Setor agrícola do Peru apresentou maior contração em 30 anos

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“Os protestos sociais provocaram o colapso da economia peruana no primeiro trimestre…”

Victor Fuentes Campos é gerente de políticas públicas do Instituto Peruano de Economia, formado em economia pela Universidade do Pacífico, e mestre em políticas públicas pela Universidade de Chicago.

Victor Campos, gerente de políticas públicas do Instituto Peruano de Economia


AgriBrasilis – Qual tem sido o desempenho da economia peruana e quais são as expectativas para 2023? Como está o setor agrícola?

Victor Fuentes – A economia peruana tem apresentado fraco crescimento ao longo de 2023, acumulando contração de 0,4% entre janeiro e março, e posteriormente registrando um avanço anual de 0,3% em abril. Esse baixo dinamismo durante os primeiros quatro meses do ano obrigou o IPE a revisar a perspectiva de crescimento do PIB para 2023 de 1,9% para 1,7%.

A redução do crescimento se deve principalmente ao lento dinamismo do gasto privado, afetado pela ausência de novos investimentos, pela menor geração de empregos formais e pelas pressões inflacionárias, que ainda limitam a recuperação do poder de compra das famílias.

O setor agrícola caiu 20% em abril de 2023, o que representou a maior contração das últimas três décadas, após uma série de choques adversos sofridos pelos agricultores em 2022. Dentre esses choques, pode-se citar o déficit de chuvas nas áreas altas andinas do centro e sul do país, bem como o forte aumento nos custos de fertilizantes e agrotóxicos.

A redução no setor agrícola tem sido explicada principalmente pelas menores rentabilidades dos produtos voltados ao mercado interno, que contribuíram com aproximadamente 90% da contração do setor em abril e acumularam queda de 13,5% nos primeiros quatro meses de 2023.

AgriBrasilis – Qual é a participação da agricultura na economia do país? Quais são as principais culturas agrícolas e atividades pecuárias?

Victor Fuentes – O setor agrícola representa aproximadamente 6,0% do PIB. Embora esse percentual pareça pequeno, a relevância econômica da agricultura é evidente no mercado de trabalho, já que quase 25% dos empregos gerados no país estão concentrados no setor.

As principais culturas agrícolas são tradicionalmente o arroz e a batata, que juntos representam quase metade da produção para o mercado interno. Porém, nos últimos anos, outros produtos começaram a ganhar importância, como é o caso do mirtilo, voltado para o atendimento da demanda externa.

Na produção animal, a avicultura é predominante e concentra mais da metade da produção do subsetor pecuário. Depois disso, segue-se a produção de leite, a criação de carne e a produção de ovos.

AgriBrasilis – Que incentivos governamentais, incluindo créditos agrícolas e subsídios, estão disponíveis para os agricultores?

Victor Fuentes – Uma das ferramentas que o governo peruano utiliza para apoiar os agricultores é o Fundo de Inclusão Financeira de Pequenos Produtores Agrícolas. Esse fundo funciona como um esquema de garantia através do qual se promove a redução dos juros dos empréstimos concedidos pelo Agrobanco aos pequenos agricultores. O Governo Central recentemente repassou US$ 13.51 milhões para esse fim.

Outro programa que se fortaleceu recentemente é o Agroideas, com o qual os agricultores são apoiados financeiramente na implementação de planos de negócios para melhorar sua competitividade e acesso aos mercados, por meio do cofinanciamento de máquinas e equipamentos, bem como através da adoção de novas tecnologias. A meta desse programa para 2023 é financiar 1.086 planos de negócios por um total de US$ 57.36 milhões, com ênfase em regiões recentemente afetadas por condições climáticas adversas e com uma abordagem que considera o empoderamento de mulheres rurais e indígenas em nível nacional.

AgriBrasilis – Algumas avaliações indicam que as perspectivas de investimento privado são negativas no país. Qual é a sua opinião e quais são as consequências desta condição?

Victor Fuentes – O investimento privado registrou queda de 12% no primeiro trimestre de 2023 e deve manter queda de dois dígitos no início do segundo trimestre, segundo cálculos do IPE. Esse baixo desempenho se deve à ausência de grandes projetos de investimento para substituir o tamanho da Quellaveco no setor de mineração e à perda significativa de dinamismo experimentada pelos gastos da autoconstrução.

O investimento privado deve acumular redução de 5,0% em 2023, devido à lenta recuperação da confiança empresarial e em função dos custos de financiamento ainda elevados.

As principais consequências da queda do investimento privado são as menores oportunidades de geração de empregos formais, o que limitará a recuperação do poder de compra das famílias no curto prazo. No médio prazo, o desempenho negativo do investimento reduz a capacidade e o potencial de crescimento do país, por meio de menor acumulação de capital e progresso limitado da produtividade da economia.

AgriBrasilis – Quais são os efeitos econômicos dos protestos sociais que estão ocorrendo no Peru? Pode-se dizer que a inflação é uma das causas desses protestos?

