Receituário agronômico: ferramenta de gerenciamento do risco fitossanitário

Receituário Agronômico
Published on: April 2, 2025

“…o receituário agronômico é um instrumento fundamental na prática da agronomia…”

Luis Eduardo Pacifici Rangel é conselheiro do Conselho Consultivo do Agro Sustentável – CCAS,  ex-coordenador-geral de agrotóxicos e Afins ex-diretor de sanidade vegetal, e ex-secretário de defesa agropecuária.

Luis Rangel, conselheiro do CCAS


O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – Confea publicou a Resolução 1.149 de 28/03/2025, que estabelece diretrizes para prescrição, uso e fiscalização do Receituário Agronômico no Sistema Confea/CREA. Esse é um passo fundamental para a garantia de segurança e rastreabilidade do controle fitossanitário brasileiro.

O receituário agronômico surgiu em 1974, durante o 2º Encontro de Engenheiros Agrônomos do RS, promovido pela Sociedade de Agronomia daquele estado. A origem do documento é inspirada, sem dúvida, na receita médica. A prescrição médica tem história fundamentada na responsabilidade do profissional em diagnosticar e tratar condições de saúde com base em conhecimentos especializados. O médico, ao emitir receita, utiliza critérios técnicos, o histórico do paciente e a experiência clínica, um processo que foi formalizado ao longo dos anos e hoje é competência exclusiva da medicina, regulamentada por conselhos como o CFM.

De forma similar, o receituário agronômico é um instrumento fundamental na prática da agronomia, especialmente na prescrição de agrotóxicos. O agrônomo deve ter conhecimento aprofundado em epidemiologia, mecanismos de ação de agrotóxicos sobre pragas e doenças, além de conhecimento sobre as influências ambientais, garantindo a segurança do uso dos agrotóxicos. O Receituário deve ser assinado por responsável técnico habilitado e é uma das mais importantes ferramentas de gerenciamento de risco, promovendo o uso seguro e eficaz de produtos químicos na agricultura.

O receituário passou a ser obrigatório e contém as recomendações técnicas para o uso correto de agrotóxicos. Ele deve ser emitido por profissional capacitado, como um engenheiro agrônomo. Previsto pela antiga Lei 7.802 de 11 de julho de 1989, foi mantido na legislação vigente, a Lei 14.785 de 27 de dezembro de 2023.

A Resolução 1.149/25, que passa a regulamentar a emissão do receituário agronômico, estabelece normas que devem ser seguidas pelos profissionais para garantir a segurança e a eficácia das intervenções. O agrônomo tem a prerrogativa de prescrever medicamentos fora das recomendações originais da bula. Com base em sua experiência, o agrônomo utiliza seu conhecimento técnico para adaptar o manejo de pragas às condições específicas de cada propriedade. Essa resolução estabelece acertadamente que o receituário deve ser prescrito exclusivamente por engenheiros agrônomos e florestais.

Engenheiros agrônomos recebem formação abrangente, que inclui conhecimentos em fitopatologia, entomologia, ecologia, plantas daninhas, além do manejo integrado de pragas. Eles são capacitados para identificar problemas fitossanitários, compreender o ciclo de vida das pragas, seus mecanismos de ação e os fatores ambientais que influenciam o surgimento e a proliferação dessas pragas. Esse conhecimento é essencial para a realização de diagnósticos precisos e a prescrição de tratamentos adequados, incluindo agrotóxicos.

O agrônomo também leva em consideração as variáveis ambientais, como clima, solo e biodiversidade, que podem afetar a eficácia do tratamento e a saúde do ecossistema agrícola. Esse conhecimento permite que façam prescrições mais precisas e sustentáveis, maximizando o controle da praga e minimizando externalidades.

O conhecimento do histórico de ocorrência de pragas em determinada região é fator crucial na prescrição de agrotóxicos. Pragas endêmicas, como plantas daninhas, requerem manejo contínuo e especializado. O histórico local ajuda a prever padrões de infestação e a planejar intervenções mais seguras e eficazes.

