissora é recuperar a habilidade das plantas ancestrais de interagir com microrganismos e reintroduzi-la nos cultivares modernos. O desafio agora é transformar esse conhecimento em soluções simples, úteis e acessíveis para o agricultor.
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