Heveicultura brasileira perdeu espaço e enfrenta crise

Published on: April 9, 2025

“O que existe é uma oferta já reduzida de borracha, e não há como reverter esta situação”

José Fernando Canuto Benesi é presidente da Associação dos Produtores de Borracha Natural de Goiás e Tocantins – APROB-GO/TO e Diretor na Hevea Suporte. Benesi é pela Engenheiro Agrônomo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.


José Benesi, Diretor na Hevea Suporte

AgriBrasilis – Por que o Brasil não é autossuficiente em borracha?

Benesi – A seringueira (Hevea brasiliensis) é nativa do Brasil, mas o país não é autossuficiente na produção de borracha, importando 60% do consumo. No passado, já fomos os únicos produtores mundiais, mas hoje dependemos de importações.

A decadência da produção nacional resulta de fatores históricos, como falta de políticas públicas, dificuldades agronômicas e o contrabando de sementes pelos ingleses. Entre 1879 e 1912, no Ciclo da Borracha, a Amazônia era líder global, exportando para EUA e Europa. Manaus prosperou, refletido na construção do Teatro Amazonas.

Em 1876, Henry Wickham levou sementes para colônias britânicas na Ásia, onde pesquisas e técnicas avançadas aumentaram a produtividade. A partir de 1912, a borracha asiática dominou o mercado, tornando o Brasil importador a partir de 1940. Tentativas de cultivo na Bahia fracassaram devido a fungos, e os seringais foram abandonados.

Nos anos 1970, São Paulo implantou com sucesso a cultura em larga escala, expandindo-a para outros estados na década seguinte. A borracha é estratégica, mas programas governamentais insuficientes mantêm a dependência externa. Para a autossuficiência, seriam necessários mais 300 mil hectares de seringueira.

AgriBrasilis – Como aumentar a produtividade do cultivo de seringueiras? 

Benesi – A produtividade da seringueira depende de diversos fatores, desde o plantio até a sangria, que consiste no corte da casca da árvore para extração do látex. A implantação da cultura exige uma análise detalhada do clima, do solo, do espaçamento adequado, da adubação, do controle de pragas e doenças e, principalmente, da escolha dos clones. O clone mais cultivado mundialmente é o RRIM 600, desenvolvido na Malásia. No entanto, um estudo da Embrapa em Goianésia (GO) avaliou 72 clones e selecionou 10 com produtividade superior ao RRIM 600, alguns com um aumento de até 40% na produção, já sendo utilizados comercialmente.

Após o início da produção, a eficiência da sangria é determinante para a produtividade, tornando a gestão do seringal um fator essencial. Aspectos como o sistema de sangria adotado, o tamanho das tarefas, a profundidade e largura do corte, a ocorrência de ferimentos na árvore e o avanço às geratrizes influenciam diretamente o rendimento. Além disso, fatores como a perda de produção, o declive do corte, a correta estimulação, o controle de pragas e doenças, a prevenção do secamento de painel, a limpeza adequada dos equipamentos, o balanceamento de painel, a realização de uma parada anual e uma gestão eficiente do seringal são determinantes para garantir uma produção sustentável e lucrativa.

AgriBrasilis –  A produção brasileira está superando a crise dos últimos anos?

Benesi – A produção brasileira tem um cenário muito positivo de médio e longo prazo, e vem esboçando uma ótima reação desde o início desta safra de 2024/2025, iniciada em setembro de 2024. Porém, com a guerra comercial deflagrada pelo EUA contra o mundo, o cenário está um pouco nebuloso neste momento e não podemos afirmar que já temos uma previsão consolidada de retorno da competitividade do setor.

Ainda assim, os fundamentos são bons, porque heveicultores ao redor do mundo ficaram muito tempo sem plantar novos seringais, e os seringais existentes estão antigos e em baixa produtividade. Desta forma, qualquer aquecimento da demanda, ou até mesmo uma normalização da oferta e consumo que acontecer no mercado, irá causar uma falta de abastecimento do mercado de borracha, surgindo uma demanda maior. Faltará borracha, e teremos bons preços durante os próximos 5 anos.

