Déficit da indústria química dobrou em 10 anos, atingindo R$ 64,8 bilhões em 2022

indústria química

“…a produção local permaneceu estagnada nos últimos 10 anos e com capacidade ociosa próxima de 30%, desencadeando um risco iminente de desindustrialização…”

André Passos Cordeiro é presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química – Abiquim, foi executivo de relações institucionais da Innova S.A, secretário municipal de orçamento da Prefeitura de Porto Alegre e diretor da Companhia de Saneamento do Estado do Rio Grande do Sul.

Cordeiro é graduado em economia e mestre em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

André Passos Cordeiro, presidente-executivo da Abiquim


AgriBrasilis – O que é o Regime Especial da Indústria Química? O que o fim do REIQ pode representar para o país?

André Cordeiro – É um recurso criado em 2013 para reduzir a disparidade de custos entre a indústria local e a internacional: o imposto sobre o faturamento no Brasil é de 40% a 45%, enquanto concorrentes nos EUA e na Europa pagam apenas 20% a 25%. Também existe a questão da matéria-prima brasileira, como o gás natural, que custa três vezes mais do que em outros países.

O REIQ ficou suspenso entre abril e dezembro de 2022. Em 15 de dezembro de 2022, o Congresso Nacional derrubou o ‘veto 32’, que revogava a manutenção do REIQ até 2027. O regime especial já constava na lei sancionada pelo resultado da aprovação de projeto de conversão da Medida Provisória 1.095/2021. Ambos foram aprovados na Câmara e no Senado, em acordos coletivos com as lideranças partidárias. O veto contrariava amplo debate já realizado.

Felizmente, o Congresso entendeu a importância da derrubada do veto, evitando os impactos negativos que seriam gerados na indústria química, em toda a cadeia produtiva e sociedade em geral.

Com o fim do veto, voltará a valer o artigo que concede, a partir de 2024, 1,5% de crédito presumido a mais para quem investir em aumento de capacidade produtiva, estimulando investimentos, inclusive para a produção de fertilizantes.

É importante salientar o que representaria a extinção do REIQ e o retorno das alíquotas cheias: estariam em risco 85 mil postos de trabalho e uma redução de R$ 5,7 bilhões no PIB brasileiro. A capacidade competitiva do Brasil se tornaria mais fragilizada, gerando ambiente de extrema insegurança jurídica.

A regulamentação do REIQ ainda depende do Poder Executivo para passar a valer em 2023.

AgriBrasilis – O déficit na balança comercial de produtos químicos atingiu recorde de R$ 64,8 bilhões em 2022. O que motivou esse resultado? Quais as consequências?

André Cordeiro – O ano de 2022 não foi fácil para o Brasil e para a economia mundial. Iniciamos o ano ainda tentando recuperar perdas relacionadas a pandemia, e fomos pegos na contramão pelo conflito entre Rússia e Ucrânia e por todos os impactos dessa crise sobre a economia mundial, culminando no que se convencionou chamar de primeira crise mundial do gás natural.

A indústria química brasileira foi muito afetada, sendo dependente de matérias-primas e energia, em especial do gás. A crise impactou a dinâmica de preços do mercado internacional, culminando em recordes de custos de produção, logística, faturamento, importações, e também de déficit, que pressionaram fortemente o setor.

Quando considerada a soma dos segmentos que compõem a indústria química, o faturamento líquido alcançou R$ 969 bilhões em 2022, equivalente a US$ 187 bilhões. Contudo, em 2022 o Brasil registrou o maior déficit da história do segmento, alcançando US$ 64,8 bilhões. Em dez anos, o déficit da indústria química mais que dobrou de tamanho, em virtude do “Custo Brasil” e consequente falta de competitividade interna.

A participação dos produtos importados sobre o mercado local chegou a quase 50% em 2022, enquanto a produção local permaneceu estagnada nos últimos 10 anos e com capacidade ociosa próxima de 30%, desencadeando um risco iminente de desindustrialização.

AgriBrasilis – O que mudou para a indústria química nacional após a recente crise das cadeias de suprimentos globais?

André Cordeiro – O cenário pelo qual passa a indústria química só se intensificou com os últimos acontecimentos mundiais. O setor mostrou sua competência, resiliência e profissionalismo no enfrentamento das adversidades.

A indústria química brasileira é a 6ª maior do mundo, gera 2 milhões de empregos diretos e indiretos e representa 11% do PIB industrial. É o 3º maior setor industrial do PIB, com um faturamento líquido de US$ 187 bilhões. Líder em química de renováveis, é também o primeiro setor em arrecadação de tributos federais (13,1% do total da indústria), aproximadamente R$30 bilhões.

Esses números mostram a oportunidade que a indústria química brasileira tem para crescer. A redução do déficit comercial passa pelo aumento da competitividade e pelo aumento da produção local, visando o mercado interno e exportações. Existe enorme potencial competitivo, que pode ser aproveitado a partir da construção de um ambiente de negócios adequado e seguro juridicamente, reduzindo o “Custo Brasil”, combatendo a concorrência desleal com um bom sistema de defesa comercial, definindo carga tributária competitiva, viabilizando energia e matérias-primas com preços competitivos e, especialmente, acelerando o processo de transição energética, uso de matérias-primas renováveis e economia circular.

