Plantas daninhas: é crucial ir além do controle químico

“A adubação verde desempenha papel significativo na supressão de diversas plantas daninhas…”

Patricia Andrea Monquero é professora titular da Universidade Federal de São Carlos, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Ciência das Plantas Daninhas e ganhadora da primeira edição da categoria ciência e pesquisa no Congresso Mulheres do Agro. Monquero é graduada em agronomia, mestre e doutora em fitotecnia pela USP.

Patricia Monquero, professora titular da UFSCar


AgriBrasilis – Plantas OGM (resistentes aos herbicidas) podem prejudicar o manejo de plantas daninhas?

Patricia Monquero – Plantas transgênicas devem ser encaradas como uma ferramenta de apoio no manejo de plantas daninhas no sistema agrícola convencional. Quando a soja RR chegou ao mercado brasileiro, por exemplo, foi crucial para o controle de plantas daninhas como Bidens pilosa (picão-preto), Euphorbia heterophylla (amendoim-bravo) e Urochloa plantaginea (capim-marmelada), que já tinham biótipos resistentes a herbicidas desde o início da década de 90, ou seja, antes da introdução dos transgênicos no Brasil. Isso resultava, na época, em aumento significativo nos custos de produção, especialmente na soja.

O grande problema reside na forma como os produtores utilizam essa tecnologia. Se o produtor não pratica a rotação de culturas e, dentro das culturas, a rotação de características de tolerância aos herbicidas, ele tende a utilizar sempre o mesmo herbicida, seja na soja, no milho ou no algodão, o que certamente acelera o surgimento de resistência dentro de sua área. Foi exatamente isso o que aconteceu com o glifosato: após a liberação das culturas transgênicas tolerantes a esse herbicida, logo tivemos o primeiro caso de plantas daninhas com biótipos resistentes.

“…ao aplicarmos continuamente o mesmo herbicida, ou herbicidas com o mesmo mecanismo de ação, selecionamos ao longo do tempo os indivíduos resistentes, eliminando os suscetíveis da área e permitindo que os resistentes predominem”

AgriBrasilis – Por que as plantas daninhas se tornam resistentes e quais são os diferentes mecanismos de resistência?

Patricia Monquero – Plantas daninhas apresentam uma vasta variabilidade genética, uma vez que não manipulamos seus genes como fazemos com as culturas. Portanto, dentro de uma população de plantas daninhas, existirão indivíduos com características que conferem resistência a determinados produtos, mas em frequência muito baixa. O que ocorre é que, ao aplicarmos continuamente o mesmo herbicida, ou herbicidas com o mesmo mecanismo de ação, selecionamos ao longo do tempo os indivíduos resistentes, eliminando os suscetíveis da área e permitindo que os resistentes predominem.

Existem diversos mecanismos de resistência. Por exemplo, a absorção pode ser impedida por barreiras que dificultam a entrada do produto na planta. A translocação diferencial dos herbicidas pode levar ao acúmulo dos produtos em vacúolos, onde não exercem sua função, ou pode ocorrer a morte rápida de algumas partes da planta para evitar a movimentação do produto.

As plantas podem também metabolizar os herbicidas em componentes não tóxicos antes que cheguem ao local de ação. Outro mecanismo é a mudança no local de ação do herbicida dentro da planta. Por exemplo, a enzima acetolactato sintase (ALS), alvo de muitos herbicidas, pode ser modificada em um aminoácido, fazendo com que o herbicida não a reconheça mais como alvo e a planta não seja afetada. Além disso, a planta pode superproduzir a enzima alvo, tendo mais cópias do que o normal, o que permite que o herbicida iniba a enzima, mas a planta ainda tenha o suficiente para continuar seu metabolismo normal.

AgriBrasilis – Quais as práticas agrícolas para minimizar o desenvolvimento de resistência?

Patricia Monquero – Podemos incorporar uma variedade de abordagens, além dos produtos químicos, incluindo métodos culturais, métodos preventivos, como a limpeza de carreadores, maquinários e canais de irrigação, além de cuidados adequados durante a entressafra e o uso de sementes certificadas.

Métodos mecânicos e biológicos sempre que possível também são opções viáveis. Além disso, novas tecnologias, como equipamentos que usam raio laser ou choque (esse mais antigo no Brasil) para matar as plantas podem ser consideradas. Quando se utilizam métodos químicos, é essencial planejar cuidadosamente e considerar a rotação de mecanismos de ação para evitar o desenvolvimento de resistência.

Essa abordagem integrada e multifacetada é fundamental para garantir o sucesso a longo prazo no manejo de plantas daninhas, e é conhecida como Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD).

AgriBrasilis – Que métodos de controle são indicados para plantas que já desenvolveram resistência?

Patricia Monquero – É crucial realizar um manejo adequado durante o período da entressafra e ir além do controle químico, considerando, por exemplo, o uso de coberturas vegetais. Quando se utiliza herbicidas, é fundamental seguir algumas precauções:

  • sempre aplique as doses corretas no momento apropriado, levando em consideração o estágio fenológico das plantas daninhas;
  • tome cuidado com condições ambientais adversas, como temperaturas extremas, baixa umidade relativa do ar e vento excessivo;
  • entenda completamente o equipamento utilizado para aplicar os herbicidas, realizando a regulagem e calibração de forma adequada;
  • e, acima de tudo, alterne os mecanismos de ação dos herbicidas para evitar o desenvolvimento de resistência, e sempre monitore a área.