Apenas momentaneamente, por conta desta iminente guerra comercial, que está atrapalhando a demanda, não conseguimos prever este cenário com mais precisão. O que existe é uma oferta já reduzida de borracha, e não há como reverter esta situação.

“A Heveicultura não é um mercado econômico natural, porque quando o preço cai, esse movimento deveria desestimular a produção…”

AgriBrasilis – Que fatores estão motivando o aumento dos preços?

Benesi – Os preços da borracha subiram por conta de uma demanda maior do que a oferta. Somando-se a isso, o excesso de chuvas durante a safra passada na maior região produtora, a Ásia e a valorização do dólar frente ao real, contribuem para o aumento do preço da borracha natural no Brasil.

AgriBrasilis – Existe um descompasso entre oferta e demanda globais? Por quê?

Benesi – Existe um descompasso entre a oferta e demanda por dois motivos muito importantes: primeiro, por se tratar de uma cultura permanente, você tem longos períodos de alta e longos períodos de baixa, devido ao fato de que, a partir de um aumento da demanda, até que se aumente o plantio, e o mercado responder a isso, nós estamos falando de 10 anos. Assim como quando se tem uma sobra de oferta, demora-se também para equacionar esse problema, porque é inviável para uma pessoa que realizou um investimento de 50 anos em um seringal, arrancá-lo em um curto prazo por conta de uma variação de preço. 

Mas existe uma coisa muito importante para se falar deste setor em relação à oferta e demanda: há um desequilíbrio no nosso mercado! A Heveicultura não é um mercado econômico natural, porque quando o preço cai, esse movimento deveria desestimular a produção, e desestimulando a produção, diminuiria a oferta e os preços se recuperariam, o que não ocorre neste setor.

Quando há uma diminuição no preço da borracha natural, os principais países produtores da Ásia (Tailândia, Indonésia e Vietnã) continuam comprando a produção, e continuam pagando um preço mínimo, de forma que eles mantêm a oferta, mesmo quando o mercado é desfavorável, e mantendo esta oferta, o preço acaba caindo o dobro do que deveria cair, ao invés de apenas diminuir a oferta e o preço se recuperar. Então o movimento que acontece, resumidamente é: o preço cai, continua se mantendo a oferta, se faz estoque, e o preço cai mais ainda, gerando um fator que atrapalha muito o bom desenvolvimento do setor. 

Contudo, devido a muitos anos seguidos deste problema, os próprios grandes produtores asiáticos começaram a substituir a produção de borracha natural por óleo de palma e outras atividades, diminuindo, gradativamente, a oferta de borracha natural para o mundo.

AgriBrasilis – Onde se concentra a heveicultura brasileira? Como se comparam os diferentes sistemas produtivos?

Benesi – O sistema produtivo de São Paulo está focado na “PARCERIA”, ou seja, os sangradores têm um contrato de parceria com os proprietários dos seringais, recebendo entre 40% e 50% da produção, sendo responsável por todo o trabalho de produção. Na safra 23/24, com os preços deprimidos, houve uma grande evasão desses parceiros dos seringais, agravado pela dificuldade de mão de obra em todas as áreas, e estima-se que que praticamente 30% dos seringais de São Paulo foram erradicados, processo que ainda não se encerrou.  Em MG, MS, MT, ES existe uma mescla ente os sistemas de parceria e CLT. Goiás e Tocantins existe priorização pelo sistema CLT.

O que temos percebido na prática é que essa diferença de contratação dos sangradores ocasiona uma grande diferença na produtividade dos seringais, já que no sistema de parceria o proprietário tem pouca influência no sistema de trabalho do sangrador, ou seja, um gerenciamento quase nulo, para não configurar vínculo empregatício, ficando com produtividade em torno de 1.500 kg por hectare de borracha seca. Já no caso de Goiás e Tocantins, onde o sistema é de CLT, existe uma gestão direta junto aos sangradores, com mais cobranças e orientações, e a produtividade ultrapassa 2.000 kg de borracha seca por hectare.

Fonte: José Benesi.

 

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