As interações físico-químicas, sinergismos e antagonismos entre produtos químicos são fatores críticos que os engenheiros agrônomos precisam considerar ao prescrever misturas de agrotóxicos no tanque de pulverização. Essas interações podem influenciar diretamente a eficácia dos produtos e a segurança da aplicação, afetando o controle das pragas e os impactos ambientais e na saúde humana.

Alguns produtos podem reagir entre si quando misturados, formando precipitados, alterando o pH ou degradando ingredientes ativos. O agrônomo, com seu conhecimento técnico, deve avaliar essas interações para evitar que a mistura perca eficácia ou cause danos indesejados às culturas.

A estabilidade físico-química das misturas é essencial para garantir que os ingredientes ativos mantenham sua funcionalidade até a aplicação no campo. Isso inclui a solubilidade dos componentes e a formação de emulsões estáveis.

A escolha do equipamento certo e das condições adequadas (como bicos de pulverização, pressão e volume de calda) é essencial para maximizar a eficácia dos produtos e minimizar a deriva e a contaminação ambiental. O agrônomo tem a responsabilidade técnica de orientar os agricultores na seleção e manutenção dos equipamentos, além de ajustar as doses conforme necessário.

Além de avaliar a eficácia e a segurança, o agrônomo também deve considerar as regulamentações vigentes e garantir que a prescrição de misturas atenda aos critérios legais. A emissão de receituário agronômico é um ato de responsabilidade técnica, que envolve a recomendação de práticas seguras e sustentáveis.

O comportamento das pragas é diferente entre as espécies (sejam insetos, plantas daninhas, fungos, bactérias ou nematoides) e seus organismos alvo ou hospedeiros. Oscilações na intensidade das infestações determinarão usos diferentes em volumes, doses e outras estratégias de aplicação. Nesses casos, o diagnóstico da situação continua sendo fundamental.

O Manejo Integrado de Pragas é um dos conceitos profundamente estudado pelos Engenheiros Agrônomos. Essa estratégia consiste na priorização de formas progressivas de intervenção, que priorizem menores custos econômicos e ambientais, utilizando profundo conhecimento das interações ecossistêmicas da lavoura.

Uma importante política pública conduzida pelo Governo Brasileiro nos últimos 10 anos foi reconhecida internacionalmente como a mais exitosa do planeta. Trata-se da regularização do uso de agrotóxicos para culturas com suporte fitossanitário insuficiente, internacionalmente chamadas de “minor crops”.

Entender a prescrição “off-label” é fundamental. Pragas secundárias são naturalmente controladas por de produtos já recomendados para as culturas, e os engenheiros agrônomos devem utilizar seus conhecimentos para recomendar produtos para as pragas negligenciadas. Dezenas de exemplos ocorrem anualmente no Brasil e a nova legislação corrige idiossincrasias históricas.

Por exemplo: a monilíase do cacaueiro era considerada ausente do Brasil há alguns anos e, pela legislação, não poderia ter indicação de uso de agrotóxicos. Entretanto, o risco iminente de sua introdução no Brasil levou ao estudo de estratégias de contingência com controle químico com produtos já autorizados para outras culturas e extensíveis a praga em questão, a ser utilizado quando de sua infestação.

Esses casos ocorrem diuturnamente nas condições tropicais brasileiras e novas pragas podem ser controladas com o uso de substâncias autorizadas, considerando essa autonomia dada pela legislação ao engenheiro agrônomo. Assim, contingências podem rapidamente ser aplicadas, evitando danos econômicos graves e priorizando produtos menos tóxicos.

A Resolução 1.149/25 ainda aborda temas complexos historicamente negligenciados ou dificilmente controlados, como as vendas e prescrição “online” e a prescrição preventiva, exemplo de como devemos orientar os assuntos de maneira eficiente. Por exemplo, a prescrição de produtos em caráter preventivo apenas será admitida mediante o uso de dados técnicos, histórico da área e demais informações pertinentes, com ênfase na prática de Manejo Integrado de Pragas.

 

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