“O MPF atua nos processos sancionadores do CADE e nosso papel é exatamente verificar se existem irregularidades a serem punidas ou sanadas…”
Ubiratan Cazetta é procurador, representando o Ministério Público Federal – MPF junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará.

Ubiratan Cazetta, MPF
AgriBrasilis – Quais os prós e contras da moratória da soja?
Ubiratan Cazetta – A moratória da soja é uma experiência que já conta quase 20 anos e que, na visão da atuação ambiental do Ministério Público Federal, efetivamente demonstra resultados na contenção do avanço do desmatamento na Amazônia, sem impedir o crescimento da atividade produtiva, que se deu em áreas consolidadas de desmatamento, com a exclusão de plantio em locais de desmatamento ilegal ou nos quais tenha sido constatado trabalho em condições análogas à escravidão.
Os dados apontam que, entre 2006 e 2023, a área de plantio de soja na Amazônia teve um crescimento da ordem de 427%, muito superior ao que se observou em outras regiões do Brasil (que ficou na casa de 115%). De outro lado, apenas 2,4% do desmatamento ocorrido no período esteve associado à expansão do plantio de soja no bioma.
O combate ao desmatamento centrado exclusivamente em estratégia de comando e controle (fiscalizações e multas, por exemplo), embora tenha um papel decisivo, não é suficiente para dar respostas ao desafio, sendo imprescindíveis estratégias de autorregulação setorial, com incentivos econômicos ao desenvolvimento sustentável.
Portanto, no aspecto ambiental, a moratória da soja é um dos exemplos bem-sucedidos de atuação conjunta do setor produtivo e dos órgãos estatais em busca da racionalidade no uso dos ativos ambientais.
As críticas à moratória da soja não conseguiram apontar, até aqui, quais as infrações concorrenciais que ela acarreta. Há uma discussão subjacente quanto ao desincentivo econômico a abertura de novas áreas de desmatamento na Amazônia para plantio da soja, mas a discussão acaba tendo um viés essencialmente ambiental e não propriamente concorrencial.
AgriBrasilis – O senhor considera que a moratória restringe a livre concorrência?
Ubiratan Cazetta – Com os dados até aqui levantados, não é possível afirmar que a livre concorrência esteja afetada pela moratória da soja. Mas é importante entender o que se compreende como livre concorrência e isto nos obriga a lembrar que a livre concorrência não existe sozinha, focada em si mesmo, porque deve também trazer elementos que envolvam a defesa do consumidor e a defesa do meio ambiente, o que inclui um tratamento diferenciado (a partir do impacto ambiental) dos produtos ofertados.
Ao pensarmos em livre concorrência em que um produto seja oriundo de área de desmatamento já consolidado (na forma do Código Florestal) e outra que pretenda ser produzido com a ampliação do desmatamento, estamos falando de produtos com pesos de degradação ambiental diferentes e que, por tal razão, podem ter tratamento diferenciado.
“...não foram diretamente identificados nos últimos 20 anos e que demonstrem a urgência de suspender a moratória“
AgriBrasilis – O Brasil perde credibilidade se abrir mão do acordo?
Ubiratan Cazetta – A cobrança do mercado (externo, especialmente) sobre a sustentabilidade dos produtos oriundos da Amazônia é um fato e que tem impactos sobre o acesso a determinados mercados, assim como impactos sobre o valor do produto a ser comercializado. Sem uma garantia de que a soja brasileira não tem ligação com o aumento do desmatamento na Amazônia ou com outras práticas insustentáveis ambientalmente, é fácil inferir que o produto brasileiro pode ser alvo de restrições.
AgriBrasilis – O que se espera após a suspensão da decisão do CADE?
Ubiratan Cazetta – A medida preventiva é apenas uma das ferramentas que o CADE pode utilizar para conter uma atuação anticoncorrencial e ela exige uma série de requisitos que demonstrem sua urgência.
O que se discute, neste momento inicial, é se estão presentes elementos que aparentemente não foram diretamente identificados nos últimos 20 anos e que demonstrem a urgência de suspender a moratória. Mas a discussão não se encerra na medida preventiva e o CADE terá condições de investigar se existem práticas anticoncorrenciais e, se existentes, adotar medidas para corrigir as falhas, sem que, necessariamente, estejamos falando de uma decisão binária, em que a resposta é sim ou não para a moratória.
Ao final da investigação, o CADE pode concluir que nada ilegal ocorreu, sob o aspecto da defesa da concorrência, ou que identificou medidas que precisam ser tomadas para evitar que venham a ocorrer.
AgriBrasilis – Qual é a atuação do MPF nesse processo?
Ubiratan Cazetta – O MPF atua nos processos sancionadores do CADE e nosso papel é exatamente verificar se existem irregularidades a serem punidas ou sanadas, tendo como referência a legislação brasileira, o que inclui entender a ordem econômica em sua integralidade. Se houver ilícito a ser punido, o MPF expressamente o indicará, com a sua opinião sobre quem deve ser punido, qual a punição e quais os remédios precisam ser aplicados para que a conduta seja corrigida.
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