Registros de agrotóxicos pelo Ibama: indeferimento, reavaliação, priorização

“A reavaliação ambiental decorre do aparecimento de indícios de que os produtos, após entrarem no mercado, causam maior risco do que o que foi aferido na época em que a substância foi analisada…”

Área técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama.


AgriBrasilis – Qual o papel do Ibama no processo de registro de agrotóxicos? Quais as interações com o MAPA e a Anvisa?

IBAMA – O Ibama é responsável por realizar a avaliação ambiental de agrotóxicos – ou seja, avaliar os possíveis impactos ambientais desses produtos uma vez que eles sejam lançados no meio ambiente – dentro do processo de registro desses produtos, exigido pela Lei Federal nº 7.802/1989 e pelo Decreto 4.074/2002.

A legislação estabelece que os agrotóxicos somente poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados após estarem registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores de saúde, meio ambiente e agricultura. É o Ibama, portanto, o órgão que define as “diretrizes e exigências” no que diz respeito ao meio ambiente.

O processo de registro é complexo, envolvendo a atuação de três instituições, cada uma com papéis distintos.

A lei diz que cabe ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima realizar a avaliação ambiental de agrotóxicos, entretanto essa competência foi delegada ao Ibama, por ser este o órgão executor das ações de políticas ambientais de meio ambiente referentes às atribuições federais.

À Anvisa compete realizar a avaliação toxicológica, por meio da qual são analisados os riscos à saúde em decorrência do uso de agrotóxicos.

O papel do MAPA é avaliar a eficiência agronômica dos agrotóxicos e, como a maioria dos produtos se destina ao uso agrícola, é o MAPA quem conclui o processo, concedendo o registro aos produtos que obtiverem pareceres favoráveis do Ibama e da Anvisa.

Desse modo, considerando a obrigatoriedade de anuência dos três órgãos para a concessão de um registro de agrotóxico, diversas são as interações entre Ibama, MAPA e Anvisa com o objetivo de harmonizar entendimentos, propor critérios e procedimentos técnico-científicos e administrativos nos processos de registro e alteração de registro.

Também é necessária interação entre os órgãos para analisar propostas de edição e alteração de atos normativos, o que pode ser observado nas diversas Instruções Normativas Conjuntas publicadas.

AgriBrasilis – Como é realizada a avaliação de periculosidade ambiental de agrotóxicos? Que fatores são considerados?

Ibama – A avaliação de periculosidade ambiental é um processo de análise que demanda conhecimentos muito especializados. Ela é focada no perigo, ou seja, na toxicidade (capacidade de causar dano a um ser vivo) daquela substância ou produto ao meio ambiente. Para que essa análise possa ser realizada o interessado em obter o registro deve apresentar uma série de estudos ambientais, que constituirão o “dossiê do produto”.

A partir da análise do dossiê, é possível conhecer as características intrínsecas de cada produto, tais como propriedades físico-químicas, toxicidade inerente (toxicidade a micro-organismos do solo, minhocas, algas, peixes, microcrustáceos, abelhas, aves e mamíferos) persistência, bioacumulação e transporte. Com base nesses conhecimentos, é possível prever o comportamento do produto no meio ambiente e quais poderão ser seus efeitos sobre os organismos não-alvo. Dessa forma, é possível aferir o nível de perigo daquela substância para o meio ambiente, a fim de classificá-la dentre 4 classes possíveis, segundo abaixo:

Classe I – Produto ALTAMENTE PERIGOSO ao meio ambiente;

Classe II – Produto MUITO PERIGOSO ao meio ambiente;

Classe III – Produto PERIGOSO ao meio ambiente; e,

Classe IV – Produto POUCO PERIGOSO ao meio ambiente.

A classificação do PPA tem por finalidade proporcionar objetividade na seleção de substâncias, permitir a comparação entre elas e, ainda, a depender das classificações obtidas por cada produto, advertir o usuário em relação ao uso seguro, por meio de frases de advertência em rótulo e bula, visando evitar acidentes decorrentes da utilização inadequada do produto.

Uma explicação mais detalhada sobre esse processo, que é complexo e não poderia ser reduzido a apenas algumas linhas , pode ser encontrado no site do Ibama, no seguinte link:

https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/quimicos-e-biologicos/agrotoxicos/avaliacao-ambiental/avaliacao-ambiental-para-registro-de-agrotoxicos-seus-componentes-e-afins-de-uso-agricola

AgriBrasilis – Que fatores são considerados para a priorização da avaliação de registro?