AgriBrasilis – A mistura de agrotóxicos aumenta os impactos ambientais?

Patricia Monquero – Existem três possíveis resultados da mistura: aditivo, antagonista ou sinérgico. No caso do efeito aditivo, o resultado da mistura é o mesmo que se os produtos fossem aplicados separadamente.

O efeito antagonista resulta em uma eficiência menor do que se os produtos fossem utilizados separadamente, podendo ser físico (formação de grumos ou floculação da calda) ou químico (não visível).

O efeito sinérgico resulta em efeito maior do que a soma dos produtos aplicados separadamente. No entanto, é importante ter cautela com as misturas sinérgicas, pois, embora possam controlar as plantas daninhas de forma mais eficaz, também podem causar efeitos adversos na cultura (fitotoxicidade) e no ambiente. O ideal é buscar misturas que tenham um efeito aditivo nas culturas (com efeitos conhecidos, já que são produtos registrados) e um efeito sinérgico no alvo.

É crucial notar que a maioria dos estudos sobre o efeito das misturas se concentra no alvo e na cultura, negligenciando outros organismos não-alvo presentes no campo, como minhocas e abelhas. Portanto, é necessário expandir essa pesquisa para garantir a segurança e a sustentabilidade ambiental no uso de misturas de agrotóxicos.

AgriBrasilis – O que é a subdosagem de herbicidas e quais são suas consequências?

Patricia Monquero – Ao utilizar herbicidas para controlar plantas daninhas, é fundamental seguir a dose recomendada pela bula e evitar a subdosagem [dosagem abaixo do recomendado].

A subdosagem não é recomendada, pois pode acelerar a seleção de biótipos resistentes e não proporciona controle eficaz das plantas daninhas de forma geral. É importante ressaltar que existem situações específicas em que o uso de subdoses pode ser justificado, como na integração lavoura-pecuária, onde se busca retardar o crescimento da braquiária entre as fileiras de milho, ou para obter efeitos horméticos em culturas, como a aplicação de subdoses de glifosato em algumas culturas para estimular o crescimento. No entanto, é importante observar que esses são objetivos específicos e não relacionados ao controle de plantas daninhas.

AgriBrasilis – Por que é importante estudar o comportamento dos herbicidas no solo?

Patricia Monquero – Quando um agrotóxico é pulverizado, uma série de eventos pode ocorrer: ele pode atingir o alvo desejado, a cultura em crescimento, organismos não-alvo, volatilizar ou chegar ao solo. É crucial para os usuários desses produtos entender o comportamento dos agrotóxicos no ambiente, a fim de minimizar os efeitos adversos. Por exemplo, se sabemos que um agrotóxico tem propensão a volatilizar, é importante utilizar pontas de pulverização que produzam gotas mais pesadas e maiores, e aplicar em condições climáticas adequadas em relação à temperatura, umidade e vento.

Quando um agrotóxico atinge o solo, uma parte dele pode ser retida pela argila e matéria orgânica, enquanto outra parte pode permanecer livre na solução do solo, podendo ser absorvida pelas plantas ou interagir com os organismos presentes no solo, sejam eles vertebrados ou invertebrados. Além disso, há o risco de lixiviação, onde o agrotóxico pode contaminar as águas subterrâneas, ou o escorrimento superficial, onde ele pode ser levado pela água da chuva para corpos d’água próximos. Ignorar ou subestimar os aspectos de comportamento seria prejudicial tanto para a eficácia do manejo agrícola quanto para a saúde do meio ambiente.

AgriBrasilis – De que maneira a adubação verde pode suprimir a ocorrência de daninhas?

Patricia Monquero – A adubação verde desempenha papel significativo na supressão de diversas plantas daninhas, e por uma série de motivos. Primeiramente, certos adubos verdes, como feijão de porco, crotalária, aveia preta, sorgo, entre outros, possuem a capacidade de liberar substâncias químicas, conhecidas como aleloquímicos, tanto enquanto estão vivos quanto após o manejo. Essas substâncias atuam como herbicidas naturais, auxiliando na supressão de várias espécies de plantas daninhas, além de outros organismos, como nematoides.

Além disso, a palhada deixada sobre o solo pelos adubos verdes pode dificultar a germinação de espécies daninhas que possuem sementes muito pequenas ou que dependem da luz para germinar (fotoblásticas positivas). Isso ocorre porque a palhada cria uma barreira física e mecânica, que impede ou limita o acesso da luz às sementes no solo.

Por fim, a presença de uma maior quantidade de matéria orgânica no solo devido à decomposição dos adubos verdes pode promover um aumento na vida do solo. Isso pode incluir uma maior atividade de organismos benéficos, como predadores ou parasitoides, que se alimentam das sementes das plantas daninhas, contribuindo para sua supressão natural.

 

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