Por que a produção de leite está estagnada no Brasil?

Published on: February 11, 2025

“A produção nacional de leite está próxima do volume de 10 anos atrás…”

Glauco Rodrigues Carvalho é pesquisador da Embrapa, membro titular da Câmara Setorial de Leite e Derivados do Ministério da Agricultura, bacharel em economia pela UFMG, com mestrado pela USP e doutorado pela Texas A&M University.


AgriBrasilis – Por que a produção de leite está estagnada no Brasil?

Glauco Carvalho – A produção nacional de leite está próxima do volume de 10 anos atrás. Na última década a produção brasileira foi muito afetada pelo baixo crescimento econômico do país, já que nossa produção é voltada para o mercado interno.

As recessões de 2015 e 2016 causaram um forte declínio na renda, prejudicando o consumo e a rentabilidade das fazendas. Além disso, o setor sofreu forte concorrência com os produtores de grãos e carne bovina, que tiveram um cenário melhor de rentabilidade. Outro desafio que tem dificultado o crescimento é a disponibilidade de mão de obra no campo. A produção de leite é uma atividade intensiva em mão de obra, que está cada dia mais escassa.

AgriBrasilis – Quais as perspectivas para o setor no médio prazo? 

Glauco Carvalho – A tendência é um 2025 com grandes desafios em termos de consumo, em função do cenário de inflação e taxas de juros. Olhando mais adiante, o setor lácteo nacional tem boas perspectivas. Estamos observando uma rápida evolução tecnológica no setor, o que tende a torná-lo mais competitivo. Além disso, grandes produtores globais têm enfrentado desafios para expansão da oferta de leite, seja por restrições territoriais ou ambientais. Portanto, a expansão da demanda mundial pode abrir oportunidade para o Brasil no médio/longo prazo. E temos também boas oportunidades de crescimento do consumo interno, dependendo do desempenho da economia e expansão da renda.

AgriBrasilis – As medidas do governo para incentivar a produção e consumo são eficazes?

Glauco Carvalho – O crescimento e desenvolvimento da cadeia do leite no Brasil têm sido historicamente pautados pelo empreendedorismo dos agentes produtivos, dos produtores, laticínios, consultores e empresas de insumos e equipamentos. Institutos de pesquisa, Embrapa e universidades também tiveram e têm suas contribuições na geração de conhecimento, extensão e tecnologias. A contribuição direta do governo tem sido marginal.

AgriBrasilis – O que motivou o aumento das importações de lácteos? Quais os principais países fornecedores e produtos?

Glauco Carvalho – O principal motivo foi o preço relativamente mais elevado no mercado brasileiro, com um forte pico em meados de 2022, devido à escassez de leite. Argentina e Uruguai, que respondem por 90% das nossas compras. aproveitaram esse período colocando muito leite em pó e queijo aqui dentro. Atualmente, temos players desses países com operações bem estruturadas no Brasil, fazendo com que o volume tenha alcançado outro patamar, passando de 3% do consumo para cerca de 9%.

AgriBrasilis – Que fatores levaram ao aumento da rentabilidade do setor em 2024?

Glauco Carvalho – O consumo interno foi um fator positivo, deixando um ano bem equilibrado no âmbito de oferta e demanda, mesmo com elevadas importações. Além disso, os custos de produção ficaram relativamente estáveis. No geral, foi um ano também de baixa volatilidade nos preços, o que beneficiou a gestão na cadeia de valor do leite. É claro que a leitura é diferente quando se analisa os produtores afetados pelas enchentes no RS, por exemplo. Mas no geral, foi um ano bom.

AgriBrasilis – A remuneração dos produtores é adequada?

Glauco Carvalho – Em 2024 os produtores tiveram boa remuneração. Mas é importante destacar que a remuneração foi boa para aqueles produtores com melhor gestão, controle e com tecnologias adequadas. Por outro lado, existem produtores perdendo dinheiro. A produção de leite no Brasil é muito heterogênea e temos visto esse movimento de perde/ganha, onde uma parcela investe e cresce e outra deixa a atividade.

AgriBrasilis – Como se compara a eficiência da produção de leite do Brasil com a dos países concorrentes?

Glauco Carvalho – No Brasil, temos de tomar muito cuidado nas comparações de média, devido a heterogeneidade que temos. Mas olhando um recorte de produtores mais eficientes e competitivos, o Brasil fica muito bem na comparação com os concorrentes. Há produtores bem competitivos em custo, com boa escala de produção e qualidade do leite. Mas quando se analisa a média nacional, a situação é mais complexa. E isso tem levado a uma consolidação no campo.

AgriBrasilis – Quais as contribuições e pesquisas da Embrapa Gado de Leite?

Glauco Carvalho – A Embrapa Gado de Leite atua em várias frentes: em programas estruturantes de longo prazo como melhoramento genético animal e de forrageiras, em projetos mais focados em demandas específicas como leite de baixo carbono, inteligência competitiva, bem estar animal, qualidade do leite, biosseguridade, etc.

A empresa busca também participar dos principais fóruns do setor e estreitar o relacionamento com a assistência técnica, objetivando levar conhecimento e tecnologias para a cadeia produtiva. Mas os desafios são enormes em função da complexidade dessa cadeia de valor, amplitude e variabilidade das demandas, além da fragmentação dos elos da cadeia produtiva, difusos por todo o país.

 

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