Ibama – São analisados com prioridade os produtos considerados como de baixa toxicidade – tais como os biológicos, microbiológicos e semioquímicos,  os produtos destinados à agricultura orgânica, e os produtos técnicos – ingredientes ativos – novos “inéditos”, a fim de incentivar o registro de moléculas novas, que tendem a apresentar menor impacto ambiental.

Também são priorizados os produtos que o MAPA indicar que devem ser analisados prioritariamente, com base no § 3º do Art. 15 do Decreto 4.074/2002, os processos listados pelo MAPA no âmbito da Portaria SDAnº 581, de 26 de maio de 2022 (https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas/agrotoxicos/resultadofinalanexoII.pdf).

AgriBrasilis – Quais os critérios para que um ingrediente ativo seja reavaliado do ponto de vista ambiental e por quê? Qual a responsabilidade das empresas detentoras de registros?

Ibama – A reavaliação ambiental decorre do aparecimento de indícios de que os produtos, após entrarem no mercado, causam maior risco do que o que foi aferido na época em que a substância foi analisada para registro.

De acordo com o inciso VI do art 2° do Decreto 4.074/2002, a reavaliação ambiental de registro de agrotóxicos deve ser realizada quando surgirem indícios da ocorrência de riscos que desaconselhem o uso de produtos registrados ou quando o país receber alerta nesse sentido emitido por organizações internacionais de saúde, alimentação ou meio ambiente responsáveis por acordos nos quais o Brasil conste como signatário.

Os procedimentos administrativos para a reavaliação ambiental dos agrotóxicos, seus componentes e afins, no âmbito do Ibama, estão disponíveis na Instrução Normativa 17/20091.

Assim, a depender do peso das evidências que podem vir de artigos científicos, ocorrências de mortandades massivas, denúncias, fiscalização, restrição do produto em outros países, etc, indicando que o uso autorizado de agrotóxicos esteja oferecendo riscos inaceitáveis a alguns organismos não-alvo, o ingrediente ativo é passível de reavaliação, ou seja, o Ibama pode iniciar o processo de revisão daquele registro com base em novos indícios.

Para essa revisão, serão exigidos mais estudos, que deverão ser conduzidos pelas empresas detentoras dos produtos, a fim de confirmar ou rebater os indícios.

Diante do indicativo de efeitos adversos a abelhas, observados em estudos científicos e em diversas partes do mundo, o Ibama reavaliou os ingredientes ativos imidacloprido2 e clotianidina3, e está realizando a reavaliação do tiametoxam4 e fipronil5.

Mais informações estão disponíveis no site do Ibama:

https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/quimicos-e-biologicos/agrotoxicos/reavaliacao-ambiental/reavaliacao-ambiental#sobre-a-reavaliacao-ambiental

No processo de reavaliação ambiental, cabe às empresas detentoras de registro: apresentar os documentos e informações dispostos no Anexo II da Instrução Normativa Ibama nº 17; realizar testes ou estudos/ensaios experimentais, especialmente em condições ambientais brasileiras, conforme solicitações do Ibama; apresentar argumentação técnica cientificamente suportada (contradita) relativa ao parecer técnico inicial; participar na consulta pública; e cumprir as conclusões da reavaliação.

AgriBrasilis – Quais as diferenças para a avaliação de produtos equivalentes; produtos biológicos; e para a agricultura orgânica?

Ibama – Segue uma breve explicação sobre os diferentes tipos de registro que podem ser concedidos. Esses registros possuem requisitos, complexidades e ritos diferentes. São eles:

Produto Técnico (PT): Ingrediente ativo em seu mais alto grau de pureza, que dará base a diversos produtos formulados. É o que confere ao agrotóxico a sua ação esperada (herbicida, inseticida, fungicida, etc), portanto, é a substância que produz a toxicidade dos produtos. O PT somente pode ser utilizado no ambiente industrial, para a fabricação dos produtos formulados. De todos os tipos de registro, é a análise mais demorada e complexa, e a que exige mais estudos. Para o registro de um PT no Ibama é exigida a apresentação de, no mínimo, 41 estudos ambientais, que auxiliarão a definir o perfil ambiental da molécula, seu provável comportamento no ambiente e os possíveis efeitos sobre os organismos não-alvo, além da avaliação de risco ambiental, para os casos das moléculas novas.

Produto formulado (PF): são os produtos “de prateleira”, destinados a venda para os produtores. Um produto formulado é constituído do PT + outros componentes, os quais conferem diferentes propriedades ao produto (como, por exemplo, maior aderência, melhor distribuição nas folhas, etc). Para a análise de um PF no Ibama, o interessado em obter o registro precisa apresentar um conjunto de (no mínimo) mais 19 estudos, além dos 41 estudos ambientais exigidos para o produto técnico que embasa o registro do formulado.