Victor Fuentes – Os protestos sociais provocaram o colapso da economia peruana no primeiro trimestre, período que acumulou uma queda de 0,4%, afetando com maior intensidade os setores ligados à demanda interna, como construção, comércio e serviços relacionados à atividade turística.

O detalhe dos resultados económicos do primeiro trimestre revelou que os bloqueios de estradas e as manifestações violentas provocaram uma perda de dinamismo na despesa privada, através da diminuição do consumo das famílias e da interrupção de obras de investimento, principalmente na autoconstrução.

A inflação pré-conflito pode ter influenciado os protestos no sul do país. De fato, no final de 2022, 9 das 11 cidades do país com maior inflação estavam localizadas no sul do Peru. No entanto, as evidências apontam mais para o fato de os bloqueios e as agitações sociais terem provocado maiores pressões inflacionárias nas regiões, dada a falta de oferta de produtos básicos, como alimentos e combustíveis, principalmente no sul e leste do país.

Em Puno e Madre de Dios, por exemplo, os preços para os consumidores em janeiro aumentaram 6% e 3%, respectivamente, em relação ao mês anterior, valor bem acima da inflação mensal média nacional (0,5%). Os preços começaram a inverter esse forte aumento à medida que se normalizou a oferta de alimentos e combustíveis nos principais mercados dessas regiões.

Por trás dos conflitos sociais registrados no início do ano estão razões mais estruturais, que transcendem a dinâmica conjuntural da inflação. Puno e Ayacucho, por exemplo, registram a terceira e quarta maiores taxas de pobreza em nível nacional (40,7% da população em média). Puno apresenta a maior incidência de anemia em todo o país, por exemplo, com 67% das crianças menores de três anos sofrendo dessa condição.

AgriBrasilis – O senhor considera que as economias regionais do sul do Peru devem ter um desempenho pior em 2023. Por quê?

Victor Fuentes – Atualmente, a zona sul do país tem apresentado uma dinâmica bastante diferenciada entre as subregiões que a compõem. Por um lado, existe a região de Moquegua, por exemplo, que vem crescendo com uma média acima de 30% entre o terceiro trimestre de 2022 até o mesmo período de 2023, favorecido pelo início da fase de produção do projeto de mineração Quellaveco.

No entanto, no outro extremo estão o resto das regiões do sul, como Apurímac, Ayacucho, Arequipa, Cusco, Puno e Tacna. Em média, o PIB dessas regiões registrou queda de 4,1% no primeiro trimestre de 2023, o que ilustra os efeitos negativos dos protestos e bloqueios registrados no início de 2023. É muito provável que, diante de uma clima de conflito social latente, essa zona do país apresente um maior grau de incerteza, que afeta as decisões de consumo e investimento do setor privado, o que afeta o seu desempenho económico mais do que em outras zonas do país como o norte, centro e leste.

À medida que se dissipam as perturbações que afetaram o funcionamento de várias regiões de mineração, ou que limitaram a mobilidade e o trânsito de pessoas, a zona sul poderá recuperar um ritmo mais acelerado até o final de 2023.

AgriBrasilis – Qual o papel dos acordos de livre comércio para as exportações agrícolas? Que mercados foram abertos nos últimos anos?

Victor Fuentes – A assinatura de acordos comerciais entre o Peru e outros países tem desempenhado papel fundamental no posicionamento dos produtos agrícolas peruanos nos mercados internacionais.

O Peru tem 22 acordos comerciais em vigor até o momento. Isso inclui mercados como EUA, China, União Européia, Comunidade Andina, Aliança do Pacífico, Austrália, Reino Unido,  Canadá, etc. Por meio desses acordos, grande parte dos produtos agrícolas para exportação ​​acessa esses mercados sem maiores restrições, isentos do pagamento de tarifas. Tudo isso permitiu que o Peru se consolidasse como um dos países líderes na exportação de produtos como mirtilos, uvas, abacates e quinoa em todo o mundo.

Em 2022, mirtilos, uvas e quinoa do Peru ocuparam o primeiro lugar no mercado mundial de exportação, seguidos por aspargos (o Peru ocupa o 2º lugar nas exportações mundiais), frutas cítricas (2º), abacates (3º), alcachofras (3º), mangas (4º), cacau ( 9º) e café (15º), cujas vendas ao exterior somaram US$ 6,1 bilhões em 2022 e foram destinadas para EUA, Holanda, Espanha e Reino Unido. As exportações destes produtos cresceram sete vezes entre 2007 e 2022, e entram com isenção de impostos no âmbito dos acordos comerciais com os EUA, União Europeia, China, Chile, México, Colômbia, entre outros.

Um exemplo notável são as vendas externas de abacate, que aumentaram mais de 19 vezes entre 2007 e 2022, sendo que até hoje esse é um alimento cuja demanda é crescente.

 

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