Seca em MT reduz potencial da soja e aperta janela do milho

Published on: November 27, 2025

“O atraso no plantio pode reduzir o potencial produtivo e comprometer a janela da segunda safra…”
Luiz Gustavo Moretti é sócio fundador da Field Science, startup vinculada à UNESP de Botucatu, dedicada ao teste e validação de
pesquisas agronômicas.
Moretti é engenheiro agrônomo, mestre em sistemas de produção e doutor em agricultura pela Unesp de Botucatu.

AgriBrasilis – Diante da estiagem em MT, faz sentido falar em quebra de safra?

Luiz Moretti – Precisamos separar as coisas. Sempre que uma cultura  está sob estresse abiótico ou biótico, há redução do potencial produtivo. Mas “quebra de safra” costuma ser usada quando há períodos longos de estresse–seca prolongada, muitos dias nublados, etc. Até o momento, não estamos diante de um estresse tão prolongado que justifique falar em quebra de safra, e sim em algum nível de estresse na cultura, que pode reduzir a produtividade, mas não em patamares que indiquem grandes porcentagens de quebra.
AgriBrasilis – Como a seca tem afetado o desenvolvimento inicial das lavouras?
Luiz Moretti – A seca, esse estresse abiótico, é hoje um dos principais problemas em todas as regiões produtoras do Brasil. Quando ela ocorre
na instalação, na semeadura ou na colheita, os efeitos ficam ainda mais evidentes. No estabelecimento da lavoura é crítico, porque a população inicial de plantas é um dos componentes que determina a produtividade. Se não tenho uma população inicial adequada, isso repercute na população final e interfere na produtividade. É apenas um dos componentes de produção, mas é um dos principais.
AgriBrasilis – Quais regiões do estado foram mais impactadas?
Luiz Moretti – As regiões mais prejudicadas no Mato Grosso pelos períodos de veranico, até agora, são as do Centro-Oeste do Estado, uma área de transição, ainda com muitas áreas de bioma Cerrado. Mais ao norte, predomina o clima amazônico. Então, essa faixa central, em direção a Tangará da Serra, é onde tivemos veranicos mais acentuados.
AgriBrasilis – O atraso no plantio pode comprometer o potencial produtivo e a janela da segunda safra?
Luiz Moretti – Com certeza. O atraso no plantio pode reduzir o potencial produtivo e comprometer a janela da segunda safra. A soja tem uma janela de semeadura muito bem definida nas principais regiões, como Paraná e Mato Grosso. Se eu atraso demais, por exemplo entrando com semeadura na segunda quinzena de novembro, acabo comprometendo a janela de semeadura e a condução do milho segunda safra. No Paraná, um milho tardio, semeado no final de fevereiro ou início de março, fica muito suscetível a geadas. No Mato Grosso, um milho semeado nesse período fica muito mais sujeito a estresse hídrico e seca.
AgriBrasilis – De que forma o estresse hídrico interfere na absorção de nutrientes e na microbiota do solo?
Luiz Moretti – O estresse hídrico interfere na absorção de nutrientes porque muitos deles chegam à raiz por fluxo de massa, que depende da água no solo. O magnésio é um exemplo: o contato do magnésio com a raiz ocorre via fluxo de massa, então, se não há água, a planta não consegue absorver esse nutriente. Posso ter um solo com fertilidade adequada, mas, para esses nutrientes dependentes de fluxo de massa, sem água não há absorção, e a planta pode mostrar sintomas de
deficiência.
Para a microbiota, a umidade também é fundamental. Esses micro-organismos sobrevivem melhor em faixas de temperatura em torno de 25–28ºC, com matéria orgânica e oxigênio no solo. Em períodos de estiagem prolongada, a população de muitos grupos microbianos decresce, porque o ambiente deixa de ser favorável. Em condições de seca e solo muito quente, perdemos diversidade de micro-organismos, justamente por não haver condições adequadas para seu desenvolvimento
AgriBrasilis – Que práticas de manejo podem ajudar a reduzir as perdas e preservar a fertilidade do solo?
Luiz Moretti – As práticas são bem conhecidas, mas pouco aplicadas. O próprio sistema de plantio direto já tem quase 50 anos, mas raramente seguimos bem os três pilares. Fazemos muita sucessão soja–milho, mas quase não fazemos rotação de culturas com plantas de cobertura, para quebrar ciclos de patógenos e doenças dessa “dobradinha” soja e milho. Hoje, confundimos sucessão com rotação de culturas: sucessão é repetir soja e milho; rotação envolve introduzir plantas de cobertura e outras espécies. Entre as práticas importantes estão: fazer rotação de culturas, reduzir ao mínimo o revolvimento do solo, manter o solo coberto com palhada e matéria orgânica, estocar carbono, construir um bom perfil químico e estrutural, sem restrições físicas. São práticas já muito bem descritas, mas pouco empregadas, que ajudam a reduzir perdas e preservar a fertilidade.
AgriBrasilis – A irregularidade climática pode aumentar a pressão de pragas e doenças?
Luiz Moretti – Sim, a irregularidade climática pode aumentar a pressão de pragas e doenças. Em condições de temperaturas muito elevadas, posso ter desequilíbrios entre os inimigos naturais e as espécies que são pragas ou patógenos. Ao alterar o ciclo biológico desses inimigos naturais em relação às pragas e doenças, posso ter um aumento muito drástico das espécies prejudiciais aos sistemas produtivos.