Produto Técnico Equivalente (PTE): Produto cuja análise é feita por meio da comparação química e, quando necessário, do perfil toxicológico/ecotoxicológico com um PT de dossiê completo já registrado e considerado produto de referência, que é quem possui o dossiê completo dos estudos. É, portanto, uma análise mais célere,  pois são apresentados apenas alguns estudos-chave que dão base para a comparação com o produto técnico de referência.

Produto Formulado Equivalente (PFE, ou “genérico”): são os produtos “de prateleira”, que são destinados a venda para os produtores, constituído de PTE + os componentes, os quais conferem diferentes propriedades ao produto (como, por exemplo, maior aderência, melhor distribuição nas folhas, etc). Para a análise de um PFE no Ibama o interessado em obter o registro precisa apresentar um conjunto de no mínimo mais 19 estudos, com dispensa dos 41 estudos ambientais exigidos para o produto técnico, uma vez que este formulado tem como base um PTE.

Produto Formulado com carta de autorização de cessão de dados  (PFC): consiste em um produto cuja composição qualitativa e quantitativa é igual a outro PF já avaliado pelo Ibama, portanto os estudos referentes ao produto que está pleiteando o registro já foram avaliados. As únicas alterações permitidas são: empresa requerente, marca comercial, embalagem, formulador, manipulador, produto técnico, culturas e indicação de uso, respeitando as doses máximas utilizadas nos estudos de microorganismos de solo.

Produto Formulado Equivalente com carta de autorização de cessão de dados (PFCE): consiste em um produto cuja composição qualitativa e quantitativa é igual a outro PFE já avaliado pelo Ibama, ou seja, que obteve registro por equivalência (comparação). As únicas alterações permitidas são: empresa requerente, marca comercial, embalagem, formulador, manipulador, produto técnico, culturas e indicação de uso, respeitando as doses máximas utilizadas nos estudos de microorganismos de solo.

O conceito legal de agrotóxicos se aplica não só aos químicos, como também a vários produtos de origem biológica utilizados com a finalidade de controlar “seres vivos considerados nocivos”, ou seja, pragas agrícolas. Assim, todos os produtos de baixa periculosidade (sejam eles microbiológicos, agentes biológicos de controle, semioquímicos ou bioquímicos) irão se enquadrar na legislação de agrotóxicos.

Produtos para agricultura orgânica seguem um rito próprio para seu registro. A avaliação dos produtos biológicos (uso convencional) e produtos fitossanitários para uso na agricultura orgânica (FITORG) é diferenciada, ainda que estejam submetidos ao conceito de agrotóxicos e afins, definido pela Lei nº 7.802/89. Esses produtos apresentam peculiaridades, pois são menos agressivos ao meio ambiente (de forma geral), em razão, por exemplo, da baixa contaminação ambiental por resíduos. As exigências para o registro desses produtos são menores.

Recomendamos visitar os links indicados para complementação das informações:

Produtos Fitossanitários para uso na Agricultura Orgânica:

https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/quimicos-e-biologicos/registro-de-produtos-para-agricultura-organica

Produtos de Biológicos Convencionais

https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/quimicos-e-biologicos/agrotoxicos/registros/registro-de-produtos-de-baixa-periculosidade

AgriBrasilis – Qual a porcentagem de produtos que são reprovados, indeferidos ou apresentam pendências?

Ibama – Não há levantamento sobre o percentual de produtos que apresentaram algum tipo de pendência durante a avaliação.

Sobre a porcentagem de produtos indeferidos para fins de registro, há dados sistematizados a partir de 2018, conforme tabela a seguir:

O indeferimento do produto ocorre após a finalização de todos os trâmites administrativos de exigências, contraditório e ampla defesa. Muitos requerimentos são harmonizados ou arquivados durante esses trâmites, o que gera um baixo percentual de indeferimento.

Para os produtos do tipo Biológico e FITORG, os indeferimentos acontecem geralmente por questões administrativas, como falta de documentos, e não por questões técnicas que impeçam o registro.

Referências:

1- http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBAMA/IN0016-290509.PDF

2 – https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/comunicado-n-9630881-de-31-de-marco-de-2021-311932615

3 – https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/comunicado-n-11609968-de-23-de-dezembro-de-2021-370754714

4 – https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/quimicos-e-biologicos/agrotoxicos/arquivos/07-Comunicado_01_2014_reav_Tiametoxan_Clotianidina_10abr2014.pdf

5 – https://www.in.gov.br/web/dou/-/comunicado-n-13577989-de-8-de-setembro-de-2022-428502428

 

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