“Muitos agricultores desconhecem o seu banco de sementes. De fato, muitos dos agricultores sequer avaliam a eficácia das medidas de controle…”
Arthur Arrobas é professor na Universidade Federal do Paraná, engenheiro agrônomo, com mestrado pela Esalq/USP e doutorado pela Unesp de Jaboticabal.
AgriBrasilis – Qual a relação entre o banco de sementes no solo e o controle de plantas daninhas?
Arthur Arrobas – Existem diversas origens para uma infestação de plantas daninhas. Uma delas é a introdução de sementes ou propágulos de plantas via contaminação de equipamentos, como colhedoras ou semeadoras. Outro exemplo é a origem no solo de uma área.
Áreas agrícolas costumam ter solos com elevada quantidade de sementes e outras estruturas de reprodução de plantas. Quanto maior e mais diverso for esse banco de sementes, maior será o desafio para controlar uma comunidade de plantas infestantes.
Algumas espécies no banco de sementes terão longevidade curta, enquanto outras terão longevidade longa. Algumas terão sementes germinando ao longo de todo o perfil do solo, enquanto outras vão germinar apenas nas primeiras camadas. Algumas espécies podem aumentar sua germinação com o revolvimento do solo, etc. Esses são alguns dos exemplos que justificam porque o agricultor precisa ter atenção na escolha dos métodos de controle de plantas daninhas.
“Quanto maior e mais diverso for esse banco de sementes, maior será o desafio para controlar uma comunidade de plantas infestantes…”
AgriBrasilis – É possível eliminar todas as plantas presentes em um banco de sementes?
Arthur Arrobas – Em grandes áreas a eliminação completa é algo impraticável. A erradicação pode ser feita, por exemplo, em pequenos volumes, tais como substratos para o uso em hortas.
O que pode e deve ser realizado é trabalhar para a diminuição do banco de sementes de uma área e impedir a introdução de novas espécies. Outro ponto importante é controlar as plantas daninhas antes da reprodução, evitando que o trabalho de diminuição do banco, realizado ao longo de vários anos, seja perdido.
AgriBrasilis – Por que a maioria dos agricultores não adota a avaliação do banco de sementes?
Arthur Arrobas – Muitos agricultores desconhecem o seu banco de sementes. De fato, muitos dos agricultores sequer avaliam a eficácia das medidas de controle utilizadas ao longo de uma ou mais safras. Eles até sabem as espécies daninhas que estão na área, mas não conhecem com que intensidade estão lá. Isso se deve ao fato de que avaliar um banco de sementes é algo trabalhoso.
As sementes estão normalmente dispersas de maneira desuniforme nas áreas, e em diferentes profundidades no solo. Identificar sementes em uma coleta de solo é algo muito complexo e só pessoas bem treinadas conseguem realizar esse trabalho. Acredito que isso deva ser alterado nos programas de manejo integrado de plantas daninhas, onde, com um trado calador, o agricultor pode coletar diferentes pontos da lavoura para formar amostras compostas e colocar esse solo para germinar em uma bandeja ou vaso dentro de uma estufa ou em área próxima da sede da propriedade.
Com base nas amostras de solo, o agricultor pode identificar as plantas que emergem, além de quando e em que intensidade isso acontece. Ao longo do tempo, essas informações podem fornecer um direcionamento para a escolha de produtos, doses, adoção de outros métodos de controle, etc. Acredito que, em um futuro próximo, isso poderá auxiliar também no direcionamento de escolha de produtos biológicos e sistemas produtivos.
AgriBrasilis – Quais práticas devem ser adotadas para reduzir a pressão do banco de sementes e minimizar a emergência de plantas resistentes?
Arthur Arrobas – Todas as práticas disponíveis devem ser adotadas. Talvez a mais importante seja o controle cultural, que oferece as melhores condições para uma lavoura apresentar o seu máximo potencial produtivo. Um exemplo, na integração lavoura pecuária, é o consórcio do milho ou da soja com espécies forrageiras. Nas pastagens, é importante o uso de intensidade adequada de pastejo, a exemplo da adoção do pastejo rotativo.
Outra prática importante é a escolha adequada da cultivar ou híbrido a ser utilizado. Outros fatores: a semeadura deve ser realizada na época correta; e, principalmente, é necessário adotar o sistema de plantio direto, onde a palhada remanescente da lavoura anterior irá formar a cobertura do solo que, por vias físicas, químicas e biológicas, irá atuar na redução da presença de plantas daninhas.
Não devemos nos esquecer ainda das outras formas de controle, como o controle químico, que é o mais utilizado. Mesmo se tratando de plantas resistentes, temos como minimizar a emergência de plantas resistentes. Um exemplo se dá pela aplicação de herbicidas pré-emergentes, principalmente da mistura entre mecanismos de ação e moléculas, diminuindo a chance de seleção de plantas daninhas resistentes e elevando as chances de sucesso no controle das populações resistentes presentes.
Ainda sobre o controle químico, é essencial controlar plantas daninhas que tenham “escapado” previamente a sua reprodução. Muitas vezes, na pós-emergência dos cultivos, essa operação se torna complicada devido a fatores como a seletividade do cultivo ou tamanho de plantas. Pode-se adotar diferentes tecnologias de cultivos resistentes a herbicidas, e assim o agricultor ganha opções de herbicidas. No caso de plantas muito fora do estádio de controle, algumas áreas tem realizado a capina manual de plantas, por exemplo.
