“As videiras são tratadas com produtos naturais, não deixando resíduos no meio ambiente. Há quatro anos temos áreas de Chardonnay e de Tannat com manejo 100% orgânico, que consiste na aplicação de adubos orgânicos e microrganismos no solo e nas folhas, que competem naturalmente com as pragas que atingem as parreiras.”
Gabriela Hermann Pötter é sócia proprietária e diretora da Vinícola Guatambu, agrônoma pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestre em ciência e tecnologia dos alimentos pela Universidade Federal de Santa Maria.
Valter José Pötter é diretor proprietário da Estância Guatambu, em Dom Pedrito, Rio Grande do Sul, e médico veterinário. Valter José também foi presidente da Associação dos Vinhos da Campanha Gaúcha.
A Campanha Gaúcha produz mais de 30% dos vinhos finos brasileiros, atrás apenas da Serra Gaúcha, que até os anos 70 foi única região produtora do país.
Hoje a Campanha é roteiro de enoturismo, em território moldado pelo bioma Pampa, compartilhado com Uruguai e Argentina. A região é formada por 13 cidades, agregando 17 vinícolas.
Há anos o Rio Grande do Sul tem enfrentado problemas de deriva de agrotóxicos, principalmente 2,4-D e outros herbicidas hormonais, o que tem prejudicado a produção vinícola.
AgriBrasilis – Quais os principais fatores que possibilitaram o desenvolvimento da viticultura na região dos Pampas? Qual variedade melhor se adaptou ao solo e clima?
Gabriela e Valter Pötter – A Campanha Gaúcha é uma região com características geológicas e climáticas que se assemelham às das melhores vinícolas do mundo do hemisfério sul. Localizada no extremo sul do Rio Grande do Sul, a Campanha faz fronteira com o Uruguai, na latitude 31. A região tem estações do ano bem definidas, verões quentes ensolarados e com pouco volume de chuvas, além de invernos com frio constante.
Essas características citadas conferem uma maturação ideal das uvas, com equilíbrio entre concentração de açúcar, acidez e taninos maduros, que resulta em vinhos ao mesmo tempo frutados, estruturados e encorpados.
As variedades de uvas tintas que melhor se adaptaram à região foram Tannat e Cabernet Sauvignon. No caso das uvas brancas, as melhores adaptadas foram Chardonnay, Gewurztraminer e Sauvignon Blanc.
AgriBrasilis – O que caracteriza um vinho de qualidade?
Gabriela e Valter Pötter – Vinhos elaborados com uvas sadias, colhidas na maturação completa. Isso significa que além do equilíbrio entre concentração de açúcar, álcool e acidez, esses vinhos apresentam maturação fenólica: os polifenóis da uva, concentrados nas cascas e sementes, amadureceram na planta devido às horas de sol e calor acumuladas, resultando em vinhos com aromas atraentes e estruturados e mais macios no paladar.
Observamos que os clientes dos vinhos Guatambu procuram vinhos com frescor, notas frutadas e com bom volume em boca, e também apreciam muito rótulos e uvas mais exóticas, como nosso Lendas do Pampa Tempranillo e Luar do Pampa Gewürztraminer, além do vinho laranja Veste Amarela e do espumante tinto Guatambu Noir de Merlot.
AgriBrasilis – Como é realizado o manejo de pragas e o protocolo de adubação das videiras?
Gabriela e Valter Pötter – As videiras são tratadas com produtos naturais, não deixando resíduos no meio ambiente.
Há quatro anos temos áreas de Chardonnay e de Tannat com manejo 100% orgânico, que consiste na aplicação de adubos orgânicos e microorganismos no solo e nas folhas, que competem naturalmente com as pragas que atingem as parreiras.
No restante do vinhedo procuramos utilizar produtos naturais, como aminoácidos para aumentar a imunidade das plantas, extrato de algas e o fungo Trichoderma para auxiliar na atividade de absorção de nutrientes das raízes. Em alguns momentos temos que utilizar algum fungicida químico.
