“…é o bioma com a maior área absoluta desmatada em um único ano…”
Dhemerson Conciani é pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM e do MapBiomas, formado em ecologia, com mestrado pela Unesp.

Dhemerson Conciani, pesquisador MapBiomas
AgriBrasilis – Está faltando água no Cerrado?
Dhemerson Conciani – Não falta água no Cerrado. Na verdade, o bioma fechou 2024 com a maior superfície de água desde o inicio do monitoramento, em 1985. O que acontece é uma distribuição desigual dessa água.
Cerca de 60% de toda água do bioma está em corpos hídricos artificiais (hidrelétricas e reservatórios), que experimentaram um aumento de 93% em sua superfície entre 1985 e 2024. Por outro lado, os corpos hídricos naturais, como os rios e riachos, apresentaram uma redução de 28% nos últimos 40 anos.
AgriBrasilis – Os incêndios devastaram 88 milhões de hectares nos últimos 39 anos no bioma. Qual o panorama atual?
Dhemerson Conciani – O Cerrado evoluiu adaptado a presença de fogo natural, mas as pressões exercidas pelas populações humanas têm cada vez mais levado a vegetação do bioma a limites extremos, causando degradação por alta recorrência do fogo ou mesmo a ocorrência de incêndios em áreas sensíveis, como o Cerradão e as matas de galeria.
Em 2024, cerca de 16% de toda a área queimada ocorreu em formações florestais, altamente sensíveis ao fogo, degradando cerca de 6,5 milhões de hectares.
AgriBrasilis – Quais as regiões mais vulneráveis?
Dhemerson Conciani – O Matopiba, encontro dos estados do Maranhão, Tocantins, Piaui e Bahia concentra hoje os maiores contínuos de vegetação nativa do bioma. Apesar de ocupar 30% do território do bioma, quase metade (48%) de toda a vegetação nativa remanescente do Cerrado está na região. Por outro lado, a região concentrou cerca de 41% de todo o desmatamento do Cerrado nas últimas quatro décadas, sobretudo para expansão de áreas de agricultura (que cresceram 24x) e, em menor escala, de pastagens.
“…houve queda no desmatamento em todos os biomas entre 2023 e 2024, de 16% para Amazônia e de 41% para o Cerrado.“
AgriBrasilis – É possível recuperar as áreas degradadas?
Dhemerson Conciani – O Cerrado tem hoje 10 milhões de hectares de vegetação secundária, aquela que já passou por desmatamento e está em processo de regeneração natural. São áreas extremamente importantes para o incremento de áreas naturais e provisão de serviços para as propriedades rurais, como por exemplo a proteção de nascentes, polinização de lavouras e aumento no estoque de carbono. São áreas de baixo custo para manutenção e com alto potencial de regeneração, e, portanto, devem ser priorizadas em políticas de restauração e recuperação de áreas degradadas.
AgriBrasilis – O desmatamento está caindo no Cerrado mas aumentando na Amazônia. Por quê?
Dhemerson Conciani – Segundo dados do Relatório Anual dom Desmatamento (RAD), houve queda no desmatamento em todos os biomas entre 2023 e 2024, de 16% para Amazônia e de 41% para o Cerrado. Contudo, o desmatamento no Cerrado respondeu por 52% de todo o desmatamento no Brasil em 2024: é o bioma com a maior área absoluta desmatada em um único ano, cerca de 650 mil hectares, o que é um valor alto e bastante representativo.
AgriBrasilis – Que tecnologias o MapBiomas emprega para realizar o monitoramento ambiental?
Dhemerson Conciani – O MapBiomas usa dados de sensoriamento remoto das principais agências espaciais e empresas privadas do planeta, como por exemplo da agencia espacial americana (NASA), da agência espacial europeia (ESA) e de empresas privadas como a Planet. São essencialmente imagens de satélite com resoluções espaciais que variam de 5 – 30 metros em diversos canais espectrais. Todo o processamento é feito de forma colaborativa por especialistas em cada bioma e tema através de computação em nuvem na infraestrutura do Google, em plataformas como o Google Earth Engine com o uso de inteligência artificial e aprendizagem de máquina.
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