Quando falamos da capina, forma manual de controle, destacamos que ela pode ser realizada também antes da instalação de uma lavoura, seja numa área de plantio, impedindo a reprodução de plantas, seja previamente a aplicação de um herbicida, aumentando a eficácia de controle conforme, exemplo do capim-amargoso e o uso de graminicidas.
Outra tendência, que temos estudado inclusive na UFPR de Curitiba junto a Rede de Pesquisa em Matologia, é a construção de sistemas mais resilientes à presença de plantas daninhas e impacto destes na seleção de espécies resistentes. Aparentemente, quanto mais complexo o sistema, maior é a diversidade de microrganismos no solo, o que pode contribuir para maior velocidade de degradação de sementes ali presentes, o que é uma espécie de controle pré-emergente biológico de plantas daninhas. Mas ressalto que isso é algo novo e que diferentes ambientes tendem a alterar essas respostas. Teremos mais dados e informações nos próximos anos.
AgriBrasilis – Por que os inibidores de ALS são tão propensos ao desenvolvimento de resistência?
Arthur Arrobas – Os inibidores da ALS são ótimos herbicidas, que atuam em plantas de maneira eficaz mesmo em baixas doses e apresentam reduzida toxicidade animal. Um dos grandes problemas é que a enzima em que atuam apresenta facilmente redução da afinidade com os herbicidas em alterações dos pares de base que compõe o seu gene.
Comparado com outros herbicidas, como o glifosato, a enzima ALS tem muito mais mutações que permitem a planta sobreviver e ser insensível aos herbicidas do que no caso da enzima EPSPS. Outro fator é que a herança da resistência aos inibidores da ALS é nuclear e logo pode ser transmitida via pólen ou sementes, sendo uma dominância parcial o suficiente para gerar indivíduos resistentes. Outros mecanismos de ação de herbicidas possuem menos casos de resistência, como no caso dos inibidores da síntese de tubulina, que apresenta uma herança recessiva.
Outro ponto é que, além das alterações no local de ação dos herbicidas, também podem ocorrer modificações que irão diminuir a absorção e/ou translocação de herbicidas. Um dos exemplos, e dos piores, é a metabolização de herbicidas a compostos menos tóxicos nas plantas daninhas. Por fim, o aumento do uso desses herbicidas ocasionou elevada pressão de seleção em espécies tais como o picão-preto, a buva, o leiteiro e a nabiça.
AgriBrasilis – O senhor disse que é necessário escolher herbicidas com menores chances de desenvolvimento de resistência. Quais são esses produtos?
Arthur Arrobas – Podemos usar como fonte de consulta uma base de dados que registra os casos de resistência no Brasil e no mundo: https://www.weedscience.org/Home.aspx.
Podemos observar pelo número e frequência dos dados que os mecanismos que menos possuem casos de resistência no Brasil são os inibidores da síntese de celulose, da fitoeno desaturase, inibidores da glutamina sintetase, da síntese de carotenoides, os inibidores da síntese de ácidos graxos de cadeia muito longa e inibidores da síntese de microtúbulos. É interessante notar que vários são mecanismos que possuem herbicidas registrados para aplicação em pré-emergência, conforme já citamos a importância em item anterior. Vale lembrar que essa informação é muito dinâmica e depende da evolução que ocorre nas plantas daninhas e a intensidade de uso de determinada(s) molécula(s). Daqui a cinco anos, essa informação pode estar ultrapassada.
AgriBrasilis – Como distinguir se a falha de controle é causada pela resistência das plantas daninhas ou por manejo incorreto?
Arthur Arrobas – Essa é uma tarefa que exige conhecimento por parte do agricultor ou dos técnicos de campo. Primeiramente podem ser observadas outras espécies após a aplicação. Essas espécies foram controladas? Se o produto falhou de um ano para o outro, para várias espécies, em uma aplicação, muito provavelmente houve uma falha de aplicação. Outro ponto: quais os sintomas de fitotoxicidade presentes nas plantas daninhas? Eles correspondem aos sintomas que deveriam ser observados para aquilo que foi aplicado? A exemplo, aplicamos um herbicida do tipo auxínico: as folhas ou caule encarquilharam? Houve epinastia?
Aproveitando essa observação, a análise pode ser feita dentro de uma só espécie. As plantas dessa espécie apresentam sintomas na totalidade da população ou existem plantas com sintoma e outras sem? Estas plantas com sintomas diferentes receberam o produto, nas mesmas condições de clima, de dose e estavam no mesmo estádio de desenvolvimento e tamanho? Se sim, é comum essa variação estar presente em casos de resistência que estão em processo de seleção. Não devemos confundir com a aplicação, por exemplo, de um inibidor de ALS que falha no controle de todas as buvas em uma área, em que essa seleção tem sido contínua ao longo dos anos.
Existem várias outras dicas: existe a falha de controle seguindo um padrão de uma ponta de pulverização que possa estar entupida ? Ou existe concentração de falhas nas beiras do talhão? As falhas estão distribuídas em reboleiras ou “casualizadas” dentro da área de produção? Nesse último caso, é maior a chance de resistência.
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