O Brasil possui vantagens comparativas que podem favorecer a produção local de químicos: significativas reservas de gás natural, muitas já em produção, e grandes fontes de energia e matérias-primas renováveis são exemplos. A indústria química brasileira é constituída por uma combinação de grandes grupos nacionais, empresas multinacionais, com longa tradição no país, e mais de 800 pequenos e médios empresários. Se medidas adequadas fossem adotadas para estimular investimentos, o Brasil poderia ter nos próximos anos uma das indústrias químicas mais fortes, pujantes e sustentáveis do mundo. A recriação de um importante canal de diálogo entre a indústria e o governo, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, por exemplo, já sinaliza uma excelente perspectiva.

AgriBrasilis – A produção de produtos químicos a partir de biomassa ou resíduos agrícolas é chave para o futuro da indústria química? Por quê? Qual o potencial da indústria química para a bioeconomia?

André Cordeiro – É uma das chaves. Ela está inserida na agenda da indústria química, construída a partir de quatro grandes missões, fundamentais para que a indústria se fortaleça e faça com que o país volte a prosperar. São elas:

Missão gás natural: objetiva viabilizar novas cadeias produtivas a partir da maximização do uso do gás natural como matéria-prima competitiva oriunda do pré-sal.

Missão bioprodutos: focada em ampliar a produção de químicos a partir de biomassa vegetal, substituindo insumos fósseis. Esses produtos são indutores de inovação e desenvolvimento tecnológico, com efeitos positivos no que diz respeito à economia circular e sustentabilidade.

Missão energias renováveis: o setor químico pretende diversificar sua matriz energética com fontes cada vez mais limpas, com baixa pegada de carbono e que já se encontrem com custo competitivo, como solar, eólica e biomassa, além de viabilizar a produção de hidrogênio e amônia “verdes”. São soluções que alavancam cadeias sustentáveis de químicos, bem como favorecem a produção eletrointensiva de tantos outros produtos da indústria química.

Missão saneamento: importante fomentar investimentos e propiciar ambiente favorável para desenvolvimento de oportunidades decorrentes do novo marco legal do saneamento básico.

AgriBrasilis – Qual a atuação da Abiquim no mercado de agroquímicos em geral? Quais os destaques do Relatório Anual da Abiquim sobre os agrotóxicos em 2022? 

André Cordeiro – No âmbito de atuação da Abiquim, os destaques são os defensivos agrícolas e os intermediários para fertilizantes. Esses segmentos são fundamentais e estratégicos para o desenvolvimento do setor agropecuário nacional. Somos vulneráveis e dependentes de defensivos e intermediários para fertilizantes importados.

Reduzir a dependência de importações é uma prioridade. Estamos apoiando a implementação do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes – Profert, que deve atrair investimentos na área de intermediários para fertilizantes. Para tanto, é fundamental que se encaminhe uma política pública destinada à solução da nossa falta de competitividade no gás natural.

No que diz respeito aos defensivos agrícolas, precisamos estimular a produção de produtos de maior valor agregado no país, com elevado nível de P&D e tecnologia.

O Brasil já teve uma participação maior na produção de defensivos, mas essa produção não acompanhou as atualizações e os desenvolvimentos dos produtos mais modernos. Precisamos mudar essa realidade. Uma das nossas metas é elevar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento sobre o faturamento do setor. Esse índice está hoje ao redor de 0,7%, mas o Brasil pode duplicar esse indicador.

AgriBrasilis – O senhor afirmou que o Brasil tem potencial para novas plantas de produção de nitrogenados com capacidade para 2 milhões de toneladas cada. Quais as etapas para que essas plantas sejam instaladas e por que são importantes?

André Cordeiro – Eu não diria etapas, mas sim medidas identificadas pelo setor e já levadas ao governo federal no início de 2023.

Apresentamos ao vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, ao ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia e ao ministro Fernando Haddad, da Fazenda, a agenda estratégia da indústria química e dados gerais do setor, enfatizando pontos sensíveis.

Destacamos a falta de um programa estruturado de apoio à indústria química, alinhado a uma proposta de reindustrialização, semelhante ao que diversos países ao redor do mundo estão fazendo. Inflation Reduction Act, Jobs Act e o programa do Shale Gas, são exemplos dos EUA que mobilizam bilhões de dólares. A União Europeia também tem seus planos e programas de sustentação da transição, além, de China, Japão, Índia e Coreia.

As plantas de produção de nitrogenados são importantes porque têm efeito multiplicador na economia. Elas representam geração de empregos e aumento de salários, arrecadação de impostos, balança comercial, multiplicação nas cadeias conexas. Atualmente, quase 80% dos fertilizantes nitrogenados consumidos no Brasil são importados.

AgriBrasilis – O que esperar da nova diretoria da Petrobras?

André Cordeiro – A escolha do senador Jean Paul Prates é um sinal positivo importante do novo governo em relação as perspectivas de fortalecimento da indústria química brasileira.

Prates esteve presente durante evento realizado pela ABIQUIM, o Encontro Anual da Indústria Química (ENAIQ), em 12 de dezembro de 2022, quando afirmou: “Preconceitos contra a indústria nacional haverão de ser deixados para trás. Queremos que ela aumente sua participação no PIB.”

Profundo conhecedor do setor petroquímico, Prates tem mantido diálogo com o setor químico ao longo dos últimos anos, e atuou pela manutenção do REIQ no Congresso Nacional.

No ENAIQ, ele reforçou sua visão sobre a importância do uso do gás do pré-sal como matéria-prima, para que sejam geradas mais riqueza e empregos em alinhamento com o cenário de transição energética, ESG e alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Sobre o papel do governo, declarou que não haverá preconceito contra a cooperação inteligente e moderada entre a indústria e o estado.

 

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