AgriBrasilis – A deriva de agrotóxicos, em especial do 2,4-D, é um problema nas plantações de uva no RS?
Gabriela e Valter Pötter – O 2,4-D é um princípio ativo de herbicidas utilizados em áreas que estão sendo preparadas para plantio de lavouras e pastagens, com objetivo de eliminar ervas daninhas como a buva, muito presente no Rio Grande do Sul.
O 2,4-D causa a morte das plantas frutíferas novas e atrofia as plantas adultas, com enrugamento das folhas e abortamento da floração, o que consequentemente leva a não frutificação ou frutificação de frutas sem aproveitamento em razão da falta de vigor da planta.
Importantes características deste composto químico são sua volatilidade e deslocamento. Facilmente o 2,4-D se espalha além da área de aplicação em razão do vento, calor, umidade, técnicas inadequadas de aplicação (baixa vazão, gota fina, alta velocidade, horário impróprio) entre outros fatores.
O 2,4-D age nas plantas dicotiledôneas, ou seja, plantas de folhas largas como a erva daninha buva, mas também atingindo culturas importantes para a diversificação econômica do Rio Grande do Sul como nogueiras, oliveiras, macieiras, videiras, ameixeiras, pessegueiros, hortaliças, tabaco além de plantas e pastos nativos.
AgriBrasilis – Que prejuízos a deriva causa às videiras? Há uma estimativa de quantas garrafas de vinho deixaram de ser produzidas devido o herbicida 2,4-D em 2020? E qual é o prejuízo financeiro estimado?
Gabriela e Valter Pötter – Há cinco anos a região central do Rio Grande do Sul, no município de Jaguari, começou a sentir os primeiros efeitos visíveis da ação da deriva do 2,4-D no cultivo de uvas americanas e híbridas para elaboração de vinho de mesa, atividade econômica desenvolvida por cooperativas de pequenos produtores.
Os efeitos no restante das regiões do Estado logo começaram a aparecer de forma visível, e desde então vêm se espalhando por diversas culturas sensíveis, como na fruticultura ou em plantas e pastos nativos em todo o território.
É importante ressaltar que o problema da deriva do 2,4-D não é localizado, mas atinge todo o Rio Grande do Sul. A Secretaria de Agricultura elegeu 24 municípios prioritários localizados em várias regiões geográficas do Estado para acompanhamento mais próximo.
O problema da deriva do 2,4-D traz impactos econômicos em mais de 12 culturas sensíveis. Com o passar dos anos, pela falta de uma solução eficiente para o problema, ocorre o agravamento do impacto ambiental e social causado pela deriva. As infrações ambientais se repetem ano após ano com perdas entre 30% e 50%, em média, e em alguns casos chegando até 90% de perda.
Em um levantamento constando 42 produtores de uvas, na metade sul do Estado, concluiu-se que a produção é reduzida em torno de 780.000 kg de uvas, o que resulta em menos um milhão de garrafas de vinho.
AgriBrasilis – Em 2017 a vinícola recebeu o Selo Solar do Instituto Ideal em parceria com a WWF. Quais medidas tornaram possível a obtenção desse selo que garante a sustentabilidade na produção?
Gabriela e Valter Pötter – Trabalhar de forma sustentável é uma das nossas essências, que nos permite produzir de forma equilibrada e em harmonia com a natureza.
O investimento nos três parques solares da Vinícola e da Estância Guatambu (fazenda) foi de R$3,5 milhões, gerando 804.000 kw/ano a partir das 1.424 placas solares, o que representa um consumo médio de 150 residências urbanas.
O primeiro parque solar foi instalado em 2017. Atualmente os três parques atendem 100% a demanda energética da Vinícola, alimentando silos, secadores de grãos e armazenagem de grãos, fábrica de ração, bombas de irrigação e pivô central de irrigação.
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